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A carne e o peixe ainda ocupam uma posição central nas refeições dos portugueses, mas a maioria (65%) já come uma refeição de base vegetal pelo menos uma vez por semana, indica um inquérito hoje divulgado.
O II Grande Inquérito da Sustentabilidade em Portugal, da Missão Continente (Grupo Sonae) e do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, indica que, numa semana típica, os portugueses costumam fazer uma alimentação com refeições com carne branca (média de 4,73 vezes por semana), carnes vermelhas (3,65), peixe (3,5) e uma refeição de base vegetal, sem carne nem peixe (1,95).
O estudo, hoje divulgado, mostra que os homens tendem a comer quase mais uma refeição semanal com carnes vermelhas do que as mulheres.
Em relação ao consumo de frutas e vegetais, muitos dos inquiridos afirmam não comer fruta (18,8%) ou vegetais (23,6%) pelo menos uma vez por dia. Já os consumidores muito frequentes de fruta/vegetais (três vezes ou mais por dia) rondam os 27,8% e 12,1%, respetivamente.
De referir que mais mais de metade (50,6%) dos inquiridos manifestaram disposição para a reduzir o consumo de carne e para seguir uma alimentação de base vegetal (45,1%) e cerca de metade (46,6%) mostrou-se disponível para pagar mais por carne proveniente de métodos de produção mais sustentável.
O estudo, coordenado pelas investigadoras Luísa Schmidt e Mónica Truninger, indica que os produtos de origem animal (como a carne e o peixe) ainda ocupam uma posição central nas principais refeições dos portugueses, fazendo parte daquilo que entendem como uma refeição culturalmente adequada, mas os inquiridos mostraram-se globalmente disponíveis para alterar os seus hábitos alimentares e mudar “algumas práticas culturalmente estabelecidas”.
“Há uma predisposição para a mudança, para reduzir consumo de carne e a adotar uma alimentação de base vegetal”, explicou Luísa Schmidt, frisando que “estes picos se verificam sobretudo entre os mais velhos, por questões de saúde (…). Nos mais novos surgem por opção cultural”.
Para Luísa Schmidt, os dados mostram que “a questão da saúde entrou completamente nas preocupações dos portugueses”.
“Isso vê-se na atenção a tudo o que tem a ver com o desperdício alimentar (…), mas também nas preocupações com a utilização de agroquímicos e na contaminação por baterias, assim como com a utilização de hormonas nos alimentos”, afirmou.
Mudar hábitos
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Entre os inquiridos que manifestam maior disposição para a mudança de hábitos destacam-se as mulheres, os inquiridos com nível de escolaridade elevado (ensino superior) e os residentes em áreas metropolitanas.
Mas quem manifesta disponibilidade para mudar a sua alimentação e comer menos carne não se fica pelas intenções. De facto, 5% dos inquiridos já seguem uma alimentação de base vegetal - sete ou mais refeições de base vegetal ao almoço/jantar, numa semana habitual, num total de 14 refeições possíveis.
Entre os inquiridos com maior propensão para seguir atualmente este tipo de alimentação destacam-se as mulheres, os inquiridos com nível de escolaridade mais elevado (ensino superior) e ambos os polos de rendimento do agregado familiar (600€ ou menos, 2.039€ ou mais).
“Os que se situam no polo de rendimentos mais baixo provavelmente não têm um orçamento que lhes permita adquirir carne ou peixe com frequência (…), reforçando a sua dieta com mais vegetais (normalmente na forma de sopa)”, explicam os investigadores.
“Os consumidores que se situam no nível de rendimento mais alto estão provavelmente em transição para uma dieta de maior base vegetal, eventualmente por preocupações de saúde e de sustentabilidade”, acrescentam.
O estudo mostra igualmente que “a generalidade dos inquiridos se mostra familiarizada com o conceito de agricultura biológica”.
“Há uma adesão progressiva ao modo de produção biológica. Relativamente ao anterior inquérito, as pessoas já conhecem bem a agricultura biológica, valorizam-na e compram. Têm mais confiança e defendem até a introdução nos refeitórios e cantinas escolares, sobretudo porque há também uma preocupação muito grande com os mais novos”, explicou a investigadora do ICS Luísa Schmidt, uma das coordenadoras do estudo.
Já quanto à rotulagem dos produtos, os portugueses não se mostram muito informados sobre os símbolos associados às práticas de produção sustentável. Mais de metade (57%) não reconhece qualquer um dos símbolos apresentados no inquérito e os mais reconhecidos – o certificado de agricultura biológica – só é mencionado por 20,9% dos inquiridos.
No que respeita às principais motivações em relação aos hábitos de consumo, a maior parte diz que escolhe alimentos porque são ‘saudáveis’, ‘convenientes’ e/ou porque ‘dão prazer’ a comer.
O inquérito mostra um dado novo que indica que os homens “são mais propensos a escolher alimentos que veiculem uma imagem social favorável de si mesmos”.
“O facto de os homens estarem preocupados com a sua imagem social no que respeita à alimentação é algo novo nestes resultados e pode sugerir que há um grupo emergente de homens na sociedade portuguesa que parece estar atento às leituras que os outros fazem das suas orientações alimentares”, escrevem os investigadores.
Quanto aos principais critérios usados na escolha do produto, os inquiridos sublinham sobretudo a relação de preço-qualidade percebida (frescura, aspeto, sabor, preço justo), seguida por critérios de origem do produto (origem local/nacional), critérios de produção e nutrição (valor nutricional, produção biológica), e critérios informativos (ingredientes e valor nutricional).
Comprar perto de casa, com preferência para frescos
Na compra, os inquiridos disseram optar mais pelos supermercados de proximidade (66,2%) para as compras frequentes de alimentação. Os centros comerciais/hipermercados são a segunda opção (64,2%).
“Além dos supermercados de proximidade e dos centros comerciais/hipermercados, é cada vez mais frequente os portugueses recorrerem ao comércio tradicional de proximidade (49,8%) como as lojas especializadas (talhos, peixarias, frutarias), mercearias (39,4%) e as feiras e mercados (39,6%)”, refere o estudo, que indica que as idas às cooperativas de produtores/consumidores são menos frequentes (17,2% e 16,4).
Apenas 14% recorrem às compras ‘online’ para adquirir produtos alimentares.
Segundo os resultados deste inquérito, face ao realizado em 2016, “os supermercados de proximidade ultrapassaram os hipermercados/centros comerciais como os espaços mais frequentados para as compras alimentares”.
“Este é um fator indiciador da aposta forte das grandes cadeias de retalho alimentar no comércio de proximidade e que expressa bem neste inquérito uma tendência de mudança nas práticas dos portugueses. Tal também pode indiciar alguma mudança nas práticas de mobilidade, sobretudo nos grandes centros metropolitanos, que futuros inquéritos poderão indagar com maior profundidade”, referem os investigadores.
Quando questionados sobre as modalidades de compra dos produtos alimentares os portugueses revelam dar uma clara preferência aos produtos frescos, nomeadamente na fruta (89,3%), vegetais (88,5%), carne (86,9%) e peixe (81,3%). A exceção é para as leguminosas enlatadas, mais frequentemente compradas desta forma (56,2%) do que como produto fresco (48%).
No que se refere aos produtos congelados, o peixe é comprado com o dobro da frequência (42,4%) por comparação aos produtos vegetais (21,3%) e a carne (18%).
Tal como no inquérito de 2016, o perfil do “consumidor constrangido” (que tem de gerir constrangimentos económicos pessoais ou familiares) ganhou peso, a par do “consumidor suficiência” (evita desperdício e o excesso de consumo).
“A importância atribuída aos dois perfis revela que os portugueses continuam a dar peso à gestão cuidada do seu orçamento familiar, contendo despesas (particularmente na dimensão de gerir o orçamento para que não falte dinheiro)”, concluem os investigadores.
Registam-se ligeiras subidas nalguns perfis de consumidor relativamente ao inquérito de 2016, designadamente no “prosumidor” (produz os seus bens/autossuficiência) e do “consumidor ético” (evitar ou minimizar os impactos negativos sobre os outros e o ambiente), por um lado, e do “consumidor explorador” (busca de bens e experiências novas, exóticas e diferentes), por outro.
Oito em cada 10 portugueses defende políticas públicas para hábitos alimentares saudáveis
Oito em cada 10 portugueses consideram que o Governo deve intervir para promover hábitos alimentares mais saudáveis e a maioria apoia de forma expressiva o alargamento de medidas como a redução de açúcar nalguns alimentos.
O controlo das refeições nas escolas, reduzindo as ofertas menos saudáveis, a promoção da agricultura biológica e a redução do desperdício alimentar são algumas das áreas em que os portugueses defendem a aplicação de políticas públicas.
Os sumos, os bolos, chocolates e doces, os molhos, os leites aromatizados, os cereais e as águas aromatizadas estão entre os produtos mais escolhidos para serem também alvo de medidas de taxação no que respeita ao açúcar, embora a grande prioridade sejam os sumos e os produtos típicos de pastelaria tradicionalmente mais associados ao açúcar (bolos, chocolates e doces).
De acordo com o estudo, a extensão deste tipo de taxas a outros produtos alimentares tem o apoio de quase metade dos inquiridos (47,7%), enquanto 23% se manifestam hesitantes, mas sem recusar a medida.
O inquérito indica que apenas três em cada 10 estão contra esta taxa.
Quanto à posição sobre a medida já em vigor de aplicação de uma taxa relacionada com o teor de açúcar dos refrigerantes, os níveis de discordância são mais baixos (cerca de 15%), “o que demonstra que os cidadãos desejam uma maior regulação da área alimentar de forma a reduzir o teor de açúcar nos produtos disponibilizados”, referem os investigadores.
Os portugueses mostram-se bastante abertos à intervenção na alimentação escolar através de políticas públicas e as medidas mais apoiadas são o incentivo à distribuição gratuita de fruta, à confeção de alimentos produzidos com produtos da região, assim como de produtos de agricultura biológica.
Defendem igualmente a proibição do uso de plástico descartável nas refeições escolares.
A medida que recolhe menor apoio (ainda que se mantenha maioritário – acima de dois terços das respostas) refere-se à intervenção nas opções de venda em estabelecimentos comerciais no perímetro da escola, nomeadamente a proibição da venda de alimentos pouco saudáveis.
Segundo os dados recolhidos, quando questionados sobre quem são os principais responsáveis pela saúde e segurança alimentar, os portugueses atribuem um grande peso ao Estado central, em particular aos Ministérios da Saúde, do Ambiente e da Agricultura, assim como à Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a principal entidade fiscalizadora de segurança alimentar.
A investigadora do Instituto de Ciências Sociais Luísa Schmidt, uma das coordenadoras deste estudo, sublinha, em declarações à Lusa, a duplicidade de sentimentos dos portugueses em relação ao Estado: “As pessoas precisam do Estado e têm noção de que é fundamental para elas, mas querem que seja fiável e meritório”.
A investigadora disse ainda que os dados indicam que os portugueses “estão particularmente atentos a tudo o que são atitudes eticamente menos responsáveis e políticas públicas menos transparentes e efetivas”.
“Há uma atenção muito grande ao desempenho do Estado e aos agentes políticos e uma crítica implícita muito grande relativamente a um certo de tipo de comportamentos morais e à distância entre governantes e governados”, acrescentou.
O estudo analisou 1.600 inquéritos a residentes em Portugal, maiores de 18 anos, estratificado por região, género e idade e tem 95% de intervalo de confiança. Decorreu entre 07 de novembro e 13 de dezembro de 2018.
Lusa / Madremedia
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