Classes média e alta trocam Florida por Lisboa, Porto ou Coimbra, entre outros destinos, para fugir da crise
Cansados da economia em frangalhos, da inexistência de serviços públicos de qualidade e principalmente da falta de compromisso dos brasileiros com o trabalho, Luciano e Mônica, ambos de 42 anos, andavam há anos a estudar a ideia de emigrar. Até que numa noite de abril de 2016 um assalto a uma empresa de valores perto da casa onde viviam, em Santos, provocou um tiroteio e três mortes. O casal teve de passar a noite deitado no chão. Por causa da tensão, a filha de ambos, Júlia, vomitou. Foi ela, com 8 anos, quem sentenciou na manhã seguinte: "Quero ir embora do Brasil".
"Hoje temos um café em Braga", conta ao DN Luciano Blandy, advogado de formação. Descendente de portugueses e ingleses e com cidadania italiana, foi para Portugal, rodou pelo Norte até encontrar o café onde investiu cinco mil euros. "Agora já não tenho medo de levantar dinheiro à noite." Além da segurança, o ex-advogado conta: "Aqui, apesar dos problemas, as pessoas têm compromisso com o que estão a fazer, têm uma vontade genuína de encontrar uma solução para os problemas. No Brasil é tudo paliativo, tudo para inglês ver."
Christiano Mascaro, 41 anos, ainda não deu o passo definitivo. "Em maio vou a Lisboa fazer uma viagem de prospeção", conta ao DN, "e pode ser o penúltimo passo antes da emigração". Designer e ilustrador com longa carreira no país natal, Mascaro tem medo "do Brasil de amanhã". "Desenha-se um conservadorismo brutal, a agenda que os evangélicos impõem é assustadora", diz. "Portugal está a moldar-se a valores liberais com os quais me identifico, mais cosmopolita, mais aberto, livre de amarras que só trouxeram sofrimento e distorções." Pelo contrário, diz, "o Brasil corrupto está a perder o seu aditivo, que era a espontaneidade e a tolerância, está em contramão e vai perder mais uma oportunidade".
Corrupção, crise económica, insegurança, maus serviços públicos e agenda conservadora são os motivos apontados por uma certa classe média e alta para sair do Brasil - mas já eram mais ou menos essas as razões mencionadas há quatro anos, quando houve debandada geral para os Estados Unidos, em particular para a Florida. Na altura, médicos chegavam a abrir clínicas em Miami e cobravam fortunas para brasileiras endinheiradas darem à luz por lá e garantirem cidadania americana aos seus filhos.
Hoje, em vez da Florida, é Portugal que está na moda. "Preferi Portugal a Miami pela calmaria", disse à revista Veja a empresária Christiana Braga, hoje a morar no Estoril. Além disso, a facilidade para obter passaporte e visto, por contraste com as resistências dos EUA versão Donald Trump, ajudam. "Os brasileiros descobriram Portugal há pouco. Tinham fascínio pelos EUA, só queriam ir para Miami", diz Pedro Lancastre, diretor da JLL Consultoria Imobiliária. Hoje, o Brasil responde por 14% da clientela.
"Sem contar com o clima aprazível em qualquer época do ano e a comunidade de afetos que nos une", acrescenta ao jornal Folha de S. Paulo Gilmar Mendes, juiz do Supremo Tribunal Federal e figura--chave nos processos de impeachment e dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, hoje com apartamento comprado no Príncipe Real.
Tudo somado, estima-se que o movimento que leva o Consulado de Portugal em São Paulo a conceder 820 novas cidadanias por mês faça crescer o número de brasileiros no país colonizador dos atuais 85 mil para 100 mil, em breve. Que essa diferença resulta da emigração de cidadãos mais qualificados e abastados, nota-se no aumento de transferências financeiras de Portugal para o Brasil - de 55,6 milhões de dólares em 2014 para 71,1 em 2016. Em 2014, a percentagem de brasileiros entre os estrangeiros que mais procuravam imóveis em Portugal era de 6%, hoje é de 10%. Até 2015, tinham sido concedidos 69 vistos gold (autorização de residência em troca de investimento de um milhão de euros) a cidadãos do Brasil, hoje são 282.
"Recomendamos fortemente o investimento em imóveis em Portugal. Você paga barato, está na Europa, forma um património em euros e o retorno varia de 5% a 15%", avalia Renato Breia, sócio da Empiricus, consultoria financeira que abriu filial em Lisboa. O metro quadrado em áreas nobres de Lisboa, apesar de uma subida de 46% nos últimos dois anos, ainda é barato comparado com outras capitais europeias - ronda euro oito mil euros; em Paris chega a euro 18 mil e em Londres a 27 mil euros.
Depois de ter sido feita refém num assalto em Curitiba, a família de Aroldo Schultz, um dos tais 282 brasileiros com visto gold, vive agora no Belas Clube de Campo, entre Sintra e Lisboa, em nome "da segurança". Dono de uma produtora de vídeo, José Luiz Nogueira, 57 anos, trocou o caos de São Paulo por um apartamento com vista para o Tejo, pela "qualidade de vida". "Os meus filhos de 13 e 10 anos andam sozinhos de metro", uma missão arriscada para pré-adolescentes paulistanos, relata ao jornal Folha de S. Paulo.
Porém, a cidade mais procurada pelas classes média e alta brasileiras não é Lisboa: é Coimbra, onde mais de 10% dos alunos da universidade são naturais de Terras de Vera Cruz. Um indicador de que no futuro o número de brasileiros e descendentes em Portugal continuará a crescer.
Fonte/Foto: DN
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