O erro mais comum é confundir o prazer com a felicidade. O prazer, diz um provérbio hindu, “é somente a sombra da felicidade”. É o resultado direto dos estímulos prazerosos no âmbito sensual, estético ou intelectual. A fugaz experiência do prazer depende das circunstâncias, de um lugar específico ou de um momento no tempo. É instável por natureza e a sensação evocada logo se torna neutra ou até desagradável. Da mesma maneira, se for repetida, pode tornar-se insípida ou até levar à repulsa. Saborear uma refeição deliciosa é uma fonte de prazer genuíno, mas ficaremos indiferentes a ela assim que estivermos satisfeitos e poderemos até nos sentir mal se continuarmos a comer.
O prazer desvanece com a rotina, como uma vela que se consome a si mesma. Ele quase sempre está ligado a uma acção, uma actividade e leva ao tédio pelo simples facto de repetir-se. Ouvir em êxtase um prelúdio de Bach requer uma atenção que, por menor que seja, não pode ser mantida indefinidamente. Depois de um tempo, o cansaço entra em cena e a música perde o seu encanto. Se fôssemos forçados a ouvi-la por dias e dias, iria tornar-se intolerável.
Além disso, o prazer é uma experiência individual, centrada no eu, que pode com facilidade deteriorar-se em egoísmo e entrar em conflito com o bem-estar dos outros. Na intimidade sexual é claro que pode haver prazer mútuo no dar e receber sensações prazerosas, mas esse prazer só pode transcender o eu e contribuir para a felicidade genuína se a natureza da mutualidade e do altruísmo generoso estiver no seu âmago. É possível sentir prazer à custa de outra pessoa, mas isso não dá felicidade. O prazer pode estar associado à crueldade, à violência, ao orgulho, à ganância e a outras condições mentais que são incompatíveis com a verdadeira felicidade. “O prazer é a felicidade dos loucos, enquanto a felicidade é o prazer dos sábios”, escreveu o romancista e crítico francês Jules Barbey d’Aurevilly.
Diferentemente do prazer, o florescer genuíno de sukha (sânscrito: felicidade ou bem-aventurança) pode ser influenciado pelas circunstâncias, mas não depende delas. Ele perdura e aumenta com a experiência. Gera um sentimento de plenitude que, no tempo devido, torna-se uma segunda natureza.
A felicidade autêntica não está ligada a uma acção, a uma actividade, mas é um estado de ser, um profundo equilíbrio emocional decorrente de uma subtil compreensão do funcionamento da mente. Enquanto os prazeres ordinários se produzem no contacto com objectos agradáveis e terminam quando esse contacto se interrompe, sukha — o bem-estar duradouro — é sentido ao longo de todo o tempo em que permanecemos em harmonia com a nossa natureza interior. Um aspecto intrínseco desse bem-estar é o seu altruísmo, que irradia do interior do ser, em vez de focalizar-se no eu. Quem está em paz consigo mesmo contribui espontaneamente para estabelecer a paz na sua família, na sua vizinhança e, se as circunstâncias permitirem, na sociedade como um todo.
Em resumo, não há relação directa entre o prazer e a felicidade. Essa distinção não significa que não se deva buscar sensações agradáveis. Não há razão para nos privarmos do deleite diante de uma paisagem magnífica, da sensação de nadar no mar, do perfume de uma rosa, da doçura de uma carícia ou da beleza de uma melodia. Os prazeres tornam-se obstáculos somente quando perturbam o equilíbrio da mente e nos levam à obsessão por gratificações ou a uma aversão a tudo que possa impedi-las.
Extraído do livro “Felicidade” de Matthieu Ricard , cap. 4
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