A voracidade dos incêndios e a nossa incapacidade para os combater vieram colocar a nu o colapso do interior. Não foi por falta de aviso, 80% do nosso território estava abandonado e grande parte está agora ardido, especialmente em distritos como Santarém, Leiria e Coimbra. Nunca vimos um verão como este, com tantas tragédias, com tamanha descoordenação e com tantos incêndios de grandes dimensões a destruir e a consumir tudo o que lhe aparece pela frente, florestas, aldeias, casas, empresas e pessoas.
As empresas que ardem são as que heroicamente subsistem no interior, as casas que ardem são as casas de quem optou por ficar, de quem voltou ou de quem insiste em manter a ligação à sua terra. É injusto mas são estes os principais prejudicados, os que optaram por ficar e lutar, os que não abandonaram o interior.
Muitos destes fogos terão origem criminosa e a mão humana. Mas estas tragédias são também o resultado de anos e anos de abandono do interior. As aldeias estão vazias, os municípios estão sem meios e o Estado colapsou.
A GNR não tem gente suficiente no terreno, os bombeiros e os sapadores não chegam para tudo, ao contrário do prometido pelo Governo os militares não estão preparados nem estão em número suficiente no teatro de operações, a Protecção Civil não tem liderança e perdeu o respeito dos homens no terreno, o governo preocupa-se apenas em limpar a sua pele, o combate à desertificação não passa de um slogan ou de uma narrativa, e a segurança do país está entregue às populações, aos autarcas e aos bombeiros que resistem.
O país e o Estado devem preocupar-se em primeiro lugar com as pessoas, com os direitos e deveres dos cidadãos. Mas o país é mais do que isso, Portugal também é território e a verdade é que há uma grande faixa do país que foi votado ao esquecimento e ao abandono. Mais insólito quando o país não é assim tão grande e os acessos até são melhores do que a média da Europa.
Há três anos escrevi aqui no Expresso que após a saída da troika o maior desafio do país seria combate à interioridade, à desertificação e ao despovoamento do interior.
Revolta ainda mais quando me recordo das “cabeças sábias” que no antigo QREN desviaram milhões de euros de investimento no interior para a região de Lisboa sob pretexto de um dito “efeito spillover” (mais uma de José Sócrates) que dizia que investimentos no litoral tinham impacto no interior (um desses até foi uma esquadra de polícia). Assim se enganou Bruxelas e se usaram verbas da “coesão territorial” em Lisboa e arredores. Assim temos o interior sem investimento há décadas. Este ano temos vindo a ver o resultado.
É hora do país decidir o que pretende. É hora de deixar de andar continuamente a discutir a hipocrisia, nuances e polémicas estéreis ou pouco úteis. Ainda ontem tive a felicidade de ouvir Capoulas Santos, apesar dos vários disparates e equívocos da sua reforma da floresta, proferir uma afirmação muito certeira quando recordou que só após a tragédia de Pedrogão é que muitos prestaram atenção ao problema do interior e da floresta. Muitos preferem discutir questões laterais ou menores. Problemas como o território ou a desertificação ficam para rodapés, para alguns políticos e académicos preocupados. A indignação ganha mais asas na discussão das futilidades e das agendas fracturantes e ideológicas substituindo a discussão sobre os reais problemas do país. Este recado assenta que nem uma luva a muitos pseudo especialistas, a muitos heróis das redes sociais, a muitos políticos mas também ao interior do próprio governo, destes e de outros. Provavelmente nunca um Ministro da Agricultura ou do Ordenamento teve força suficiente para impor dentro do Conselho de Ministros as medidas necessárias para esta reforma e para outras reformas necessárias e por isso elas nunca se fizeram. Talvez graças a Pedrogão Capoulas terá conseguido convencer o seu Conselho de Ministros, não convenceu foi a “Geringonça” e por isso a reforma aprovada é uma manta de retalhos ineficaz.
O problema do interior não é só a floresta nem a reforma florestal, é uma questão de regime, de abandono do território e de falta de políticas que permitam inverter esta tendência. Já não vamos lá com benefícios fiscais, isenções ou auto-estradas, a situação agravou-se de tal forma que agora já é preciso muito mais.
A terminar não podia deixar de assinalar a hipocrisia do Primeiro-Ministro e a desfaçatez com que se contradiz sem qualquer preocupação. São vários os exemplos já referidos, mas importa lembrar que há um ano o SIRESP colapsou no incêndio do Sardoal/Abrantes. Foi feito um relatório que o confirmou e do qual o Governo teve conhecimento em primeira mão. Resta perguntar a António Costa o que fez o governo ao longo do último ano para corrigir o problema? Já para não falar que há um ano o governo anunciou novos sapadores, mais militares e mais meios, onde estão? Pelos vistos, apenas no papel e na “cartilha” da Geringonça.
Duarte Marques in Expresso
Associação Bombeiros Para Sempre
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