Secretário-geral da Fenprof desde 2007,
Mário Nogueira não baixa os braços em relação aos direitos dos professores e
pensa que os mesmos reconhecem essa luta. Numa entrevista exclusiva ao Notícias
ao Minuto, o sindicalista dá "nota positiva” ao estado atual da educação e
não se escusa a comentar polémicas.
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Mário Nogueira tem apenas um objetivo:
chegar ao final do seu ‘mandato’ confiante de que fez tudo o que estava ao seu
alcance pela classe dos professores. Numa entrevista exclusiva concedida ao
Notícias ao Minuto, o secretário-geral da Fenprof passa em revista os últimos
anos, faz as contas ao desempenho de ministros, avalia o Governo de Costa e é
contundente na análise que faz à polémica dos contratos de associação.
Está
no Sindicato desde 2007. Pensa que os professores estão satisfeitos com o
trabalho da Fenprof até agora?
Espero que estejam insatisfeitos, porque
nós estamos insatisfeitos. Acho sempre que nós temos de fazer sempre mais e
melhor e, se não for esse o nosso desafio, acabamos por nos acomodar, que é o
que faz muita gente quando está no desempenho de uma função qualquer.
Acomoda-se, satisfaz-se com o que tem e não faz por fazer melhor. Agora, não
tenho dúvidas (...) que reconhecem na Fenprof aquela que mais luta pelos seus direitos,
que mais toma posição sobre as diversas matérias e que melhor entra em fases de
negociação com propostas com que se identificam.
Quais
foram as lutas mais difíceis que já travou até agora? Algum ministro com quem
tenha tido uma batalha mais dura?
Desde que sou secretário-geral da
Fenprof, este é o quarto ministro com que lido. Foi a Dra. Lurdes Rodrigues,
que já a apanhei em três anos do seu mandato, depois durante pouco tempo a Dra.
Isabel Alçada, depois o professor Nuno Crato... Diria que são situações
diferentes. Por exemplo em relação ao professor Nuno Crato praticamente nunca
apareceu durante quatro anos em reuniões. Delegava sempre no seu secretário de
Estado. (…) Com a Dra. Lurdes Rodrigues, penso que essencialmente havia um
problema, admito sim relacional, mas que não era com a Fenprof ou connosco em
particular.
Voltando
ao exemplo que deu de Nuno Crato, pode concretizar?
A sensação que nós tínhamos é que eles
consideravam que os sábios estavam todos no Ministério
O que acontecia era que chamavam as
organizações sindicais e numa sala projetavam na parede um Power Point a dizer
como é que ia ser. Perguntavam se tínhamos alguma pergunta a fazer e,
normalmente, perguntas tínhamos muitas mas as respostas deles eram sempre a
justificar a opção e portanto não havia negociação. (...) A sensação que nós
tínhamos é que eles consideravam que os sábios estavam todos no Ministério.
(...) Este ano, houve negociação (…) Aquilo que nós notamos desta equipa
ministerial para a anterior é precisamente esta diferença em querer ouvir
aquilo que outros têm a dizer.
E
comparativamente a Maria de Lurdes Rodrigues?
Nessa altura não diria que foi por falta
de negociação, porque houve muitas reuniões. Aliás, foi um processo em que se
estiveram a alterar muitos aspetos importantes da vida dos professores, como
por exemplo o estatuto da carreira de docente. Havia um sentimento de injustiça
que criava uma indignação enorme, porque era posto em causa o empenho dos
professores, a sua dedicação, o seu trabalho. Acho que esse mandato, do
primeiro governo do engenheiro Sócrates, e portanto da Dra. Maria Lurdes
Rodrigues, foi um mandato em que as pessoas se sentiram muito injustiçadas e
essa indignação acabou por se transformar nas grandes marchas que se
realizaram.
(...) Quando a pessoa está com fome,
qualquer coisa lhe sabe bem. Perante o deserto que nós tínhamos, há aqui algum
oásis
Que
nota dá à Educação agora?
Não gosto de dar notas. Penso que até
agora - até pelas alterações em relação ao que podemos comparar - a avaliação
que faríamos era sempre uma avaliação positiva, do ponto de vista da educação.
Por exemplo: acabaram alguns dos focos de grande conflito com os professores,
acabou aquela prova da PACC, acabaram as bolsas de contratação ao BCE (…)
Depois há aspetos que não são propriamente do Ministério: os salários estão a
ser repostos na íntegra até outubro, houve negociação e abertura para
negociação. Às vezes é a tal coisa: quando a pessoa está com muita fome,
qualquer coisa lhe sabe bem. E, portanto, diria que estamos a falar de qualquer
coisa, mas perante o deserto que nós tínhamos, há aqui algum oásis.
E
ao atual ministro, que nota lhe dá?
Não dou nota nenhuma, porque acho que os
ministros são todos iguais. Enquanto pessoa não lhe dou nota nenhuma, até porque
só nos reunimos com ele três vezes até agora. Os ministros cumprem as medidas
que o Governo define para o setor. Penso que que o ministro Tiago Rodrigues
cumpre aquilo que são as decisões do Governo, tal e qual como Nuno Crato as
cumpria – as decisões é que são diferentes. (...) Penso que o ministro, naquilo
que tem sido o essencial do debate político, tem-se saído de uma forma que é de
quem tem conseguido argumentar e com argumentos sólidos.
Pior do que o anterior fez, só o
anterior conseguiria continuar a fazer
Já
agora, como avalia estes meses do Governo de António Costa?
Diria que é melhor do que o anterior -
sem dúvida - mas também acho que pior do que o anterior fez, só o anterior
conseguiria continuar a fazer. E, portanto, acho que isso não acontece e espero
que a Direita fique por muitos e bons anos na oposição.
Falando
sobre as medidas concretas de Tiago Brandão Rodrigues e dos contratos de
associação. Estamos a falar de apenas 80 colégios. Como se justifica este
fenómeno?
Por trás dos interesses dos colégios, há
forças que têm muito poder neste país. A começar nos partidos que foram governo
até há pouco tempo e a acabar na Igreja Católica
São 80 colégios que iriam levar por ano
140 milhões de euros, não estamos a falar de uns trocos. Estamos a falar de uma
situação que tem levado ao enriquecimento de muita gente, de uma forma que até
há indícios que poderá ser ilícita e por isso até há um grande processo no
Ministério Público de averiguação (…) A questão é simples: por trás dos
interesses dos colégios, há forças que têm muito poder neste país. A começar
nos partidos que foram governo até há pouco tempo e a acabar na Igreja
Católica. Portanto não estamos a falar propriamente de uns diretores de uns
colégios 'que e tal andam aí a fazer barulho'. E porque a discussão hoje é a
outra: aquilo que está aqui em discussão não é o ensino particular e
corporativo. Este ensino sempre existiu e há de continuar a existir, tem um
papel importante, não acho que tenha nem mais ou menos qualidade do que a
escola pública (...) Hoje o discurso já não são os contratos de associação mas
sim ‘nós é que temos qualidade e o que se deveria fechar é o que não tem
qualidade’ - diz a Dra. Cristas e, por isso, fecham-se as escolas públicas.
Acho isto curioso porque toda a gente diz que Portugal tem hoje nos seus jovens
a geração mais bem qualificada de sempre.
Não
são os colégios privados que estão em causa?
Para mim isto não põe em causa os
colégios privados. O que põe em causa de facto é esta discussão dos contratos
de associação, porque toda a gente sabe que há vários tipos de contrato que o
ensino particular e o Estado fazem. (…) Os contratos de associação têm um
objetivo que é: a Constituição da República obriga o Estado, no seu artigo 65,
a ter uma rede de estabelecimentos. (…) Ou seja, fez uma parceria com privados
para que estes se associassem à resposta pública. Mas é uma parceria que é
feita enquanto o Estado não cumprir aquilo que a Constituição o obriga, que é a
ter suficiência de resposta. (…) A única novidade que este Governo fez foi
escrever que em relação a isto, iriam ser fiscalizados os termos do contrato.
Alguém tinha de fazer isso!
E
como ficam os professores sindicalizados dos colégios nesta situação? Não
receia que se sintam 'órfãos'?
Os professores destes colégios sentem-se
tão órfãos como os milhares de professores que foram para a rua ao longo destes
anos. Eu tenho ouvido pessoas do PSD e CDS, gente que foi responsável pelo
desemprego de milhares e milhares de professores e agora estão com lágrimas –
eu nem quero dizer que são de crocodilo porque, coitados, até ofendo os crocodilos
– que de facto deveriam ter vergonha. (…) Por exemplo, o ministro Nuno Crato
foi condenado em mais de 700 processos no tribunal a ter que pagar as
indemnizações aos professores. (...) Agora fazem esta campanha toda e não é
porque querem lá manter os professores, que eles querem lá saber dos
professores. Querem é saber do dinheirinho que têm metido ao bolso. E usam este
medo dos professores, que é legítimo, para conseguirem manterem o que tem.
O
que vai ser deles?
Então e o que é que foi feito dos outros
professores todos? Onde é que estão? É um problema, mas onde estão os outros
professores também? Não se pode pensar assim. Neste caso concreto, não pode
haver, mas nos outros não tem mal que tivesse havido. Ora não podemos dizer
isso não é. (…) Diria que nem sequer há aqui uma supressão de emprego, mas sim
uma transferência de emprego de colégios para escolas. Agora aquilo que é
verdade e que eu lhe posso dizer é: preocupa-nos isto e estamos a acompanhar.
PAÍS MÁRIO NOGUEIRA09:00 - 05/08/16POR INÊS ESPARTEIRO ARAÚJO
Leia a segunda parte desta entrevista na
EDIÇÃO DA TARDE da Newsletter do Notícias ao Minuto.
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