sábado, 20 de janeiro de 2018

“FALAR SOBRE…” António Girão aborda “o ser e o parecer”

Viagens a pedalar por causas humanitárias
O Ser e o Parecer
Debato-me, a cada instante, com uma característica bem portuguesa e que nos ameaça, ou que já nos sufoca, até não sei onde. Ou saberei…
Antes de mais, quero deixar claro que a minha preocupação não é infundada e, muito menos, leviana. Já a comparei com outras realidades e, infelizmente, ela existe mesmo, está cá, é uma realidade, embora muito triste. Para me esclarecer sobre esta tipicidade do povo português, aproveitei uma volta ao nosso cantinho, em 2012, com fins solidários, em que bordeei as fronteiras, terreste e marítima. Mais de dois mil quilómetros a pedalar. Quase um mês. Dois anos mais tarde, no mesmo propósito das causas humanitárias, vim de Roterdão ao Porto a pedalar. Mais quase um mês. Passei a Holanda, toda a Bélgica, Luxemburgo, atravessei a França na diagonal, a Espanha e…parei no Porto. Pedalei mais de três mil quilómetros. Eu, a bicicleta, a mochila e a vontade. Repeti em 2015. Dormi em quarteis de bombeiros, em jardins, com gente sem abrigo e…numa cela de uma prisão. As duas viagens chegaram aos sete mil quilómetros. Nos dois últimos anos, fiz o mesmo percurso, uma vez de mota, outra de carro. Comigo, a minha companheira que é Assistente Social.
Fui-lhe dizendo o que observei nos anos anteriores e, tivemos essa preocupação: ver paisagens, gentes, comportamentos, hábitos…mundos. Fizemos uma aposta: aquele que visse primeiro um eucalipto e o fotografasse, ganharia, do outro um prémio, um prémio qualquer. Nenhum de nós o ganhou e…fomos de olhos bem abertos. Procurámos, no ar, vestígios de fogos. Tivemos sorte! Sim, em cerca de sete mil quilómetros (andámos por Espanha, Andorra, França, Alemanha, Holanda, Bélgica e Luxemburgo), vimos um fogo ao longe. Rumámos ao local. Cerca de vinte quilómetros. Fomos ultrapassados por cinco aviões, três helicópteros, vários carros de bombeiros e militares. O que seria uma catástrofe, em Portugal, lá não durou uma hora. Realidades! Diferentes realidades! Foi na Bélgica.
Chegámos a Portugal, havia vinte e sete fogos de grandes dimensões em todo o país. De mota, foi complicado respirar de Vilar Formoso a Coimbra.
Porquê a diferença?
Não sei bem por onde começar! Como já dormi em mais de cinquenta corporações de bombeiros no estrangeiro e em cerca de vinte em Portugal, sinto-me envergonhado por verificar a infinita diferença do material que se vê nos quarteis por essa Europa e em Portugal. Quanto aos operacionais, temos do melhor! Os meus amigos bombeiros, sobretudo os franceses e os espanhóis, são inexcedíveis. Incríveis, como operacionais e como pessoas. Os portugueses, são incríveis, como operacionais e como pessoas mas…são nossos. Têm essa diferença. São duplamente incríveis. Quanto a material, posso dar dois pequenos exemplos: em Roterdão (já lá dormi cinco noites), têm mais material de combate a incêndios florestais do que qualquer quartel português e, praticamente, só combatem fogos urbanos e acidentes rodoviários. Ah…fazem segurança ao pequeno aeroporto (quase só voos regionais).  Outro exemplo: em Getafe, pequena cidade perto de Madrid, terra do guarda-redes Iker Casillas, quando lá cheguei fiquei de boca aberta. Literalmente! No parque de estacionamento do quartel, têm moto-quatros, motas de todo o terreno, para-pentes, autocaravanas…propriedade dos bombeiros. Sim, propriedade de cada um deles. Porque não têm garagens, podem guardar ali. Que tal este poder de compra?! Bem diferente do dos nossos bombeiros.
No quartel, para os momentos de prevenção, têm uma pequena sala de cinema. Dentro do campo de treino operacional há, entre muitas coisas, um poço-piscina, redondo, com trinta metros de profundidade, com uma escada exterior em caracol, por onde se desce até aos tais trinta metros, com vigias, onde podemos ver os homens a treinar mergulho, com e sem equipamento de mergulho. Mais uma vez, fiquei pasmado!
Hoje, ficamos por aqui.
Para a próxima, irei contar como e porque dormi, em França, na viagem Roterdão-Porto a Pedalar por uma Causa Humanitária, na cela de uma prisão.
António Girão

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