segunda-feira, 17 de julho de 2017

G20 | QUEM SÃO OS TERRORISTAS?

Após onda de protestos contra donos do mundo, mídia alemã ataca os “radicais de esquerda”. É truque para esconder déficit global de democracia

Tainã Mansani, de Berlim | Outras Palavras

O encontro da cúpula do G20, que reuniu as 19 principais economias do mundo mais a União Europeia, aconteceu na última semana em Hamburgo, na Alemanha, e ficou marcado por uma série de protestos violentos nas ruas e pela criminalização dos assim chamados “radicais da esquerda” por causa dos confrontos com a polícia. Foi também um encontro marcado por uma série de contradições.

Cerca de 20 mil policiais foram deslocados para conter manifestantes que protestavam contra as políticas do G20 na cidade anfitriã da cúpula. Um evento em que apenas as mais importantes economias tomam decisões a respeito da ordem econômica e política que rege o mundo. Apesar dos mais de duzentos países existentes, apenas vinte têm chance de participação na seleta cúpula.

E, nos noticiários, predominou a discussão sobre os encapuzados “terroristas” e “radicais” de esquerda, munidos de estilingues e garrafas – ainda que as informações sobre a violência em Hamburgo sejam controversas. Quem esteve na cidade relata que a polícia, e não apenas manifestantes, contribuiu em várias situações para o início do confronto.

Sabe-se, além disso, que nem todos os manifestantes foram violentos. O protesto do sábado, que reuniu cerca de 70 mil de pessoas contra as políticas neoliberais, contra o capitalismo e por um mundo mais justo, não teve o mesmo destaque que a violência.

De fato, nenhum outro tema – nem mesmo a discussão mais crítica sobre o verdadeiro sentido do G20– foi tão falado como o confronto entre a polícia e alguns manifestantes. Os argumentos das pessoas que protestaram pacificamente foram completamente ignorados.

Contradições

Para os que protestavam pacificamente, a existência do G20 é, em si, uma grande contradição. Ali estavam reunidos os governantes dos países que agora defendem a paz, ao passo que são os que mais têm lucrado com o comércio de armas no mundo por causa das guerras que são frutos de suas intervenções em outros países.

Se as guerras são violentas, também não acontecem sem armas. Entre 2010 e 2014, os principais países exportadores de armamentos foram os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Alemanha e a França, segundo dados de um estudo do Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (SIPRI), na Suécia.

Por outro lado, entre os países que mais compraram armamentos estão aqueles envolvidos direta ou indiretamente nos principais conflitos e guerras: a exemplo da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do Paquistão, segundo dados da mesma instituição.

De acordo com a emissora norte-americana CNN, o comércio global de armas atingiu nos últimos anos, seu ponto mais alto desde o fim da Guerra Fria. E de todas as armas exportadas pelos EUA, 47% foram parar no Oriente Médio, onde a guerra civil, apenas na Síria, já deixou mais de 300 mil mortos e cerca de 5 milhões de refugiados, apontam dados do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) e da ONU.


Certamente, um ponto positivo do G20 em Hamburgo foi o acordo de cessar-fogo no sudoeste da Síria, já em vigor, entre os presidentes dos EUA, Donald Trump, e o seu homólogo russo Vladimir Putin.

Entretanto, na Síria, especialistas como Eurico de Lima Figueiredo, citado pela Agência Brasil, reconhecem interesses geopolíticos no petróleo como um dos principais motivos dessa guerra desde seu início, e que tem intervenção das principais potências do G20. É um país localizado numa região estratégica para escoamento, com saída para o Mar Mediterrâneo. http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-04/entenda-causas-do-conflito-na-siria

África: nós daqui e eles lá

O governo alemão não poupou esforços para pôr na agenda do G20 o tema dos investimentos privados na África. Porém, trata-se de uma política para evitar a imigração africana acreditando-se em algum benefício para as populações locais, explicou a especialista em África da Oxfam, Barbara Sennholz-Weinhardt, ao Outras Palavras.

“É um problema acreditar que investimentos beneficiam diretamente às pessoas. Isso é falso”; acrescentou Sennholz-Weinhardt. Os grandes investidores internacionais têm muito mais benefícios do que os produtores locais. Grandes empresas disputam com pequenos agricultores os mesmos recursos, como a água, e com frequência têm mais vantagem.

Outro exemplo, o fundo AATIF (em português, Fundo de Investimento e Comércio em Agricultura para África, tradução livre) prevê um acordo cujo princípio é o de que o setor privado deve ser o beneficiário direto dos lucros. Já as grandes perdas são arcadas primeiramente pelo Estado – ou seja, pelos contribuintes alemães. As informações foram veiculadas pela reportagem da emissora pública alemã ARD “G20: Quem Ganha com o Plano Marshall para África”, de 06.07.

De fato, a formação de um fundo como este que agora se vê para a África é proibida até mesmo na Alemanha, revela a mesma reportagem. http://www1.wdr.de/daserste/monitor/videos/video-g-gipfel-wer-profitiert-vom-marshall-plan-fuer-afrika-100.html

Por outro lado, durante o G20 pouco se ouviu sobre taxar as grandes riquezas e permitir a absoluta e livre circulação de pessoas.

Desigualdades: “uma construção” da esquerda?

Já em relação às manifestações contra o G20 em Hamburgo, “o conflito entre ricos e pobres é uma construção da esquerda, e dos extremistas de esquerda”, afirmou o cientista político da Universidade Livre de Berlim, Klaus Schroeder, em entrevista à emissora pública alemã ZDF; acrescentando que “entre nós [alemães] essa divisão já não cresce”.


Dados do portal de pesquisas estatísticas Statista, revelam que isso não é bem assim. Os 36 bilionários mais ricos da Alemanha detêm a mesma riqueza – 297 bilhões de dólares – dos 50% da população que é mais pobre neste país.


Ainda que as desigualdades sejam menores na Alemanha do que em outros países do mundo, isso não implica a existência de um mundo menos desigual. Devido mesmo às políticas econômicas defendidas pelos membros do G20 que colocam alguns países como eternos exportadores de matérias-primas. Essa é a essência da atual ordem econômica mundial.

A retórica do terrorismo

Na Alemanha, especialistas também analisam o medo de perder direitos sociais e do desemprego como fenômenos que assustam boa parte da classe média do país, sobretudo, face à presença de imigrantes. Um argumento instrumentalizado com frequência pela direita conservadora e que explica, em partes, a ascensão do movimento anti-imigração na Alemanha e na Europa.

O discurso anti-imigração, que inclui ações neonazistas, tem motivações econômicas, mas também xenófobas e racistas. Contudo, ao protestar contra o G20, a esquerda foi taxada de terrorista ao lado dos neonazistas, embora seu fundamento ideológico seja bem diferente, defendem ativistas.

“Os nazistas são contra imigrantes. Se esses fossem quisessem seu país ‘livre’ dos mesmos deveriam sair às ruas contra as políticas econômicas defendidas pelo G20, pois elas são a causa das migrações em massa que eles repudiam – elas são a razão da riqueza de alguns e da pobreza de outros”, explica a ativista de esquerda Anne Greiff*.

De fato, desde 1990, na Alemanha, entre 80 e 180 pessoas foram mortas por extremistas de direita, enquanto não há informações dessa natureza contra a esquerdistas, segundo dados veiculados nesta quinta-feira (13.07) pelo semanário alemão Der Freitag.

“Enquanto os neonazistas direcionam sua violência contra as pessoas para aniquilá-las – foi assim no Holocausto –, o que se viu em Hamburgo por parte de alguns foi a violência contra o Estado”, relata Anne Greiff, “Além do mais, nem toda a esquerda compartilha dessa forma violência, por isso é um erro taxar a esquerda como ‘terrorista’ ao lado dos neonazistas”, acrescenta.

Ao passo que o grupo das maiores economias do mundo segue implementando políticas muito boas para alguns grupos econômicos, a retórica do terrorismo usada contra a esquerda é também interessante para manter essa ordem. É bom para quem está no poder.

Ao G20, grupo das maiores economias do mundo mais a União Europeia, interessa manter a ordem política e econômica que legitima a sua existência. E também a ordem de um sistema político e econômico que segue sendo assim, tão cheio de contradições.

*Os nomes dos entrevistados foram alterados para preservar a segurança dos mesmos.

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