sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A modernidade líquida do PSD

Fernando  Sobral
Fernando Sobral 11 de janeiro de 2018 às 20:16
Este é um tempo de transição para o PSD como, lucidamente, Miguel Relvas reconhecia na entrevista de ontem ao "Público": "Vamos ter um líder para dois anos. Se não ganhar, será posto em causa."

O escritor argentino Rodrigo Fresán criou uma escola de ficção, o "irrealismo lógico", como contraponto ao "realismo mágico" de Gabriel Garcia Márquez. Segundo ela, a realidade é cada vez mais divertida porque não temos de ir ao espaço, já que a ficção científica anda por aí, a cirandar, na Terra. O "irrealismo lógico" faz parte da realidade política nacional. Os últimos meses mostram que Portugal não necessita de Harry Potter para o motivar: basta-lhe ter, à solta, alguns dos principais actores políticos para que existam sempre "fait-divers" capazes de ocupar os nossos tempos livres. Desde o ainda inexplicado caso de Tancos aos incêndios e passando agora pelas declarações de Francisca van Dunem e pela tentativa de transformar Joana Marques Vidal na faxineira da corrupção nacional, há de tudo para todos. No caso do PSD, o "irrealismo lógico" de Fresán cruza-se com a "modernidade líquida" de Zygmunt Bauman: este tempo de campanha, antes da escolha do líder, é de valores líquidos, flexíveis e instáveis. Num mundo em que tudo muda constantemente, seria difícil que o PSD não seguisse uma dieta diária tão movediça como a que o cerca. O problema é que o PSD é um eixo do poder em Portugal nas últimas quatro décadas. Tento-o retirado da sua ideologia alargada entre a social-democracia e a direita, e colocando-o como um partido pretensamente liberal modelado pela política de austeridade e pelos valores universitários americanos, Passos Coelho deixou-o à deriva. Para se reencontrar o PSD precisa de voltar ao poder. E quer Santana Lopes quer Rui Rio sabem isso.

Este é um tempo de transição para o PSD como, lucidamente, Miguel Relvas reconhecia na entrevista de ontem ao "Público": "Vamos ter um líder para dois anos. Se não ganhar, será posto em causa." É isso mesmo que conta: em 2019, nas legislativas, Rio ou Santana terão de mostrar a contabilidade ao Tribunal de Contas do PSD. Ou ganham ou, perdendo, conseguem entrar na órbita do poder. Rio é mais claro: quer um bloco central. Mas, como Relvas desmonta, isso colocará o PSD numa posição de fragilidade: ou será a muleta do PS ou deixará o campo da oposição aberto para o CDS. E, em caso de dúvidas, António Costa já escolheu o parceiro para 2019: o BE. Quem tiver dúvidas sobre isso pode retirá-las. Até porque a vitória, dentro do PCP, da corrente sindicalista (como é visível na forma como se tem processado o conflito na Autoeuropa), mostra que o cenário actual já não será possível em 2019. É por isso que, sendo para muitos um líder de transição, não é irrelevante saber se é Santana Lopes ou Rui Rio a ser o próximo líder do PSD.

Se ganhar o ex-autarca do Porto, à "política de austeridade" substituir-se-á o "cinzentismo esclarecido". Ou seja, uma confrangedora ausência de ideias que ultrapassem as lógicas financeiras que parecem nortear tudo aquilo que Rio diz. Não vai haver ali emoção ou distinção face aos valores e às políticas defendidas pelo PS. E, com isso, o PSD irá sempre atrás da agressividade do CDS (feito à custa de surfar o que "está a dar" nas redes sociais), tornando-se refém da estratégia de Assunção Cristas. Se o PSD não quiser tornar-se um refém do "irrealismo lógico", e quiser procurar ser uma alternativa nos próximos dois anos, Rui Rio é a solução que nunca se poderia pôr para liderar o partido no regresso ao poder. 

Fonte: Jornal de Negócios

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