Ilustração de Fernando Vicente para o El Pais
Como aqui escrevi na passada sexta-feira, os atentados terroristas na Catalunha colocam-nos perante o dilema da banalização dos ataques indiscriminados contra quem apenas está na rua, num mercado de Natal em Berlim, numa ponte em Londres, nas apaixonantes Ramblas de Barcelona. E como contrariar a banalização? Como impedir a repetição? Na verdade há pistas para algumas, mas há também muitas perplexidades e muitos debates que vale a pena ter. E valores que temos de ter sempre presentes. A selecção de textos de hoje procura essas pistas e essas reflexões.
Começo, como que inevitavelmente, por Mario Vargas Llosa, que no El Pais escreveu um texto indispensável: Sangre derramada. Aí se defende que “El terrorismo islamista es hoy día el peor enemigo de la civilización”, ao mesmo tempo que se deia uma mensagem de determinação: “Los fanáticos nunca van a ganar la guerra. La matanza de inocentes será una poda y las viejas Ramblas seguirán inmantando a la misma variopinta humanidade”. Acontece porém que, para nos defendermos, não podemos enganarmo-nos quanto às raízes do mal: “Tampoco parece muy convincente que los terroristas del Estado islámico o Al-Qaeda sean hombres desesperados por la marginación y la discriminación que padecen en las ciudades europeas. Lo cierto es que buen número de los terroristas han nacido en ellas y recibido allí su educación, y se han integrado más o menos en las sociedades en las que sus padres o abuelos eligieron vivir. Su frustración no puede ser peor que la de los millones de hombres y mujeres que todavía viven en la pobreza (algunos en la miseria) y no se dedican por ello a despanzurrar a sus prójimos. La explicación está pura y simplemente en el fanatismo, aquella forma de ceguera ideológica y depravación moral que ha hecho correr tanta sangre e injusticia a lo largo de la historia. Es verdad que ninguna religión ni ideología extremista se ha librado de esa forma extrema de obcecación que hace creer a ciertas personas que tienen derecho a matar a sus semejantes para imponerles sus propias costumbres, creencias y convicciones.”
A mesma linha de raciocínio é seguida pelo historiador Jorge Vilches no El Español, num texto – No existen vías buenistas contra el terror – onde critica os complexos de culpa da sociedade ocidental. Com referências que vão de Gramsci à esquetda radical dos anos 1960/70, o autor considera que os jhiadistas “Saben que habrá una parte de los occidentales que dirán que esa persona asesinó porque era un inadaptado, porque no recibió un trabajo ni una educación suficientes. O algo peor: era un loco. Los terroristas conocen esta debilidad de Occidente, tan falsa y que tanto daño nos hace. Pero el asesino no actúa por carencias de nuestro sistema educativo o de colocación laboral, sino porque quiere. De otra manera tendríamos en España cerca de tres millones de parados susceptibles de ser terroristas.” Depois de contrariar frontalmente este tipo de reacções de uma parte dos comentadores, e de sublinhar que o jhiadismo “No es culpa de Occidente”, Vilches é claro sobre aquilo que ele realmente visa: “Es la teoría pura del terror: crear en el enemigo (nosotros) un miedo a vivir que sea de tal magnitud que nos empuje a ceder, a bajar los brazos, y si no, que introduzca el debate y la división sobre la unidad de acción.”
Jorge Almeida Fernandes também aborda no Público, em O massacre nas Ramblas e as lições de 2004, este tema do medo: “O grande risco é a vitória do medo, que provoca uma reacção emotiva de ódio. O EI aposta, por propaganda, em golpear “os infiéis” e os que lhe fazem guerra. Mas visa também provocar a ruptura das comunidades islâmicas com as sociedades em que vivem. Esta estratégia foi particularmente evidente na França, onde encontrava um terreno favorável. Adaptaram, à sua maneira, o clássico princípio dos terrorismos: “Ataque, repressão, reacção”, para polarizar as sociedades e recrutar militantes e “mártires”.
A reacção dos catalães foi gritarem, em uníssono, “não temos medo”. Mas será isso mesmo assim? Será mesmo verdade que não há medo? Helena Matos discorda em Do lado de dentro da janela, um texto publicado no Observador: “Na verdade não é só é profundamente falso dizer que não temos medo como subjacente a essa aparente fanfarronice está a convicção de que a ameaça não é relevante. Ou pelo menos suficientemente grave para se poder assumir publicamente que se sente medo. Afinal é no assumir do medo que está a grande clivagem do nosso tempo. Um mundo dividido entre uma casta privilegiada que legisla sobre tudo e que controla tudo desde o pensamento à linguagem mas que nos momentos cruciais falha rotundamente na sua obrigação de garantir a segurança dos cidadãos. Nesse mundo da casta é proibido falar de medo.”
Já João Miguel Tavares, que acaba de regressar de uma digressão por vários países europeus com os seus quatro filhos, está mais perto do sentimento do “não temos medo” na sua crónica no Público Fazer turismo é combater o terrorismo. Foi pelo menos isso que procurou transmitir aos seus, acrescentando que “continuar a viajar pela Europa não é só um prazer — é a nossa modesta forma de resistir a quem nos quer matar. Daí que os desprezados turistas mereçam ser vistos com outros olhos: à sua maneira, eles são defensores de um modo de vida de que todos nos devemos orgulhar. (...) Cada um de nós — privilégio supremo — não precisa sequer de agarrar numa arma para fazer a sua parte. Basta pôr o chapéu e os óculos escuros. Cada turista é um combatente contra o Estado Islâmico. Não percebo como é possível não gostar deles.”
Já no que diz respeito às razões que levaram os terroristas a escolherem a Catalunha dessa vez, o The Guardian, em Barcelona and Cambrils attacks: why was Spain targeted by terrorists?, fornece algumas possíveis respostas: “The country has been on its second highest terror alert since June 2015, and barely a week goes by without police announcing the arrests of people who have become radicalised online. More than 720 people have been detained in Spain in connection with “jihadi terrorism” since the carnage in Madrid, and almost a quarter of the 178 people arrested for terrorism-related activities over the past three years are from Barcelona.
A recent study from West Point’s Combating Terrorism Center found the main nationalities of those arrested were Moroccan (42.7%) and Spanish (41.5%).”
Fala-se aqui da pista marroquina, até porque a Catalunha tem preferido receber imigrantes vindos de países islâmicos em lugar daqueles chegam da América Latina, sendo que Marrocos tem fornecido muitos dos jhiadistas que protagonizaram atentados em diferentes pontos da Europa, algo que o Wall Street Journal recorda em Attacks in Spain Put New Focus on Europe’s Moroccan Diaspora. Ora isso está a preocupar muito as autoridades de segurança europeias: “Ahead of last week’s attacks, counterterrorism officials were worried that large Moroccan communities established in Spain, as well as in France and Belgium, provided fertile ground for the development of radical cells. That is in part because some members of those communities have access to steady flows of illicit revenue from the trade of cannabis resin, of which Morocco is the world’s largest producer, one Western counterterrorism official said”.
Sobre estas escolhas catalãs e a sua relação com a agenda dos independentistas vale a pena ler La Yihad y el secesionismo catalán, de Ignacio García de Leániz no El Mundo (a que também pertence a ilustração abaixo): “El incremento de la inmigración musulmana -especialmente marroquí- se agudizó en la última década en gran parte por el interés político de las elites independentistas, que veían en esta inmigración islámica un muro de contención frente a los flujos migratorios hispanoamericanos castellanoparlantes. Pero al mismo tiempo el CNI nos advierte desde hace años sobre la fuerte implantación del islamismo radical incontrolado en Cataluña, junto a Ceuta y Melilla. (...) Por todo lo cual no es aventurado concluir que, desgraciadamente, Cataluña en general y Barcelona en particular pueden ser probables blancos de la ofensiva yihadista”. Esta opção política é abertamente contestada por aquele académico, que fala mesmo em “suicídio colectivo”: “lo sorprendente del caso es el absoluto silencio que se está dando en Cataluña sobre los riesgos objetivos que corre esa comunidad en el nuevo escenario bélico-terrorista y, más tabú todavía, la ausencia de cualquier debate sobre la vulnerabilidad sobreañadida que implicaría un estado catalán independiente. Que bien pudiera ser en esta endiablada circunstancia internacional, una forma de invitación al suicidio colectivo.”
E face ao jhiadismo entre nós, que fazer? Eis dois textos que indicam caminhos a seguir, nenhum deles isento de controvérsia:
- Combating 21st century terror: What Europe can learn from Israelm de David Patrikarakos, na britânica The Spectator, onde se começa pelo que devia ser mais óbvio mas nem sempre é fácil de conseguir, bem pelo contrário – “Pini Schiff, Israeli Former Head of Security at the Israel Airports Authority believes the most pressing change that Europe needs to make is at the intelligence level. ‘Both the U.K. and France, for example, have really professional agencies,’ he says, ‘but that is not enough. There is not enough communication between intelligence agencies across Europe, like there is between all branches of the Israeli security services. It needs to be a ‘one nation’ intelligence community.’” – e se termina sugerindo formas de envolver as populações na detecção de actuações suspeitas, algo para que os israelitas já estão treinados, mas que pressupõe que todos vigiem todos e, quando for caso disso, passem informação às autoridades.
- Basta!, de Gonçalo Dorotea Cevada no Observador, é a defesa por este jurista português que trabalha e vive em Londres de um regime muito menos permissivo no que toca aos que promovem o fanatismo, nomeadamente nas mesquitas: “Que suposta superioridade moral é essa que não nos permite admitir que o problema não está na suposta falta de integração social, mas na propaganda feita por certas mesquitas localizadas na Europa, e financiadas por Estados supostamente “amigos”? Quantos mais vão ter que ser esmagados por carros para dizermos basta? Se queremos manter as nossas Democracias temos que ser claros quanto a isto: não há espaço para ninhos de culto terrorista na Europa.”
Não devemos ter porém ilusões, nenhuma solução é fácil ou indolor. Por certo só temos que, como escreveu no El Pais Diego Muro, professor na Universidade de St Andrews, o Objetivo terrorista: la ciudad. Isto porque “Las ciudades (...) son el principal objetivo del terrorismo yihadista. Representan todo aquello que aborrece el salafismo violento: sociedades abiertas, democráticas y plurales. Por ello, cuanto mayor es su carga simbólica, más atractivas resultan para multiplicar el impacto psicológico del terror y provocar reacciones desmesuradas de los gobiernos.” Tal como por certo também temos que este é um problema que veio para ficar, como sublinha Jorge Almeida Fernandes no texto já referido: “Não há risco zero. Jonathan Evans, antigo responsável pela segurança no MI5 (serviços secretos para o interior), previne os britânicos de que continuarão a afrontar o terrorismo islâmico pelo menos por mais 20 anos.”
Vinte anos é muito tempo, mas a verdade é que já passaram 16 desde o 11 de Setembro e nunca mais deixámos de viver sobre esta ameaça. Não podemos nem devemos acomodarmo-nos, mas temos de estar preparados para dar respostas difíceis e contruir consensos que cimentem a nossa vontade de viver normalmente, sem ter medo. Isso pede reflexão, estudo e debate, e espero ter dado neste Macroscópio uma pequena contribuição para a discussão que regressa a cada novo atentado mas que depois parece logo engolida pela vertigem dos dias. Também por isso vos desejo boas leituras, e que o medo não perturbe o descanso que todos merecemos, sobretudo nesta fase do ano.
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário