E pronto. “Les jeux sont faits”. Agora é esperar por domingo e pela contagem dos votos. Que, se as sondagens não se enganarem (como não se enganaram na primeira volta), terminará com a consagração de Emmanuel Macron como novo Presidente da França. É por isso obrigatório voltar ao tema, com uma selecção de textos que olham sobretudo para o “dia seguinte”.
Antes, porém, alguns apontamentos sobre o debate de quarta-feira passada. Uma das leituras mais interessantes que vi dele foi a feita pelo site de informação Suffragio que, em Le Pen-Macron debate echoes Trump-Clinton slugfests, estabelece alguns interessantes e reveladores paralelos entre a forma como decorreram os debates entre Trump e Hillary e este “combate de boxe” francês. E se as similitudes são muitas e por vezes perturbadoras, pelo menos a conclusão não o é: “Le Pen, for all her antics, isn’t Trump. She lacks the showmanship, the decades-tested talent to play to the cameras, the willingness to shock and cajole and even spout utter nonsense in such a way that no one — neither supporters nor opponents — can seem to turn away from watching. Le Pen just doesn’t have that same panache, that joyful, if often divisive, pugilism. That may be one reason she’s running 20 points behind Macron.”
É verdade, são pelo menos 20 pontos de diferença. Contudo, como recorda o Financial Times numa análise informada – Liberté, egalité or stay away? French voters prepare to abstain – o grande problema, ou a grande incógnita, pode ser uma abstenção elevada, uma vez que “Polls suggest millions may pick neither Le Pen or Macron on Sunday”. E essa vontade de não votar não é um exclusivo da esquerda mais radical a que olha para a escolha entre Macron e Le Pen como correspondendo a escolher entre a peste e a cólera – a abstenção pode também tentar muitos eleitores da direita conservadora que, na primeira volta, votou Fillon. Isso mesmo resulta claro da reportagem da France Info numa região que vota tradicionalmente republicano: "On ne veut ni l'un ni l'autre" : la très catholique Vendée hésite entre Emmanuel Macron et Marine Le Pen. Eis como isso é explicado por um militante local: "On ne se retrouve pas dans les candidats du second tour", confirme Jean Legrip, membre des Jeunes républicains de Vendée et responsable départemental de Sens commun auprès des jeunes et des étudiants. "Macron, c'est le retour à cinq ans de hollandisme, pendant lesquels la France a tant souffert. Et Marine Le Pen, c'est délicat sur l'économie, elle a le même programme que Mélenchon !"
Mas se na Vendeia são os católicos tradicionalistas que hesitam, no nordeste, em Calais, são os comunistas que confessam ir votar Le Pen. Mesmo fazendo-o ainda sem dar a cara, como constatou o enviado do Observador, João Almeida Dias, em Quando o proletariado apoia Marine Le Pen, a “única socialista”. Nesse texto, cuja leitura recomendo vivamente, a conversa com “Xavier” é especialmente reveladora: “Para mim, é impossível votar num tipo que apoia todas as coisas que vão levar ao meu despedimento daqui a uns meses”, diz Xavier. “Marine Le Pen é a única socialista nas eleições, logo…”, diz. Logo, vota nela.
Mas passemos a textos mais de análise, não sem antes referir que o Observador estreou ontem, quinta-feira, um novo formato de vídeos, a que chamámos BICA (Balanço + Informação + Crítica + Análise) e que dura precisamente o tempo de tomar um café e trocar rápidas impressões. Neste primeiro programa eu, o Miguel Pinheiro e o Edgar Caetano fizemos um balanço rápido das duas horas e meia de pugilato Macron/Le Pen e garanto-vos que saindo um pouco da linha geral do grosso dos comentadores encartados das nossas televisões.
Eu próprio desenvolvi depois algumas das ideias que apenas enunciei nesse pequeno programa num texto de opinião mais longo, Lamento, mas não creio que o messias se chame Macron. Eis, em síntese, o que aí defendo: “É verdade: [Macron] conseguiu fazer frente, no debate de quarta-feira, a uma intratável Marine Le Pen. Mas ninguém que tenha visto o debate pode dizer que ele fez sonhar ou que foi o rosto da esperança. Por isso, realisticamente, prefiro baixar as minhas expectativas – não creio que saia das eleições de domingo o novo messias que já vejo por aí anunciado. Mas já me darei por satisfeito por, mais uma vez, “o centro ter aguentado”.
Para continuar em Portugal, de tudo o mais publicado nestes últimos dois dias o meu destaque vai para o texto de Francisco Assis, no Público, França: entre o centro e os extremos, onde se escreve que “Há quem se apresse a declarar o fim do binómio esquerda-direita. As coisas não são bem assim.” O que não significa que as mutações a que estamos a assistir sejam fáceis de interpretar: “Num contexto de grande transformação cultural, tecnológica e social é muito difícil estabelecer a distinção entre motivações revolucionárias e motivações reaccionárias. Ambas têm sempre, contudo, alguns pontos em comum: pouco apego à liberdade, escasso respeito pela democracia representativa, profunda adesão a utopias colectivistas ou comunitaristas ou até mesmo organicistas.”
(Nota à margem: no final da sua coluna o eurodeputado do PS aborda o relatório sobre a dívida pública, tema já aqui tratado esta semana. As suas observações, muito críticas de um documento que classifica como sendo de “carácter quase infantil”, terminam com umas interrogações dirigidas ao seu próprio partido que deveriam ter merecido mais atenção: “Estará mesmo António Costa ao corrente de tão inusitado quanto fútil documento? Estaremos perante dois Partidos Socialistas? Um exuberantemente adolescente e outro proclamadamente adulto? Ou estaremos apenas perante um deplorável exercício de cinismo político, que em nada concorre para a saúde da nossa democracia?”)
Passemos agora, por fim, a uma breve recolha de algumas referências internacionais mais viradas para o futuro. Ei-las:
- The Fall of the French Ruling Class?, de Hugo Drochon, um professor de Cambridge, no Project Syndicate é uma longa análise do que se está a passar em França, com muitas referências originais mas onde também se sublinham algumas evidências, nomeadamente quando se procura explicar o porquê da profundidade do terramoto político anunciado: “All of this, of course, would not have been possible without a change in mœurs: the French public are fed up with the old customs and practices – including the hiring of family members as assistants, which in fact is perfectly legal – and they want change. If the swamp is to be drained, it will be the work of three social forces, to use Mosca’s terms: a rejuvenated journalism, an empowered judiciary, and a change in morality. The great irony is that the person anointed to effect this change, Macron, is a pure product of the system: an énarque who worked for Rothschild & Cie Banque, before becoming an unelected minister under Hollande.”
- Europe's New Hope, do economista alemão Daniel Gros, publicado no Handelsbatt, é um texto onde se coloca alguma água na fervura dos mais entusiastas, mesmo reconhecendo que a França não está tão mal como a pintam: “While much has been made of the weaknesses in the French economy, in many ways, France represents the euro-zone average. Its growth rate has been about half a percentage point lower than Germany’s over the last few years. But this is now changing and France’s potential future growth is about half a percentage point higher than that of Germany and its shrinking population. Moreover, France’s unemployment rate is declining, though it remains much higher than Germany’s.” Seja lá como for há um longo caminho a percorrer, como resulta claro dos dois gráficos que publica e que reproduzimos abaixo:
- The Trouble for France's Next President, de Camille Pecastaing na Foreign Affairs é, porventura, uma análise mais pessimista sobre a margem de manobra daquele que deverá ser o próximo Presidente da França. Pequeno destaque, onde se remete para as dificuldades geradas pelo sistema constitucional da V República: “His status as an outsider will also be his limit. The prime minister, over whom Macron will have no real institutional authority, will draw power from his or her party’s control of the legislature. In an ideal partnership, the center-right prime minister would push much-needed reforms through the Parliament, and Macron would use his charisma and energy to sell those reforms to the people. But in politics, the best-case scenario rarely comes to pass. With similarity comes the risk of intense and paralyzing rivalry. Macron may have no real power, but as president he could thwart the prime minister by issuing constant criticism of his or her actions.”
- A Not-so-Ideal Partner in Paris é de novo uma análise do Handelsblatt, agora de Jean-Michel Hauteville, para quem “Berlin’s favorite candidate (...) Emmanuel Macron will probably disappoint Germany’s high expectations”. Entre as diferentes razões elencadas destacam-se as profundas divisões existentes na sociedade francesa: “The French electorate is split into three increasingly irreconcilable camps: populist extremists on the left, populists on the far right, and centrists. The likely gridlock means that France is at risk of “wasting the next five years”.
Para o fim deixei três trabalhos muito diferentes e que distinguem pelo seu olhar ou mais profundo, ou mais desafiador:
- The Geopolitics of France é um livro electrónico preparado e vendido (muito caro, aviso já), pela Statffor, que não li mas cuja introdução e arranque me pareceram suficientemente interessantes para vo-lo sugerir. Como se escreve na apresentação, “Uniquely, France is a Northern and Southern European power. But while this positions France to dominate Europe, it rarely has the size to do so. This monograph explains how while France is nearly always engaged in Europe, it is only rarely ascendant.” Uma parte deste destino tem a ver com o que é imutável (ou quase), como a geografia, e aí o livro abre logo com um mapa muito interessante (abaixo) e com uma introdução geográfica à Europa onde se chama a atenção para a “planície norte-europeia” e para o papel que ela desempenhou e desempenha. Ora olhando para o mapa vemos logo a própria geografia cria logo “duas Franças”.
- Is Marine Le Pen really far-right?, de Douglas Murray na Spectator, é uma análise tão provocatória como penetrante à facilidade – facilidade errada e perigosa – com que se tende a colocar no mesmo saco de uma alegada “extrema-direita” o que nem sempre o é. Só que, “By smearing all opponents as fascists, the left blurs the line between democracy and thuggery”. Eis uma parte do argumento: “What is ‘far-right’? With the progress of Marine Le Pen to France’s presidential run-off, the term has been liberally used — as it has been over recent years across the West. Golden Dawn in Greece, Jobbik in Hungary, and the Sweden Democrats are all said to be far-right, to name but three. The fact that the first two of those groups engage in intimidation, racism and overt displays of political violence would ordinarily distinguish them from a peaceful democratic party opposed to mass immigration like the Sweden Democrats. Yet everywhere there is the same name creep.”
- Brexit is not nationalism. It is not extremism. It is our defence against both those things, de Tim Stanley no Telegraph, pode parecer desajustado neste alinhamento, mas é daqueles que, por desafiar ideias feitas sobre o que é o populismo na Europa, obriga a pensar, até porque contrapõe de forma penetrante as tradições políticas anglo-saxónicas e continentais: “In the midst of crisis, Britain generally moves to the centre; it keeps calm and it carries on. The history of Europe in the Thirties was very different – and the EU, with its divided powers and powerful liberal elite, was an attempt to ensure that Nazism and Stalinism would never happen again. The EU’s very constitution thus betrays a deep mistrust of its own citizens. The irony is that its failed economics and migration policy have given its citizens reasons to move to the far-Right and far-Left.”
Note-se que este texto data de Abril passado, ou seja foi escrito bem antes de o UKIP ter sido praticamente varrido do poder local nas eleições que tiveram lugar esta quinta-feira no Reino Unido. O UKIP, vejam lá – o mesmo UKIP que se dizia imparável depois do triunfo do Brexit. Ou seja, nem sempre o que parece, é, nem sempre o que parece adquirido se concretiza, sobretudo quando se possui uma velha tradição democrática como é o caso do Reino Unido. Mais um texto para ajudar a pensar neste fim-de-semana à espera de domingo à noite. E com chuva por cá e por lá, por terras de França.
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