sábado, 2 de setembro de 2017

Eu, Psicóloga | Prezado Excelentíssimo Sr. Juiz, você só pode estar de brincadeira.


Na última terça-feira (29/08), um homem foi preso em flagrante após ter ejaculado em uma mulher dentro de um ônibus na avenida Paulista, uma das mais movimentadas vias de São Paulo. Menos de 24 horas depois, foi liberado após o juiz responsável concluir que o ato não seria estupro, mas sim uma contravenção penal - "importunar alguém em local público de modo ofensivo ao pudor" - passível de punição com multa.

A decisão provocou fortes reações nas redes sociais e gerou revolta entre movimentos de defesa dos direitos das mulheres, especialmente pela justificativa do juiz José Eugenio do Amaral para liberar o homem, que já tinha passagens na polícia por suspeita de estupro.

Mas como isso pode acontecer e o sujeito sair ileso, diz respeito tanto sobre a nossa Constituição que é defasada, confusa e sem punição adequada, quando a Cultura do Estupro que perpetua não apenas a impunidade, mas a prática e a justificativa de atos como esses.

Falar de cultura do estupro é falar da forma que a sociedade se organiza para justificar a violência contra a mulher. São normas, comportamentos e práticas sociais que permitem que esse tipo de violência aconteça e que, quando aconteça, a responsabilidade seja transferida do agressor para a vítima.

A violência contra a mulher é concreta, sistemática e balizada por números reais e dados científicos que são publicados por organizações competentes e sérias. A cultura do estupro é a cultura que normaliza a violência sexual. As pessoas não são ensinadas a não estuprar, mas sim ensinadas a não serem estupradas. 

Cultura do estupro é duvidar da vítima quando ela relata uma violência sexual e essa violência não precisa ser apenas o ato consumado. Ejacular no rosto de uma mulher é violência sim, Senhor Juiz. Não adianta relativizar o que aconteceu, o sujeito já tinha passagem na polícia e acredite você: por estupro! Em que mundo estamos vivendo?

É exaustivo disputar a realidade com quem não quer enxergá-la porque não é diretamente afetado por ela, não é senhor Juiz? Mas a vossa senhoria tem mãe, filha, irmã ? Será que precisamos revelar que existe, sim, uma cultura que normaliza o estupro e a violência contra as mulheres? Algo tão óbvio. Falar é uma ação, denunciar o machismo é uma ação, revelar a misoginia é uma ação, não punir um cara que ejacula não é ação. E desrespeito. É afronta.

Pois falemos, então, com a linguagem adequada. A cultura do estupro existe e é visível, e sexo sem consentimento é estupro, ainda que alguns relutem em admitir isso.

A discussão é de que não houve violência. Só sendo muito despreparado para dizer que essa conduta não teve violência. É preciso ter a clareza de que a violência se manifesta de várias formas, não existe uma única forma de constrangimento. Alguns juristas encaram o estupro como aquela velha modalidade em que a moça passa em uma rua escura e é atacada por alguém armado. Você pode violentar alguém quando ejacula no seu rosto, isso já é um constrangimento brutal.

Muito me espanta que existam juristas que não tenham percebido o constrangimento que essa conduta representou. Essas pessoas estão cegas. A decisão do juiz de liberar o acusado foi um erro grosseiro.

DEbora Oliveira
Psicóloga Clínica 

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