Candidato à Câmara de Loures pelo PSD e com o apoio do CDS, o comentador critica a “impunidade” cigana |
É a primeira vez que encabeça uma lista numa candidatura política. Está mais nervoso que entusiasmado?
Desde que cheguei que vou ficando mais animado. A campanha está a correr bastante bem. Termos conseguido uma coligação é muito positivo porque, independentemente dos números, a ideia de uma coligação com dois grandes partidos (PSD/CDS) para a Câmara de Loures faz crer que, pela primeira vez, é possível chegar lá. É uma conjugação de esforços que mobiliza.
E agora acredita que é possível?
Cada vez mais. E acredito que as pessoas também sentem isso e que é por isso que se têm juntado mais a nós.
Quão difícil é separar o André Ventura em campanha do André Ventura do comentário televisivo?
É muito difícil porque é a mesma pessoa. É o meu estilo e eu continuarei sempre a ser assim. Mas reconheço-lhe que é difícil. Ainda ontem, numa ação de campanha, 90% das pessoas que vinham falar--me na rua queriam conversar sobre futebol, sobre o Benfica ou sobre o programa.
Como vê isso?
Por um lado, é muito positivo porque cria um elo de comunicação imediato com as pessoas. Por outro lado, pode ser complicado e tenho feito um esforço para que os munícipes de Loures saibam que o André Ventura do Benfica ou o André Ventura comentador é uma pessoa que tem ideias e propostas, e que é isso que vão sufragar.
Acha possível um sportinguista votar em si?
Olhe, é uma boa questão. Sabe que tenho pensado muito nisso [risos]. Será que um sportinguista do PSD vota em mim ou diz “não, este ano nem pensar!”?
E a que conclusão chega?
Continuo a ter dúvidas! Dia 1 de outubro saberemos! Mas olhe, também pode acontecer um comunista ou um socialista dizer que este ano vota no PSD. Há que ter noção que o futebol é das coisas mais difíceis de separar porque toca a emoção das pessoas. As pessoas conseguem separar os partidos, mas não conseguem separar o futebol. Passam por mim em campanha e dizem “Benfica!”, “Rumo ao penta!”, e perde-se alguma ligação política, mas ganha-se uma ligação pessoal.
E a pessoal é mais importante para si?
É. As pessoas fazem essa imagem de mim. Quem não conhece, já tem essa imagem, quem conhece, acaba por também ter. Se procurarem na internet ou nos jornais encontram coisas muito agressivas, tipo “André Ventura em guerra aberta com o FC Porto”, “Porto processa André Ventura” ou “Pedro Guerra e André Ventura envolvidos em não sei quê”…
Almoça muitas vezes com ele?
Bom, não almoço muito com ele, mas falamos normalmente. Mas isto para lhe dizer que essa personalidade muito agressiva não é o que sou e gosto de dar a conhecer às pessoas esse lado mais pessoal. Uma coisa é o nosso comentário na televisão, outra coisa é a nossa participação no espaço público.
Como professor universitário, também foi uma linha difícil de separar ou não?
Muito difícil também. A academia, que é o mundo onde eu trabalho e gosto de estar, é um mundo algo conservador que nem sempre aprecia o estilo televisivo como o deste tipo de programas. Tenho dois tipos de reação. Dos alunos, uma excelente, de questões e de aproximação. É raro chegar às aulas e não haver um aluno a querer comentar o que foi dito no programa anterior. Institucionalmente, não tenho razões de queixa e sou muito bem tratado nas duas universidades onde dou aulas. Mas sinto que há uma certa desconfiança em relação ao tipo de perfil de comentador desportivo e espero que seja ultrapassada.
E como?
Hoje temos comentários de desporto que muitas vezes ultrapassam a linha, que exageram. Até eu já tive de pedir desculpas. Mas comentar futebol não é o mesmo que comentar política, onde há um ambiente mais cordial e a tensão está mais baixa. No futebol, a tensão está sempre ao limite, com as emoções à flor da pele - há jogos todas as semanas, e eleições só há de quatro em quatro anos. O que me importa é que tanto os munícipes quanto a universidade saibam que a pessoa que comenta… por exemplo, você, se for do Sporting e for ao estádio, também vibra, também chama nomes, e o comentário é assim: sentimos que estamos num estádio.
E ainda lhe dá o mesmo entusiasmo?
Dá, gosto muito de ser comentador. Faz parte da minha essência.
Doutorou-se em York, acabou Direito com média de 18. Não é paradoxal um homem preparado entrar no comentário desportivo a pés juntos?
É, pode ser paradoxal. Há muitos alunos e colegas meus que me perguntam isso porque parece que veem uma pessoa diferente na academia. Mas tem de ser assim. A televisão exige algum trabalho da emoção. Não posso tratar os programas desportivos como se estivesse a dar uma aula. O futebol é emoção, não é razão. Mas reconheço que não fica bem, e já aconteceram alguns tipos de comentários e insinuações a um professor universitário, e tenho sempre a preocupação de pedir desculpa cá fora. Confesso que nem sempre foi fácil, que há amigos que perdi e comentadores com quem não consigo ter uma relação.
Mas também é comentador político. Tem uma coluna de opinião no “Correio da Manhã”.
É uma das primeiras coisas em que se repara quando se entra no comentário desportivo. O resto tende a ficar ofuscado, deixamos de existir para o resto.
Também é difícil manter-se como analista político e como comentador desportivo, então.
Não é tanto político, é mais de justiça e de direito. Mas tenho feito questão disso porque, se deixo essa dimensão e me foco só no futebol, ainda serei mais engolido pelo fenómeno. Os programas desportivos são muito mais vistos que os outros, geram uma reação social mais intensa e rapidamente se esquece que a pessoa que está ali é professor universitário.
Não é estranho termos uma sociedade mais interessada em futebol que em qualquer outra coisa?
Sim, sem dúvida. Apesar de eu estar dentro do fenómeno e de ser um consumidor de conteúdos de futebol, reconheço que a sociedade civil vive excessivamente focada à volta do futebol, o que é mau porque, às vezes, há coisas muito mais importantes que são ditas e passam completamente ao lado. Minudências que dizemos nos programas desportivos ganham uma amplitude 30 ou 40 vezes maior. Doutorei-me na Irlanda e fiz alguma investigação em Inglaterra, e sabe que não é assim tão diferente? As questões à volta do futebol também ganham dimensões gigantescas. Não é um problema só nosso.
Quando me diz que não abdica de si próprio no comentário desportivo, essa independência também passa para a política?
Sim, não abdico nem nunca vou abdicar disso. Quando fui eleito [para o conselho nacional], as pessoas sabiam. Nenhum partido, incluindo o meu - que estimo -, vai limitar-me na minha opinião. Uma coisa é a solidariedade que devemos ter com o partido em momentos-chave, outra é a nossa opinião.
Por exemplo?
Uma coisa nada popular em que eu até sou contra o que o PSD defende são as penas criminais. Eu acho, e já o escrevi, que temos cada vez mais uma sociedade com certos tipos de crimes que devia permitir a prisão perpétua dos delinquentes.
Em que casos?
Imagine que tem um terrorista perigosíssimo que é capturado. O que acontece hoje em Portugal é que, no máximo, terá 25 anos de pena, que na verdade nunca serão 25 anos. Começa a chegar ao fim da pena, 21, 22, e o terrorista diz: “Quando eu sair vou matar mais gente. A mim ninguém me convence que a pena foi bem aplicada e vou matar mais gente.” Sabe o que acontece? Ele tem de sair na mesma porque cumpriu a pena e o sistema não permite alargá-la. É um caso em que fazia sentido, enquanto se mantiver o nível de perigo, o indivíduo ser mantido no estabelecimento prisional. E isto que digo não é nada de extraordinário: Espanha, há dois anos, fez uma reforma que vai neste sentido. Não introduziu a prisão perpétua, mas enquanto se mantiverem índices de perigosidade, a pena pode alargar-se. No fundo, é dizer prisão perpétua mas de uma forma mais pragmática. Acho que a maioria das pessoas compreenderia.
Algum outro exemplo?
O caso, agora, do Pedro Dias. Acompanhei o processo de perto e a barbaridade, a frieza, a falta de compaixão pela vida de outro ser humano, vidas tiradas, famílias destruídas…
Acha que 25 anos será pouco?
Acho que 25 anos será incompreensível. Nenhum sistema europeu compreenderia.
Quando falou em solidariedade em relação a momentos-chave do PSD, acha que hoje o partido está a viver um desses momentos que requerem solidariedade?
Acho, acho que sim, e fiz valer as minhas críticas em relação ao processo autárquico em Lisboa, o que não me impede de ser solidário e de estar em todos os momentos em que o partido entenda que eu deva estar. E isto nada tem a ver com Teresa Leal Coelho, que é uma pessoa competentíssima, tem que ver com a condução do processo.
Em que medida?
Com não sei quantos nomes a serem atirados para a praça pública, o que levou a candidata a partir de uma posição de fragilidade.
Sem ter esperado tanto tempo por um candidato (Pedro Santana Lopes), ainda se repararia nessa fragilidade?
Acho que não se repararia tanto. Teresa Leal Coelho seria sempre atacada, conhece o seu passado. Mas tem sido atacada por razões que não são fundamentais. Ter feito parte da direção de Vale e Azevedo no Benfica, de facto, não é um elemento que dê currículo.
Mas é cadastro?
Não, provavelmente 90% da direção não sabiam o que se passava. E sobre a questão das ausências nas reuniões de câmara, houve sempre a preocupação de se fazer substituir. Também não me parece uma questão fundamental. Mas o processo, pela forma como foi conduzido, continua a colocar a candidata fragilizada. Terá de fazer um trabalho a dobrar ou a triplicar para que em Lisboa haja um bom resultado.
E conta consigo para isso?
Naturalmente. Penso de forma diferente, mas sou solidário nos momentos-chave.
Recentemente disse que somos demasiado “tolerantes com algumas minorias”. De que minorias falava?
Vou-lhe ser muito direto: eu acho, e Loures tem sentido esse problema, que estamos aqui a falar particularmente da etnia cigana. É verdade que em Loures há mais, com uma multiculturalidade grande, mas em Portugal temos uma cultura com dois tipos de coisas preocupantes: uma é haver grupos que, em termos de composição de rendimento, vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado, outra é acharem que estão acima das regras do Estado de direito.
Quais?
Cumprir com as regras de habitação social. Eu tenho imensos relatos em Loures de situações em que são ocupados imóveis ilegalmente e a câmara nada faz para os tirar de lá. Porquê? Porque seria racismo e xenofobia. Mas não é racismo, é fazer cumprir a lei. Você vai à Quinta da Fonte a qualquer hora do dia e vê pessoas a ocupar o espaço público no meio da rua. Nos transportes públicos é a mesma coisa: vários munícipes queixam-se de pessoas de etnia cigana que entram nos transportes, usam os transportes e nunca pagam, e ainda geram desacatos. Quem está a pagar isso somos todos nós.
E qual é a solução?
Essa é que é a questão. Dizem-me muitas vezes: “Se os tira de casa, eles vão acampar para o meio da rua ou para a porta da câmara municipal.” É preciso esclarecer o seguinte: o Estado de direito não pode ter medo de grupo nenhum nem de minorias nenhumas, tem de estar acima de tudo. As pessoas ditas “normais” ou da “maioria”, se não pagarem a sua casa ou a sua renda, não são despejadas? A ideia de maioria e minoria inverteu-se a partir do momento em que as minorias se tornaram minorias de privilégio. Isto tem de acabar. A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de direito. E o Estado de direito não pode ter medo deles, independentemente das consequências.
Está a dizer que é mais um problema de assegurar a lei do que um preconceito?
Para mim, é um problema de igualdade. Temos de ser todos tratados como iguais. A etnia cigana tem de interiorizar o Estado de direito porque, para eles, as regras não são para lhes serem aplicadas. Há um sentimento de enorme impunidade, sentem que nada lhes vai acontecer.
Porque acha que há essa “tolerância”?
Por medo da reação. Por medo de dizerem que estamos a ser “fascistas”, “racistas”, “xenófobos”. Sempre me dei com todo o tipo de etnias. E, por outro lado, o aproveitamento político, sobretudo do espetro da esquerda. Sempre que alguém denuncia isto, acusam-no de racista e começam a falar em políticas de integração. Mas nunca dizem quais. A integração é o quê? Estarem em casas sem pagar, andarem de transportes públicos sem pagar? É não cumprirem a lei?
Então que integração propõe?
Seja em que bairro for, até porque a zona da Quinta da Fonte não pode ser diferente da zona do Infantado, é que todos cumpram o estipulado na lei. Quem não cumpre as regras, não pode utilizar espaços públicos. Se eu vou à Loja do Cidadão e não tiro a senha, não sou atendido. Porque é que fico com a casa se não a pago? A Câmara deve apoiar aqueles que precisam, não aqueles que não querem fazer nada. Famílias que perderam emprego, famílias que têm mais de três filhos e não os conseguem sustentar, famílias que não conseguem satisfazer necessidades básicas devido à carga fiscal… Essas famílias é que devem ser apoiadas pela câmara.
Falou em medo. Também o tem?
Tenho, evidentemente, mas quando estamos numa candidatura devemos ter a coragem de dizer aquilo que está mal. Nada tenho contra as pessoas de etnia cigana, isto tem a ver com um grupo que acha que está acima do Estado de direito. Eu, como candidato, tenho o dever de denunciá-lo, porque corremos o risco de uma guetização e isso é preocupante: são zonas do Estado em que a ideia de autopoder começa a funcionar. São zonas onde são eles que mandam e não entra polícia… Na Quinta da Fonte, o comandante da polícia diz-me que são chamados lá só para serem agredidos. Não podemos continuar a olhar para isto como se fosse normal.
Como viu o caso da esquadra em Alfragide acusada de racismo?
Nós não podemos esquecer que em todos os grupos há bons e maus. As generalizações são sempre perigosas. Conheço muitos polícias, dou aulas a muitos, e são geralmente pessoas bem formadas, determinadas e com orientação para o serviço público. Temos de ser tratados todos pela mesma bitola: se há alguém que abusou do seu poder e da sua autoridade, agredindo cidadãos arbitrariamente, deve ser punido e sancionado. O processo verificará se isso aconteceu ou não.
Acha que não aconteceu?
Não sei, não conheço o processo. O que sei é que muitos destes processos começam assim e acabam em absolvições. É ver as estatísticas. É fácil atacar a polícia. Ninguém estava lá para ver. Com isto é que se esquece a falta de meios que a polícia tem.
Consigo isso seria uma prioridade?
Completamente, se o Estado não fornecer meios à PSP, que é quem tem essa responsabilidade, então a Polícia Municipal irá definitivamente crescer. Eu não admito que haja apenas um carro por cada freguesia. Estamos a falar de freguesias com milhares de pessoas e de problemas de criminalidade muito sérios.
É essa a prioridade maior da sua candidatura?
São três. A segurança, o apoio às famílias e a mobilidade nos transportes. Este é um dos maiores concelhos do país e está literalmente a afogar-se em problemas de mobilidade, estacionamento e transportes. Se vier de Santa Iria da Azoia para o hospital de Loures, tem de passar por três transportes públicos. Se passar no centro, é um caos com os camiões pesados a passar a meio do dia. O presidente da câmara entende que isto é competência da administração central e que não tem nada que se preocupar com isto. É a linha ideológica do Partido Comunista: autonomia e participação dos munícipes morrem à nascença. Bernardino Soares não responde ao povo de Loures, responde ao comité central.
Fonte: SOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário