segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Uma réplica digital e questões de vida e de morte

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João Pedro Pereira
4.0 Tecnologia, inovação e empreendedorismo   


Na tecnologia, sete anos é muito tempo.
Quando, em 2010, escrevi sobre o problema do legado digital (aquilo que fica online após a morte do utilizador), a inteligência artificial não era um tema da moda, os smartphones eram uma novidade relativamente recente, e a ideia de criar uma réplica de alguém com base naquilo que ela deixa na Internet não estava prestes a chegar às lojas de aplicações.
Agora, a Karla Pequenino conta como uma empreendedora russa radicada nos EUA diz ter replicado num programa de computador um amigo que tinha morrido num acidente. Essa ideia acabou por dar origem a uma aplicação que promete replicar quem quer que a use – e que, em teoria, poderá continuar a falar com amigos e familiares após a morte da pessoa. É um cenário que oscila entre ser uma nova forma de luto e uma nova forma de convivência.
O artigo, que aborda outras questões relacionadas com o legado online, merece ser lido na íntegra. Resumidamente: Eugenia Kuyda usou as mensagens e emails trocados com o amigo para criar uma versão digital com a qual pudesse “falar”. Na sequência disso, prepara-se para lançar uma aplicação capaz de conversar com os utilizadores, de se ligar às respectivas redes sociais e de aprender sobre eles. Pretende ser uma espécie de amigo dentro do telemóvel (para quem queira um amigo que seja um espelho de si próprio). Em caso de morte do utilizador, há algum potencial de substituição da pessoa pela máquina.
As experiências do PÚBLICO a conversar com a aplicação, chamada Replika, não foram extensas, nem conclusivas (ponto importante: não foi claro que a inteligência artificial conseguisse de facto aprender muito a partir das redes sociais). Mas a questão não era saber se a tecnologia desenvolvida pela pequena empresa de Kuyda funciona bem. A Replika é um exemplo de um fenómeno mais vasto: o esforço do optimismo tecno-entusiasta para lidar com um dos grandes limites humanos.




O conceito desperta imediatamente três questões, de entre muitas outras possíveis. Queremos criar réplicas de nós próprios e estaremos confortáveis com o que quer que essas réplicas façam depois de morrermos? Queremos interagir com réplicas digitais de amigos e familiares que tenham morrido? É plausível pensar que uma aplicação vai conseguir aprender o suficiente sobre um utilizador para o replicar, pelo menos ao nível conversacional, de forma fidedigna?
As duas primeiras perguntas terão respostas necessariamente subjectivas. A resposta à terceira questão é, muito provavelmente, sim – haja vontade de quem tem recursos para isso.
A inteligência artificial e a linguagem natural, nas suas múltiplas declinações, estão entre as áreas de eleição das grandes multinacionais tecnológicas (além disso, é conhecida a fixação e alguns magnatas da tecnologia com as questões da vida e da morte). Basta que alguém como Larry Page (que criou uma empresa para resolver as doenças associadas ao envelhecimento) ou Mark Zuckerberg (que quer erradicar todas as doenças até ao fim do século) se queira replicar para tenhamos dezenas de cientistas de topo a trabalhar no problema. Depois, será só uma questão de tempo.

Digno de nota

- O browser Chrome, do Google, passou a integrar uma tecnologia que permite aceder a sites de realidade virtual (funciona apenas com os óculos Daydream View, do próprio Google, que por sua vez são compatíveis com apenas três telemóveis). É um primeiro passo para que os utilizadores possam aceder a conteúdo de realidade virtual com a facilidade com que acedem a uma página na Web. Mas o caminho ainda é longo. (Nota: na newsletter anterior, escrevi que a IDC estimava que os aparelhos de realidade virtual e aumentada iam triplicar até 2020; na verdade, a analista estima que venham a ser dez vezes mais naquele ano.)
- O Twitter apresentou resultados na semana passada e, sem surpresas, continua a dar prejuízos. A rede social, que começou como uma ferramenta de conversa entre amigos e parece viver numa indefinição sobre o produto que quer ser, disse ter encontrado uma identidade: “O sítio melhor e mais rápido para ver o que está a acontecer no mundo e aquilo de que as pessoas estão a falar”.
- Os trolls – os utilizadores de Internet que têm um comportamento tóxico, alimentando discussões, assediando e insultando outros utilizadores – são um problema antigo e de solução difícil. O Google e a Wikipedia estão a unir esforços para criar um sistema de inteligência artificial que consiga filtrar os comentários daqueles utilizadores com a mesma precisão que um ser humano. Entretanto, investigadores americanos publicaram um artigo em que apontam algumas causas para o comportamento dos trolls. Ao que parece, há um efeito circular: comentários negativos levam a mais comentários negativos.
4.0 é uma newsletter semanal dedicada a tecnologia, inovação e empreendedorismo. O conteúdo patrocinado nesta newsletter não é responsabilidade do jornalista. Críticas e sugestões podem ser enviadas para jppereira@publico.pt. Espero que continue a acompanhar.

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