Plinio Maria Solimeo
Nos antigos tempos de fé, a população via nas catástrofes, epidemias e outros fenômenos naturais descontrolados uma punição divina para os desmandos da sociedade. A Igreja promovia então procissões e orações públicas rogatórias de reparação, suplicando à Majestade Divina que fizesse cessar o flagelo.
Hoje a Igreja fecha suas portas, privando os fiéis do Santo Sacrifício da Missa e da reconciliação com Deus através do sacramento da confissão. Por medo do vírus, nega-lhes toda assistência religiosa e, em muitos casos, até os deixa morrer sem os últimos sacramentos.
Muitas epidemias se abateram sobre o mundo nas várias épocas históricas. Entretanto, a Igreja estava sempre presente. Os sacerdotes cumpriam sua missão de assistir o povo fiel durante as calamidades, inclusive com o risco da própria vida. Exemplo disso foi São Luís Gonzaga [quadro acima], que morreu em consequência da peste contraída enquanto levava às costas um flagelado durante a peste em Roma.
São Carlos Borromeo levando o Santíssimo Sacramento aos infectados pela peste
Outro exemplo ainda mais notável é o de São Carlos Borromeu. Quando chegou a Milão a terrível Peste Negra que ceifou a vida de quase um terço dos europeus em 1576, ele colocou todo seu clero a serviço dos atingidos. Essa violenta epidemia contagiou em pouco tempo mais de 100 de seus valorosos padres, que morreram como mártires da caridade durante a assistência aos empestados [quadro ao lado]. Sem preocupar-se com a própria segurança, o então Arcebispo de Milão julgou que a glória de Deus exigia que ele preparasse o maior número possível de atingidos para uma morte quase certa, a fim de lhes obter a salvação eterna. Para aplacar a cólera de Deus, São Carlos chegou a se flagelar em praça pública, implorando em nome de seu povo o perdão de Deus e o fim da epidemia. Finalmente, também contagiado, uma febre contínua foi debilitando lentamente suas forças, até ele falecer no dia 4 de novembro de 1584 com apenas 46 anos de idade.
Frei Damião com crianças do coro de Kalawao na década de 1870
Poderíamos também citar o caso também heróico do sacerdote belga São Damião de Molokai (1840-1889) [Foto ao lado], que se encerrou na denominada “ilha maldita”, no Havaí, junto dos contagiados pela lepra a quem fora dar assistência religiosa, morrendo como eles.
Que exemplo para tantos bispos e clérigos acomodados, transformados em “funcionários públicos”! Felizmente há exceções, como veremos.
Na outrora catolicíssima Espanha ainda existem sacerdotes que, enfrentando o risco de contaminação, continuam a atender espiritualmente as vítimas da praga, a “peste chinesa”, como muitos a chamam mais apropriadamente.
Essa peste já atingiu mais de 70.000 pessoas naquele país, com quase 6.000 mortes. Por isso o hospital Infanta Helena [foto ao lado], de Valdemoro, na região madrilense, está quase em estado de saturação por causa da peste. É nele que o pároco local, Pe. Israel Guijarro (pela manhã), e o vigário de Ciempozuelos, Pe. Julião Lozano (pela tarde), com o apoio do capelão do hospital, José Medina, vêm trabalhando para atender os infectados.
O Pe. Lozano [foto abaixo] diz que antigamente, em pequenos hospitais como o de Valemoro, o capelão podia passar normalmente pelas dependências para oferecer seus serviços espirituais. Mas que hoje a situação é diferente: “Nós, os capelães, ficamos na capela rezando até que nos chamem. Então tomamos todas as precauções necessárias, segundo o setor. Podemos confessar usando máscaras e luvas, guardando distâncias. Nos setores de tratamento com aerossóis a respiração pode condensar-se em gotas, e isso é perigoso. Há lugares onde também usamos óculos, rede de cabeça, luvas duplas e uma vestimenta resistente”.
Além dessas precauções para evitar o contágio, os capelães, revestidos de um traje especial, levam em uma bolsa os santos óleos para administrar a Extrema Unção dos enfermos, e em outra as hóstias para a Comunhão. Os sacerdotes não levam consigo o ritual, mas apenas um folheto. O Pe. Iñaki Gallego explica que “todo material que usamos quando visitamos os enfermos é logo descarta, sendo incinerado com o resto de resíduos do hospital”.
Quer dizer, toma-se todo o cuidado para evitar o contágio, mas sempre há o perigo. Esses sacerdotes, por amor às almas e como pastores do rebanho a eles confiado, o enfrentam.
O Pe. Gallego comenta que um dos fatores mais dolorosos da enfermidade é o isolamento da família. “Quando a pessoa ingressa no hospital com coronavírus, suspende-se o contato com a família. Deixam entrar os sacerdotes para ministrar um sacramento se a pessoa pede. Só isso. Assim, dei a unção dos enfermos e assisti ao falecimento de vários, incluindo a mãe do Pe. Jon, nosso companheiro, que ingressou aqui e está em cuidados intensivos na UTI”.
Isso mostra que na Espanha, por um resto de sentimento católico, os sacerdotes não são proibidos de entrar nos hospitais para prestar assistência religiosa como em outros países.
Prossegue o Pe. Gallego: “Os enfermos não podem ter nenhum acompanhante, salvo se estiver em estado crítico; então pode haver um familiar até a hora da morte. Os médicos devem informar os familiares pelo telefone. Em alguns casos, nós servimos de mediadores e tentamos serenar tanto os familiares quanto os enfermos”.
Há males que vêm para bem. Assim, o Pe. Lozano observa que a oração é uma fonte de consolo e de fortaleza nessa situação angustiante: “Em algumas dependências em que entrei para rezar com os enfermos, impressionou-me ver como rezam. Hoje ingressou em Valdemoro um casal, cada qual sendo internado em uma ala do hospital, que se comunicam pelo celular. Impressionou-me muito ver o fervor e a intensidade com que rezam. Aqui, com tantos dias de isolamento e pressão, há muito risco de desanimar-se. Mas a oração e a confissão ajudam a muitos e lhes trazem paz e descanso. Alguns que confessei levavam muito tempo sem se confessar”.
Assim, quanto bem pode fazer um sacerdote com verdadeiro espírito sobrenatural!
Mas a tarefa desses capelães não é fácil. Embora sejam cerca de 100 em toda a região de Madrid, não dão conta do trabalho. Antes, eles contavam com uma rede de 200 voluntários que os ajudavam a acompanhar os enfermos nos hospitais e a prepará-los para receber os sacramentos. Mas agora esses voluntários estão proibidos de entrar. Só entram os capelães, cinco em Valdemoro.
Um problema colateral a ser enfrentado para o exercício de seu ministério nos hospitais é que “os capelães têm também que lidar com o pessoal sanitário, que está sob muita pressão, muito estressados e preocupados”. No hospital de Valdemoro, esse pessoal “afronta tudo com dedicação e inteireza, mas já se nota o cansaço. Eles nos pedem orações, e nós os apoiamos e os alentamos”, diz o Pe. Lozano.
Que esse exemplo sirva para incentivar muitos sacerdotes no Brasil e em outras partes a não se omitirem diante dessa dura emergência, prestando o socorro da Igreja e alentando muitas das vítimas dessa terrível “peste chinesa”.
ABIM
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