segunda-feira, 18 de julho de 2016

Angola. QUANDO O PENSAMENTO ÚNICO JÁ NEM É PENSAMENTO

José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião
O Jornal de Angola insiste em dar-me atenção. Desta vez publicou uma peça assinada por Jacinto Sousa Goubel. Fui ao Google tentar saber mais sobre o articulista. Não existe nenhuma citação. Nada. Descobriu-se há dias que haveria mais de 55 mil funcionários fantasmas à sombra das estruturas governamentais. Talvez o senhor Goubel seja um destes fantasmas. Talvez seja alguém sem coragem para assinar o verdadeiro nome – algo que ocorre com frequência no Jornal de Angola; ou será, simplesmente, um estagiário em início de carreira.

É inútil responder a cobardes; menos ainda a fantasmas. Admitindo, contudo, que se trate de um jovem e ingénuo estagiário, e que este seja o seu primeiro artigo, pode ser que se justifique a resposta.

A peça é deselegante e um tanto confusa; contudo, não me quero ocupar aqui com questões de estilo. Goubel – este nome ecoa, sinistramente, o de Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazi; mais uma vez vamos dar aos camaradas do MPLA o benefício da dúvida e acreditar que se tratou de infeliz coincidência e não de uma desastrada falha de pensamento – acusa-me, no essencial, de ser um “falso angolano”, um “falso escritor”, e um simpatizante da UNITA. São, todas elas, acusações, ou impropérios, que dizem mais sobre quem os produziu do que sobre mim. Uma das práticas que caracteriza um regime totalitário tem a ver com a desnacionalização do adversário. Numa democracia, um adversário é simplesmente um compatriota que pensa de maneira diferente. Em democracia procura-se ouvir com atenção todas as vozes críticas, por mais minoritárias que sejam, pois acredita-se que do confronto de ideias podem surgir soluções melhores. No fundo, esta é a essência do pensamento democrático. Ditaduras, pelo contrário, estigmatizam qualquer voz crítica. Os democratas e opositores do regime são insistentemente classificados como traidores à pátria, ou, ainda pior, como estrangeiros infiltrados no tecido social. Em Angola, estamos sempre a ouvir isto relativamente a pessoas como Rafael Marques, Isaías Samakuva ou Domingos da Cruz. Também no meu caso é uma acusação recorrente.

“Falso escritor” é outra acusação recorrente. Se eu fosse médico e me acusassem de ser um “falso médico”, ainda poderia tentar responder. Neste caso, a acusação é tão disparatada que se desmancha sozinha. Felizmente, tenho muitos milhares de leitores e, ao mesmo tempo, boa fortuna crítica. Tenho muitos e bons leitores até dentro do partido no poder (aproveito para manifestar aqui a minha gratidão para com esses leitores).  Por outro lado, ninguém é forçado a ler os meus livros. E ninguém que os leia adoece como resultado disso. É uma das virtudes da literatura: a boa literatura faz bem, melhora as pessoas; a má não prejudica ninguém. No pior dos casos, entedia.

A acusação de simpatizar com a UNITA, embora repetida até à exaustão, continua a surpreender-me. Como é que num regime que se afirma democrático, se pode pretender diminuir alguém acusando-o de simpatizar com um partido da oposição? O que há de errado nisso? Se todos os adversários do regime forem simpatizantes da UNITA isso apenas engrandece a UNITA. Não diminui o valor nem a justiça desses críticos, e, com toda a certeza, não contribui em nada para a melhoria da imagem do partido no poder.

Não me importo que critiquem as minhas ideias – pelo contrário, tal atenção deixa-me feliz. Lamento é que venha faltando inteligência ao partido no poder. O MPLA já foi o partido dos intelectuais. Não é mais. A degradação de pensamento no interior de um partido que já teve personalidades como Mário Pinto de Andrade e António Jacinto, é um fenómeno assustador, que deveria preocupar a generalidade dos angolanos. Afinal de contas, todos nós sentimos as consequências disso.

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