Despacho
do Governo, que surge após investigação, deverá ser publicado
esta semana. Octapharma, cujo ex-administrador foi detido por
suspeitas de corrupção, facturou mais de 250 milhões de euros nos
últimos oito anos e continua a dominar mercado.
20
de Dezembro de 2016, 7:50
Os
hospitais públicos vão ser obrigados a recorrer, primeiro, ao
Instituto Português de Sangue e Transplantação (IPST) para se
abastecerem de plasma e derivados do sangue. O Ministério da Saúde
quer regulamentar, por despacho, o negócio do plasma, que em
Portugal continua a ser dominado pela multinacional Octapharma,
criando alternativas para que o país deixe de estar dependente de
empresas estrangeiras, apurou o PÚBLICO.
Mas
vai ser necessário um período de transição para que o IPST seja
dotado de condições para fazer o tratamento de todo o plasma dos
dadores portugueses, o que passa pela inactivação do produto
(processo para o tornar seguro). No despacho que será publicado esta
semana, a tutela vai ainda criar uma comissão de acompanhamento, que
terá representantes do IPST e de associações de doentes e de
dadores.
O
negócio do plasma (um componente do sangue) ficou sob os holofotes
depois de Paulo Lalanda e Castro, ex-administrador da Octapharma, ter
sido detido na quinta-feira por alegada corrupção no
âmbito da Operação
O negativo.
A investigação do Ministério Público por suspeitas de
favorecimento da multinacional já tinha levado, na terça-feira, à
detenção do ex-presidente do INEM e da Administração Regional de
Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís
Cunha Ribeiro,
que ficou em prisão preventiva. Cunha Ribeiro presidiu ao júri do
concurso que deu o monopólio do fornecimento do plasma à Octapharma
(lançado em 2000 e adjudicado no ano seguinte). Foram ainda
constituídos arguidos dois advogados e uma farmacêutica que foi
dirigente da Associação Portuguesa de Hemofilia.
O
negócio do plasma e derivados do sangue é muito rentável: só
entre 2009 e Setembro deste ano, a Octapharma ganhou mais de 250
milhões de euros com a venda a hospitais públicos, indicam os dados
da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed). Os números dos
anos anteriores a 2009 - em que esta multinacional farmacêutica
detinha o monopólio - não estão disponíveis.
Octapharma teve monopólio durante vários anos
O
monopólio da Octapharma manteve-se durante vários anos,
apesar de o concurso inicial ter um prazo de validade de apenas três
anos. O ex-secretário de Estado da Saúde Francisco Ramos admitiu ao
PÚBLICO que assinou alguns despachos para prorrogar o concurso por
mais um ano. O ministério, explicou, "estava preso na armadilha
de haver poucos especialistas" nesta área e, se o concurso não
fosse prorrogado "os hospitais ficavam sem plasma". A
situação manteve-se assim até que, em 2008, outro secretário de
Estado, este adjunto do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, acabou
com a centralização da compra, permitindo, por despacho, que os
hospitais passassem a fazer aquisições individuais.
Ao
PÚBLICO, Manuel Pizarro assegurou que tomou esta decisão para
acabar com “o monopólio” da Octapharma em Portugal. Ao remeter
para os hospitais públicos a decisão da compra, abriu todavia a
porta a que pudessem ser feitos ajustes directos, mas lembra que a
Octapharma perdeu "cerca de um quarto da quota". Apesar
disso, não conseguiu “grande coisa em relação aos preços”
praticados pela meia dúzia de empresas que disputam este mercado em
Portugal. Os preços mantiveram-se elevados, reconhece.
Os
dados do Infarmed indicam, de facto, que a quota de mercado da
Octapharma diminuiu substancialmente: se, em 2009, o valor global das
vendas da multinacional ao Serviço Nacional de Saúde ascendeu a
51,3 milhões de euros, em 2015, desceu para 22,8 milhões de euros.
Mesmo assim, a multinacional continua a liderar este negócio que nos
primeiros nove meses deste ano custou ao Estado 37 milhões de euros.
Em 2015, os gastos totais ascenderam a 47,7 milhões de euros.
Mais concursos
O
sangue doado divide-se em eritrócitos, plaquetas e plasma. Os dois
primeiros são aproveitados, mas o plasma dos nossos dadores, uma
espécie de sopa de proteínas muito valiosa e que salva vidas, acaba
por não ser aproveitado em Portugal, que o compra a empresas
estrangeiras, sobretudo à Octapharma.
Em
2013, o Instituto Português de Sangue e Transplantação começou a
inactivar (tratar para garantir a segurança) o plasma dos dadores
através de um método próprio mas apenas distribuiu aos hospitais
1600 unidades, segundo adiantou ao PÚBLICO. Quanto ao outro método
de inactivação (por solvente detergente), esse permitiu já
distribuir 16 mil unidades aos hospitais, mas, como a Octapharma é a
única empresa que detém esta metodologia, o produto teve mais uma
vez de ser adquirido à empresa líder de mercado. Os especialistas
preferem adquirir este último, alegando que é mais seguro.
O
plasma pode ser inactivado para ser administrado directamente aos
doentes ou fraccionado para se retirarem componentes para produzir
medicamentos que são usados nos tratamentos a doentes queimados e no
âmbito de várias doenças, como a hemofilia, infecção VIH/Sida,
cancros Estes últimos medicamentos são muito caros.
Actualmente,o
IPST tem cerca de 120 mil unidades de plasma armazenadas nas câmaras
frigoríficas a aguardar pelo concurso do fraccionamento. Aprovado em
2015, o Programa Estratégico de Fracionamento de Plasma Humano
previa que até Outubro desse ano estaria concluído o concurso para
escolher a empresa que se vai encarregar desta tarefa.
A
Operação
O negativo acabaou
por dar empurrão decisivo ao procedimento que vai permitir que
Portugal possa aproveitar cabalmente o plasma dos nossos dadores de
sangue e não ficar completamente dependente de fornecedores
estrangeiros. O actual secretário de Estado da Saúde, Manuel
Delgado, disse na sexta-feira que o Governo estava a preparar o
concurso público (já anunciado há mais de um ano) para seleccionar
a empresa que vai tratar o plasma desperdiçado em Portugal,
especificando que o que está a ser feito é "uma negociação
privilegiada entre concorrentes”. Confrontado com as suspeitas de
que houve um favorecimento da Octapharma neste negócio, o governante
disse apenas que o monopólio daquela empresa se prolongou devido a
“controvérsias técnicas”.
Fonte: Público
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