Compreenderão os leitores desta newsletter que hoje a desdobre em duas parte. Primeiro, para partilhar convosco um pouco da discussão em torno da decisão de ontem da Comissão Europeia de adiar para Julho uma decisão sobre a possível aplicação de sanções a Portugal e Espanha. Depois, para vos convidar a que partilhem comigo um brinde à saúde do Observador, que completou hoje dois anos online – sim, já passaram dois anos e ainda parece que foi ontem.
Por curiosidade fui reler o primeiro Macroscópio que vos enviei, nesse 19 de Maio de 2014. Era sobre “O pós-troika”, já que nos dias anteriores se assinalara o fim simbólico do programa de ajustamento a propósito do terceiro aniversário da assinatura do memorando de entendimento – sim, também é verdade: a “saída limpa” já foi há dois anos. Curiosamente essa newsletter terminava citando uma peça do correspondente em Lisboa do Financial Times, Peter Wise, que então escrevia em Portugal caught out by blip in economic recovery: “As the economic recovery gathers momentum and external constraints ease after the bailout, Portugal also risks losing any sense of a national consensus on fiscal targets as political parties compete for advantage ahead of a general election scheduled for the second half of 2015.” Eu acrescentava um “pois é”, hoje talvez pudesse acrescentar dois “pois é” tão dramático tem sido o fim de qualquer consenso nacional nesta matéria, como em quase todas as demais.
A forma como foram lidas as decisões da Comissão Europeia de ontem são um bom indicador disso mesmo. Antes de irmos a elas, recordemos que Portugal tem agora mais um ano para cortar défice mas a Comissão quer mais 740 milhões em medidas este ano. Se estas notícias resumem o essencial das decisões, quem desejar ter acesso aos documentos originais, pode sempre fazê-lo com a ajuda do Observador: aqui o Comunicado da Comissão Europeia e aqui o documento com as deliberações e recomendações relativos a Portugal. Quanto às reacções políticas, da esquerda à direita, elas reflectiram bem como vão longe os tempos de algum consenso nacional sobre as metas de consolidação orçamental ou a nossa relação com a União Europeia. De resto Costa recusou mais medidas para cumprir défice.
Antes de vermos o que se escreveu em Portugal, notemos como as decisões da Comissão foram ontem recebidas pela imprensa internacional, especialmente pela imprensa económica. No Financial Times noticiava-se que Spain and Portugal win reprieve over breaking EU fiscal rules e notava-se que isso se devia sobretudo a considerações políticas: “Mindful of the political impact of triggering penalties, Jean-Claude Juncker, commission president, intervened on Wednesday to push back the decision until after the Spanish elections on June 26”. Só que isso pode ter um preço: “By showing flexibility over the excessive deficits run by Madrid and Lisbon, at least in the timing of the announcement, the commission risks rekindling accusations that it is putting politics over rigid enforcement of the EU rule book it polices.”
Essas acusações não demoraram a surgir, bastando ler a imprensa alemã de hoje. O influente diário económico Handelsblatt titulava de forma irónica a sua peça sobre a decisão: No Bite, Just a Little Bark. Logo acrescentando que, com o adiamento, continua a ser verdade que a Comissão se mantém fiel “to its long-running tradition of letting fiscal offenders off the hook”. Concretizando: “Critics have said the Stability Pact is a toothless tiger because no member state has ever been punished even though plenty, including Germany, have broken the rules. Last year, the Commission gave France two more years to get its deficit below the ceiling.”
O Politico (cuja edição europeia é neste momento um dos sites mais bem informados sobre o que se passa nos corredores de Bruxelas) notou que Europe ducks hard call on budget rules. Nesse texto recolhem-se reacções críticas da decisão da Comissão Europeia (“It’s unacceptable that the Commission gave in to lobbying from Madrid and Lisbon and extended the deadlines again,” said Markus Ferber, an MEP from Germany’s Christian Social Union, the Bavarian sister party of Merkel’s Christian Democrats. “I don’t accept the argument that there’s an election campaign ongoing in Spain. With that logic, there would always be reasons not to fine countries.”) assim como aplausos (“At the current juncture, with most eurozone countries desperately trying to revive growth and tackle unemployment, today’s decision was in our view the right decision,” said Carsten Brzeski, an economist with ING in a note to clients. “It is not always a bad thing if barking dogs don’t bite.”)
Já o Wall Street Journal, que nunca aplaudiu as regras da Zona Euro, preferiu elogiar o que considerou ser a atitude “rebelde” do primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy. Não por falhar as metas, mas por ter tomado outro tipo de medidas que contrariam a ortodoxia de Bruxelas. Num editorial intitulado Rajoy Is Europe’s Growth Rebel escreve-se que este merece aplauso porque “in his first term achieved impressive growth by slashing personal and corporate-tax rates and liberalizing a sclerotic labor market, gets it—and incidentally managed to cut Madrid’s deficit by trimming spending”. Daí que o editorialista manifeste a esperança de a decisão possa ter representado um reconhecimento de erros passados: “Someone at the European Commission has noticed that there isn’t anything resembling a political consensus in support of growth-less deficit cutting, especially since in Europe that normally means steep tax hikes on the private economy and limited or notional spending cuts for the government. That breed of austerity has mainly boosted support for populist anti-euro and anticapitalist parties such as the far-left Podemos in Spain”.
E o que se escreveu em Portugal? Não muita coisa, pelo que é fácil escolher as principais referências:
- Meu caro contribuinte, já pode baixar o dedo, de João Vieira Pereira no Expresso Diário (paywall), onde este chama a atenção para que os dois meses a mais dados a Portugal poderem significar que serão mais dois meses sem as necessárias medidas correctivas: “Dois meses a mais agora, são dois meses a menos quando for necessário corrigir o caminho do défice. É como um devedor que está nas mãos do agiota e que consegue mais um tempo para pagar. Quando o tiver de fazer o preço a pagar será muito maior. E adivinhem lá quem paga a conta? Meu caro contribuinte, já pode baixar o dedo. Muito obrigado.”
- O que for virá, de Raul Vaz no Jornal de Negócios: “A esquerda pede sangue, pouco suor e resultado seguro nos meios e modos de produção em que se afirma um Estado socialista pós-muro? Pede e Costa responde sim, veremos. A Europa exige disciplina rigorosa em matéria orçamental e reformas pós-muro? Exige e Costa responde sim, ver-se-á. É neste "empurrar de barriga" que segue a estratégia de quem lidera a geringonça.”
- À boleia de Espanha, sem plano B à vista, o editorial do Público: “É um caminho sinuoso este de fazer depender decisões técnicas de calendários políticos, mas a verdade é que, à boleia de Espanha, Portugal ganha uma folga de dois meses para, pela segunda vez, tentar causar uma boa primeira impressão. Percebe-se pelo relatório da Comissão que continua a existir um hiato de 750 milhões entre aquilo que Bruxelas crê que vai ser o défice e aquilo que acha que deveria ser.”
No Observador, referência a dois textos que, mesmo sem referir especificamente a decisão da comissão, ajudam a pensar no nosso momento económico e nas reformas necessárias. Ei-los:
- As reformas que nunca te farei, de Luís Teles Morais, economista e diretor executivo do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra: “Verdadeiramente trágico é que a atual maioria não seja capaz de gerar compromissos para o desenho e implementação de reformas efetivas. Mais: assume-se incompatível com a geração de “geometrias variáveis” para o fazer. Este “caminho que se faz caminhando” pode ser muito estimulante para o comentário político e inovador no nosso contexto democrático, mas tem reforçado o caráter imediatista da formulação de políticas.”
- Crise e castigo. A longa estagnação da economia em Portugal, um especial que é uma pré-publicação de um livro de Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação onde se coloca o dedo numa ferida antiga mas que muitos se recusam a ver, isto é, que a economia portuguesa deixou de crescer muito antes da crise se declarar: “O ano de 2000 marca uma profunda alteração no desempenho da economia portuguesa. Em 2014, o valor da produção era igual ao valor da produção em 2001. Ou seja, neste período, o crescimento foi zero.” É por isso também interessante ler a coluna de Luís Aguiar-Conraria desta semana, Queremos voltar à pré-troika?, pois nela reflecte-se sobre os perigos de uma estratégia económica que repete as receitas seguidas no período que foi de 2000 até à chega da troika, com os resultados conhecidos.
E agora, vamos lá abrir as garrafas de champanhe
Na verdade, já as abrimos ontem ao fim da tarde, numa pequena celebração no terraço do Observador, sob um magnífico sol lisboeta de fim de tarde e o Conservatório Nacional como pano de fundo. O importante agora é notar que aquilo que conseguimos fazer nestes dois anos só foi possível com a adesão de milhões de leitores (mais de três milhões todos os meses) e o esforço de uma equipa jovem (média de idades: 34 anos), talentosa e trabalhadora (já produzimos mais de 55 mil artigos). Por isso vale a pena recordar uma parte do melhor que escrevemos e editámos em dois produtos especiais que assinalam o nosso 2º aniversário:
- As 38 perguntas a que respondemos nestes 2 anos, um interactivo online onde reunimos 38 trabalhos do Observador, sempre procurando responder a questões que a actualidade suscitava. Por exemplo: O que sentem os políticos quando perdem o poder? O melhor investidor é Deus ou o Diabo? Ou de onde vieram as asneiras?
- JÁ NAS BANCAS, uma revista em papel, naturalmente offline, uma edição comemorativa de grande formato, 144 páginas com alguns dos melhores textos aqui produzidos nestes dois anos. A edição foi de João Miguel Tavares e estou certo que o conteúdo vai surpreender mesmo quem nos segue fielmente desde 18 de Maio de 2014, pelo que só posso recomendar que vão rapidamente comprá-la a uma banca de jornais, ou então a uma loja das redes da FNAC ou da Bertrand.
Finalmente, a cereja em cima do bolo – e claro que tivemos ontem o nosso bolo de aniversário, partilhado por toda a equipa. Mas esta cereja é para os nossos leitores: a equipa de colaboradores e comentadores do Observador vai passar a contar com Vasco Pulido Valente, o historiador que é há muito uma referência do comentário político em Portugal, com Helena Garrido, que foi directora do Jornal de Negócios, e ainda com uma coluna coletiva, assegurada por professores da Faculdade de Economia da Universidade Católica Portuguesa, que terá como nome A Economia em dia pela Católica-Lisbon.
Cá na casa estamos todos contentes e entusiasmados, pois sabemos que há mais novidades, e boas novidades, que já estão quase, quase a sair do forno. E que, fundamentalmente, contamos convosco, os nossos leitores.
Tenham bom descanso, reencontramo-nos amanhã.
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