Como Ícaro, a Altice voou tão alto que tem agora as asas em chamas. Os próximos meses dirão se arrepiar caminho na estratégia chegará para a salvação.
André Veríssimo | averissimo@negocios.pt16 de novembro de 2017 às 23:00 |
Patrick Drahi começou a carreira a vender subscrições de TV por cabo e subiu a pulso. E foi num impulso que construiu um dos maiores grupos de telecomunicações do mundo. A Altice tinha 2,9 mil milhões de euros em activos em 2012. No final de 2016, tinha 27 vezes mais, perto de 80 mil milhões.
O crescimento explosivo fez-se à força de uma vaga avassaladora de aquisições na Europa e nos EUA, que em Portugal colheu o que sobrou da PT. A energia dessa onda foi a dívida. O endividamento líquido passou de uns modestos 1,7 mil milhões de euros em 2012 para mais de 50 mil milhões nas últimas contas trimestrais.
O problema fundamental nunca é o nível da dívida em si, é a percepção sobre a capacidade para a pagar, como os portugueses têm ainda fresco na memória. E foi isso que se deteriorou de forma dramática a partir do dia 2 de Novembro, quando as contas do trimestre foram conhecidas. Quando as leram, investidores, analistas e credores perceberam que o negócio não oferece segurança sobre a capacidade de a operadora de telecomunicações mais endividada da Europa pagar o que deve. E o que deve é cinco vezes o EBITDA anual.
Os sintomas dessa desconfiança estão espelhados na bolsa: queda de quase 50% na cotação em oito sessões, desvalorização dos títulos da dívida, uma subida de 60% no custo dos contratos que oferecem protecção contra o incumprimento. O "all-in" de Drahi sempre suscitou reservas. Mas nunca como agora.
Há uma parte das dores de cabeça da Altice que tem que ver com o próprio mercado. A pujança económica da Europa coloca num horizonte mais próximo uma subida dos juros, e nesse cenário as chamadas "junk bonds", o caso da empresa francesa, são as mais vulneráveis. Nos últimos dias, ocorreram já vendas maciças nestes títulos.
Depois há a desconfiança dos clientes. Por pressão da dívida, a Altice foi sempre um grupo mais preocupado com a gestão financeira do que com os clientes, e que por isso descurou o impacto que práticas agressivas, nomeadamente na forma como lida com os recursos humanos, teriam na sua imagem.
O milionário franco-israelita não tinha alternativa a não ser mudar de estratégia, travar aquisições. Em vez de comprar, vai vender activos. Será o Meo um deles? Drahi diz que a convergência entre telecomunicações e media é para continuar. Também a compra da Media Capital o será? O mundo mudou para a Altice. Veremos se o novo voo, mais baixo, será suficiente para garantir uma aterragem suave.
Fonte: Jornal de Negócios
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