segunda-feira, 17 de julho de 2017

COVA DA MOURA | IGAI reconstituiu detenção na rua errada


O MP concluiu que não merecia credibilidade a versão da PSP sobre a detenção no bairro de um dos jovens agredidos
A Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) fez a reconstituição da detenção de Bruno Lopes, um dos seis jovens depois agredidos na esquadra de Alfragide em 2015, na rua errada da Cova da Moura. De acordo com a investigação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Amadora e da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ, essa detenção aconteceu num local e de modo diferente ao descrito pela PSP e foi a versão dos agentes desta força de segurança que a IGAI deu como certa para a reconstituição.

Esta detenção, a 5 de fevereiro de 2015, viria depois a desencadear as restantes detenções de outros quatro jovens que se dirigiram à esquadra para saber do amigo, acabando por ser vítimas, de acordo com a acusação, conhecida nesta semana, do Ministério Público contra 18 agentes da PSP pelos crimes, entre outros, de tortura, sequestro, ofensas à integridade física, motivados por ódio racial, bem como denúncia caluniosa e falsos testemunhos.

No âmbito dos processos disciplinares e a pedido da defesa dos polícias, a IGAI deslocou-se à Cova da Moura cerca de nove meses depois desses incidentes para reconstituir a primeira intervenção policial na Avenida da República, onde a PSP contara que uma viatura policial tinha sido atingida por pedras atiradas por um grupo de dez jovens, entre os quais o detido, tendo sido partido um dos vidros e ferido um agente. A reconstituição, relatou o Correio da Manhã na altura, contava com um procurador do MP e um aparato de segurança com 27 polícias, os quais "foram expulsos à pedrada" por desconhecidos, obrigando ao seu cancelamento.

A presença policial nesta rua causou, logo na altura, estranheza aos jovens agredidos, que já tinham apresentado a sua versão, a qual vem agora o MP confirmar. O relatório da IGAI, sublinha o MP, salienta que no local onde na versão da PSP, a detenção se realizara não havia pedras soltas e "era altamente improvável que alguém trouxesse pedras soltas para ali". Os investigadores da UNCT demonstram que, "no que respeita ao local e ao modo dos acontecimentos narrados no auto de detenção de Bruno Lopes, é completamente inverosímil a versão do auto". E explicam porquê: "Se porventura uma pedra tivesse sido arremessada contra a viatura policial, resulta das regras da experiência que o motorista teria de imobilizá-la, o que levaria ainda alguns metros (...) e com toda a certeza que a pessoa que a tivesse arremessado não ficaria à espera que os agentes saíssem da viatura, fugiria de imediato de forma a evitar ser detido pela polícia, e não seria seguramente alcançada em 15/20 metros, como se refere no auto, tanto mais que a rua onde os factos alegadamente ocorreram era íngreme, o detido - Bruno Lopes - trata-se de um jovem de 24 anos, magro, conhecedor da arquitetura do bairro, pelo que rapidamente se colocaria em fuga e se esconderia, enquanto os agentes teriam de esperar que a viatura em que seguiam se imobilizasse e teriam de correr equipados numa ladeira íngreme, o que não lhes permitia alcançar a pessoa que tivesse arremessado a pedra ou o objeto nos 15/20 metros referidos pelos agentes denunciantes."

A reconstituição da IGAI não seguiu a narrativa de Bruno Lopes e que o MP considerou como verdadeira, também em relação à detenção propriamente dita. Segundo a PSP, este resistiu e agrediu um agente, mas a investigação judicial diz que quando foi detido, junto a um café do bairro, "estava sozinho, não fazia parte de qualquer grupo e na data e hora dos factos não estava na Avenida da República, nem sendo da sua autoria o arremesso de pedra ou do que quer que fosse à viatura policial". Aliás, é acrescentado no despacho de acusação contra os agentes que quando a viatura policial ali chegou "não apresentava qualquer vidro partido", como confirmado por 11 testemunhas. Por outro lado, "os vestígios hemáticos deixados no local onde os factos se iniciaram e resultantes da agressão" de que foi vítima Bruno Lopes "estavam localizados na parede da habitação que faz esquina entre as ruas do Chafariz e do Moinho, no bairro da Cova da Moura, e não no local a que o auto de notícia faz referência.

O DN pediu à IGAI esclarecimentos sobre esta reconstituição, designadamente se tinha tido em conta não só a versão da PSP como também do detido, mas não obteve resposta até ao fecho da edição. A IGAI acabou por sancionar dois dos sete agentes-alvos de processo disciplinar por causa da sua participação nestes incidentes. A falsidade de testemunhos nos autos que assinaram foi um dos motivos para a sua suspensão, num caso, e transferência, noutro.

Valentina Marcelino | Diário de Notícias | Foto: Filipe Amorim / Global Imagens

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