Vasco Câmara
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Num dos textos de Jalan Jalan, Afonso Cruz conta que estava no Mosteiro de Mar Musa, construção com mais de mil anos numa zona escarpada do deserto da Síria, quando, do meio do frio e da chuva, surgiram dois europeus que estavam a dar a volta ao mundo em bicicleta. A meio da conversa que se desencadeou, um deles disse que preferia não ter a experiência pela qual passava, mas apenas as conclusões.
Afonso Cruz, agora no Alentejo, confessa o seu espanto a Isabel Lucas perante esse episódio: para ele, isso é o oposto da condição do viajante tal como a entende. Porque há um ponto de partida e, no trajecto, os contágios dos encontros, o confronto com as diferenças, e o regresso, sempre uma experiência de transformação. Jalan Jalan é isso, em mais 200 textos. Ou é sobre isso. Afonso Cruz escreve sobre a matéria de que é feito o escritor e a literatura que produz. É uma viagem sem fim. Espécie de enciclopédia, é por isso também livro de memórias. É esta a nossa capa
Ainda em viagem: um fotógrafo/graffiti artist e uma cineasta/fotógrafa enchem a paisagem francesa de colagens ao vivo, de colagens vivas, para que as pessoas que encontram não morram na memória. São JR, 33 anos, e Agnès Varda, 88 (alguém intromete-se na paisagem, mas é preciso ver o filme, Visages, Villages). Viajam pela França com uma carrinha photomaton. É dos dois fazerem uma imagem, uma palavra desabrochar, torná-la outra(s) para incluírem os outros, investirem-na de sentidos — nada se grita por aqui, no entanto, é tudo em murmúrio.
Há uma conversa com Annette Bening nas nossas páginas - porque há Annette Bening nos ecrãs. Passou a pente fino a filmografia de Gloria Grahame, que foi presença perturbante, de sensualidade afrontosa, no film noir, foi uma vencedora de Óscar e talvez seja uma figura esquecida. Tal figura e a história do seu último amor, na fase descendente da vida, contada em As Estrelas não Morrem em Liverpool, redundam, segundo Luís Miguel Oliveira, num filme rotineiro. Mas segundo ele a metamorfose de Bening, as coisas que ela faz com o rosto e com a voz, faz desaparecer a “composição” e acreditamos que quem está ali é mesmo a Gloria Grahame dos últimos dias.
Há Vhils numa galeria de Lisboa. A previsível popularidade que a exposição vai ter revela a capacidade comunicativa das suas obras. Mas não a sua pertinência artística - é a crítica de Nuno Crespo. Que fala de um desencontro entre popularidade e fortuna crítica como um dos sinais distintivos do trabalho que Alexandre Farto aka Vhils tem desenvolvido. Não podia deixar de ser o tema a percorrer a conversa entre o artista e Victor Belanciano.
Gonçalo Frota dá-nos a música que ouviu esta semana: as canções com disparo, do rock sem freios ao funk e ao quase-fado, do novo dos Linda Martini; o novo, e decepcionante, álbum de Justin Timberlake, que põe fim a um jejum editorial de cinco anos com um disco sem convicção que parece montado nos intervalos da carreira do actor.
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