A notícia foi dada em primeira mão pelo Observador: na Caixa Geral de Depósitos a injeção pública de capital pode chegar aos quatro mil milhões de euros. Desde essa altura que a discussão sobre o futuro da CGD não saiu do espaço público, com vários debates cruzados – caso dos salários que deverão receber os novos administradores ou da dimensão da futura administração – emuitas perguntas a serem feitas do Governo (e este a dar poucas respostas). Mais recentemente ficou também a conhecer-se por onde andaram alguns dos créditos mal parados, ou mais exactamente onde estão 2,3 mil milhões de créditos em risco.
Chega assim o momento de, aqui no Macroscópio, fazermos um primeiro apanhado do que se tem escrito de mais relevante e interessante nas colunas de opinião. E começo pelo Observador e por uma nova colaboradora cá da casa, Helena Garrido, até há poucos meses directora do Jornal de Negócios. Ela escreveu hoje um texto em que defende que A CGD merece o seu aumento de capital. Nele procura explicar o que aconteceu à Caixa nos últimos anos, mas sublinha que não basta colocar lá mais dinheiro público para que os seus problemas possam ser ultrapassados, pois ficar por aí seria “atirar dinheiro para os problemas”. Algo de contrário tem de acontecer:
Caso o aumento de capital venha a ser da dimensão do que está a ser referido (quatro mil milhões de euros), a equipa que em princípio será liderada por António Domingues tem um grande desafio pela frente. Não poderá dizer que é por falta de recursos que não faz a reestruturação do banco e para garantir uma rentabilidade adequada dos capitais investidos terá de obter lucros mais elevados. Esta pode ser a oportunidade para a CGD voltar a ser o velho banco que não se mete em aventuras nem anda nas bocas do mundo, com uma estrutura sólida e uma actividade rentável, sem cair na tentação de servir interesses de partidos ou de poder.
E que aventuras foram essas? Que serviços particulares andou o banco a prestar? O que já sabemos sobre alguns dos créditos mais problemáticos é já suficiente para se ter um ideia, e João Miguel Tavares faz questão de o sublinhar – e de refrescar a nossa memória – em Adivinhem quem lixou a Caixa, no Público. O seu ponto central é que “Com Armando Vara, a Caixa transformou-se num imenso caldeirão onde os mais variados interesses se foram servir.” Sendo que os exemplos abundam, ou melhor, já se conhecem algumas das “gamelas” que o administrador nomeado no tempo de José Sócrates andou a encher. Por exemplo: “No topo da lista está o grupo Artlant, que tencionava construir em Sines um daqueles megaprojectos PIN pelos quais o engenheiro Sócrates se pelava: uma “unidade industrial de escala mundial” para a produção de 700.000 toneladas/ano de um componente do poliéster, que levaria à “consolidação do cluster petroquímico da região de Sines”, segundo um comunicado do Conselho de Ministros de Junho de 2007. José Sócrates chegou a lançar a primeira pedra em Março de 2008 e agora cabe-nos a nós apanhar os calhaus: 476 milhões de dívida, 214 milhões em imparidades.“
No Correio da Manhã, jornal que divulgou a lista das dívidas em risco de cobrança, Eduardo Dâmaso, em Silêncio criminoso, nota que “Os números e a hipocrisia não param de surpreender. O buraco cavado por uma gestão criminosa ameaça não ter fundo. É melhor contarmos com o pior. Como se não bastasse, já não há sequer quem se indigne. O BE e o PCP estão espantosamente calados com a responsabilidade dos homens que foram a cara da gestão do PS, Vara e Santos Ferreira. Os seus gritos poderiam abanar a geringonça. O PSD e o CDS não piam porque também tiveram lá a sua gente. Estão todos irmanados pela cumplicidade de um silêncio conveniente mas profundamente criminoso.”
Passaram dois dias desde que estas palavras foram escritas, já tivemos um debate no Parlamento, já sabemos que vamos ter um inquérito parlamentar por vontade do PSD, mas ainda não é certo que o silêncio acabe mesmo por ser quebrado. A polémica em torno da simples constituição da comissão de inquérito demonstra-o. Na imprensa as opiniões dividem-se.
O Público, em Editorial – 30 questões, 1 suspeita, 0 respostas – considera que “Começa a ser difícil aos deputados justificar não avançar com uma comissão de inquérito à Caixa.” Isto porque se algumas destas questões, “como as relativas ao plano de recapitalização, serão de resposta mais fácil”, o mesmo não se passa “com outras, como perceber se as sucessivas administrações da Caixa seguiram regras rigorosas na atribuição de créditos, [que] exigem investigação e ouvir os próprios gestores que nos últimos anos passaram pelo banco público e que estiveram envolvidos nessas operações.”
Também em editorial, mas no Diário de Notícias, André MacedoSaber perguntar entende contudo que muitas das perguntas são criticáveis – “Se um banco, público ou privado, divulgar a sua lista de credores em falta, o melhor é mudar já de ramo de atividade. Não se trata de secretismo, mas de confidencialidade” – mesmo que outras sejam legítimas – “Quatro mil milhões? Três mil milhões? Porquê esta imensidão de dinheiro?”
E serão legítimas até porque, como recordava ontem André Veríssimo no Jornal de Negócios, em Uma Caixa sem fundo, “Não há outro banco em Portugal que desde a crise financeira tenha recebido tanto dinheiro dos contribuintes. Foram 3.600 milhões, incluindo 900 milhões em obrigações de capital contingente (as famosas CoCos) ainda na totalidade por saldar. E vem aí mais uma injecção, supostamente em prestações, que pode chegar aos 4.000 milhões.” Por isso criticava a falta de “indignação”, tão comum noutras ocasiões. E acrescentava: “Quando uma comissão de inquérito pode servir à partida para assacar culpas a banqueiros ou ao Governo anterior, ou ainda para grelhar em braseiro brando um governador do Banco de Portugal, não há hesitações. Quando está em causa apurar que factos conduziram a este "resgate" do banco público, como se geraram tantas perdas em créditos ruinosos, os partidos enchem-se de caldos de galinha.”
No mesmo jornal Camilo Lourenço, declarando-se favorável ao aumento de capital, também alinhava com os que querem mais esclarecimentos. Em CGD: os partidos não têm a consciência tranquila sublinhava: “Não aceito que se ponha dinheiro dos impostos na Caixa sem investigar a gestão dos últimos 20 anos (o período é largo o suficiente para não ilibar nenhum governo). Ou seja, é preciso saber quem foram os responsáveis pelos mais de 8 mil milhões de imparidades (10,26% do empréstimo da troika) que a CGD registou nos últimos cinco anos. E isso não tem de ser feito por uma comissão de inquérito; basta uma empresa independente de auditoria.”
Mesmo pessimista sobre o que poderemos tirar de um inquérito parlamentar, Pedro Santos Guerreiro também o defende em A Caixa é nossa (e portanto paguemos), no Expresso Diário (paywall): “O país tem o direito de saber o que andaram a fazer ao dinheiro, mesmo sabendo que a comissão de inquérito será tão previsível como isto: o PSD a atacar o velho PS, o novo PS a demarcar-se do velho PS e a atacar o PSD por não ter enfrentado os problemas da banca, o CDS a fazer de conta que não é nada com ele, o PCP e o BE a atacar todos. No final, depois do desfile de antigos administradores do banco a explicarem que seguiram todos os procedimentos regulamentares internos e externos cumprindo aliás as “boas práticas” do sector, a pergunta embaterá sempre no “sigilo bancário”.”
Para terminar e para destoar, uma opinião muito diferente das anteriores, pois contesta é a única que contesta a necessidade de aumentar o capital da Caixa Geral de Depósitos pois também contesta as regras do Banco Central Europeu que tornam esse aumento quase inevitável. Trata-se de um texto de João Pires da Cruz, no Observador, A Oração à Senhora da Asneira. Nele se defende que “Agora vamos cair num disparate em que o contribuinte vai meter mais 4 mil milhões de euros num banco, depois do regulador já ter destruído três deles, para proteger o contribuinte de perder dinheiro! Dinheiro que não vai servir para nada, senão satisfazer a fúria rentista de um regulador absurdo que acha que a CGD é um banco menos seguro por isso. A desculpa “B” é que estamos a proteger o depositante. Como vimos acima, isso é conversa de treta, o depositante é defendido automaticamente se o banco central se comportar como qualquer banco central se comportou ao longo da história. Mas agora as autoridades europeias falam em penalizar o depositante acima de um dado valor, se esse mínimo de capital não estiver presente. Ou seja, o contribuinte tem que meter dinheiro para defender o contribuinte e o depositante tem que ser penalizado para proteger o depositante. Se alguém se dedicasse a escrever uma oração à Senhora da Asneira, dificilmente faria melhor.”
Com o desafio de conhecerem uma argumentação que contraria a ortodoxia das autoridades europeias, dos reguladores e da generalidade dos comentadores, despeço-me por hoje. Tenham bom descanso e boas leituras. Até amanhã.
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Subscreva
as nossas Newsletters
Nenhum comentário:
Postar um comentário