Com o arranque do
terceiro período escolar com aulas à distância devido à pandemia
da Covid-19, um grupo de investigadores da Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação da Universidade Coimbra (FPCEUC) chama
a atenção para os aspetos que devem ser acautelados para não
reforçar as desigualdades na educação.
Partindo de uma
análise ao roteiro
para guiar a resposta educacional à pandemia de
Fernando Reimers (Harvard Graduate School of Education) e Andreas
Schleicher (OECD Diretorado de Educação),
Ana
Maria Seixas, António Gomes Ferreira e Isabel Festas alertam que «é
fundamental perceber que a atual situação pode potenciar ainda mais
as desigualdades já existentes no ensino básico e secundário.
Amplamente reconhecidas na realidade prévia à COVID, as
desigualdades em educação podem ver-se muito aumentadas com o atual
afastamento físico e social dos alunos da escola. Não apenas pela
eventual ausência de acesso a estes meios que pode ser grandemente
ultrapassada com medidas como a do Governo Português de incrementar
programas através da TV, mas pela desmobilização e pelo abandono
previsíveis numa população que, como é sabido, nunca terá o
mesmo tipo de apoio familiar dos mais privilegiados».
Neste contexto,
sublinham os especialistas da Universidade de Coimbra, «é
necessário que se tomem medidas imediatas, de seguimento e apoio
particular aos mais vulneráveis, mas, também, que se prevejam
planos de ação num futuro a curto prazo, quando for possível o
regresso às escolas. Estes planos devem contemplar programas de
compensação e de recuperação das aprendizagens perdidas ou pouco
conseguidas. Trata-se de um empreendimento que vai exigir um enorme
esforço, mas em que vale a pena investir para prevenir uma situação
que pode ser catastrófica em termos de acentuação das
desigualdades».
A avaliação dos
alunos que estão nestas situações, a elaboração dos programas e
modalidades de compensação e de atuação, bem como recrutamento
dos professores necessários são algumas das medidas defendidas por
estes investigadores.
No que respeita
ao recurso à educação a distância e às plataformas digitais,
plenamente «justificado
nesta situação de exceção»,
Ana Maria Seixas, António Gomes Ferreira e Isabel Festas afirmam que
«a
relevância que lhes é dada não pode servir para pensar este
momento como algo regenerador do futuro. Admitindo que é necessário
inovar em educação, é muito importante perceber que qualquer
renovação/inovação tem de ser equacionada em função de
ambientes ótimos de aprendizagem e de socialização,
necessariamente reportados a formas presenciais, as únicas que
permitem a partilha, a cooperação entre professores, entre alunos,
entre professores e alunos e entre todos os intervenientes do
processo educativo».
«Pela
sua natureza e missão, a educação escolar no ensino básico e
secundário ocorre num espaço coletivo e formativo, em que a criação
de comunidades de aprendizagem reais e não virtuais é uma condição
para a consecução das suas finalidades. Neste sentido, os meios
digitais e a distância, podendo ser usados como recursos, não serão
nunca substitutivos da presença em espaço escolar dos membros da
comunidade educativa»,
fundamentam.
Por último, os
três investigadores defendem o papel crucial da Universidade «como
espaço de criação do conhecimento indispensável à resolução de
problemas como este com que nos confrontamos. Por um lado, é o
desenvolvimento da investigação em diversas áreas científicas que
pode trazer as soluções necessárias à criação de vacinas e ao
tratamento de doenças como aquela com que agora somos confrontados.
Por outro lado, é o pensamento, tal como é desenvolvido nas áreas
das ciências sociais e humanas que pode dar-nos grelhas de leitura
sobre o que se passa, bem como apontar os caminhos e as saídas a
seguir e a adotar».
O documento “A
framework to guide an education response to the COVID-19 Pandemic of
2020”, de Reimers e Schleicher, identifica os aspetos e as áreas
que devem ser considerados nos planos destinados a garantir a
continuidade da educação e da aprendizagem, neste novo contexto,
baseando-se num levantamento de necessidades junto de 98 países
(Portugal incluído).
Em anexo, segue o
artigo integral produzido pelos cientistas da UC no âmbito da
plataforma UC Against Covid-19, que reúne todos os projetos da
Universidade de Coimbra associados aos efeitos e à luta contra a
pandemia.
Cristina
Pinto
Comentário sobre o Roteiro para uma resposta
educacional à Pandemia Covid-19
Num contexto de isolamento social e de
encerramento de escolas, o documento – A
framework to guide an education response to the COVID-19 Pandemic of
2020, de Reimers e Schleicher – é
muito oportuno e da máxima relevância para que se procurem
respostas a um problema imprevisível, cujo impacto estará ainda
muito longe de poder ser reportado em todas as suas dimensões.
Baseando-se num levantamento de necessidades junto
de 98 países (Portugal incluído), os autores do documento
identificam os aspetos e as áreas que devem ser considerados nos
planos destinados a garantir a continuidade da educação e da
aprendizagem, neste novo contexto. Neste sentido, é apresentada uma
cheklist com
25 áreas educativas a ter em conta na resposta à COVID-19 e 13
pontos que se reportam ao que os autores consideram ser as
prioridades dos governantes de cada país.
Os autores examinam, ainda, as respostas que os
vários países têm dado a esta crise e, por último, analisam, à
luz dos dados do último PISA, os desafios colocados por uma educação
que passou a ser essencialmente online.
Admitindo a relevância do presente documento, num
contexto em que há uma absoluta necessidade de se tomarem medidas
que impeçam o desaparecimento da escola na vida dos alunos, a sua
leitura suscita-nos alguns comentários que dividimos em três pontos
essenciais, relativos: a) à enfâse que é dada à educação a
distância e às plataformas digitais; b) a aspetos que devem ser
acautelados para não reforçar as desigualdades em educação; c) à
necessidade de realçar o papel da Universidade na criação de
ciência e de pensamento sobre a sociedade.
-
Enfâse dada à educação a distância e às plataformas digitais
Amplamente justificado, neste contexto de exceção,
o recurso a todos os meios de educação a distância, a relevância
que lhes é dada não pode servir para pensar este momento como algo
regenerador do futuro. Admitindo que é necessário inovar em
educação, é muito importante perceber que qualquer
renovação/inovação tem que ser equacionada em função de
ambientes ótimos de aprendizagem e de socialização,
necessariamente reportados a formas presenciais, as únicas que
permitem a partilha, a cooperação entre professores, entre alunos,
entre professores e alunos e entre todos os intervenientes do
processo educativo. Pela sua natureza e missão, a educação escolar
ocorre num espaço coletivo e formativo, em que a criação de
comunidades de aprendizagem reais e não virtuais é uma condição
para a consecução das suas finalidades. Neste sentido, os meios
digitais e a distância, podendo ser usados como recursos, não serão
nunca substitutivos da presença em espaço escolar dos membros da
comunidade educativa.
b) Aspetos que devem ser acautelados para não
reforçar as desigualdades em educação
Embora o documento chame a atenção para a
necessidade de um apoio adequado às famílias e alunos mais
vulneráveis, é fundamental perceber que a atual situação pode
potenciar ainda mais as desigualdades. Amplamente reconhecidas na
realidade prévia à COVID, as desigualdades em educação podem
ver-se muito aumentadas com o atual afastamento físico e social dos
alunos da escola. Não apenas pela eventual ausência de acesso a
estes meios que pode ser grandemente ultrapassada com medidas como a
do Governo Português de incrementar programas através da TV, mas
pela desmobilização e pelo abandono previsíveis numa população
que, como é sabido, nunca terá o mesmo tipo de apoio familiar dos
mais privilegiados. Neste contexto, é necessário que se tomem
medidas imediatas, de seguimento e apoio particular aos mais
vulneráveis, mas, também, que se prevejam planos de ação num
futuro a curto prazo, quando for possível o regresso às escolas.
Estes planos devem contemplar programas de compensação e de
recuperação das aprendizagens perdidas ou pouco conseguidas.
Trata-se de um empreendimento que vai exigir um enorme esforço, mas
em que vale a pena investir para prevenir uma situação que pode ser
catastrófica em termos de acentuação das desigualdades. A
avaliação dos alunos que estão nestas situações, a elaboração
dos programas e modalidades de compensação e de atuação, o
recrutamento dos professores necessários, contam-se entre as
inúmeras tarefas que é necessário preparar, desde já. Duas
chamadas de atenção devem ser feitas. Em primeiro lugar, é preciso
ver que professores podem ser chamados a este esforço e como tudo
isto vai funcionar (e.g., em que tempos, com que horários). Em
segundo lugar, os meios a disponibilizar têm que ser
obrigatoriamente presenciais, na medida em que os outros não
conseguiram cumprir cabalmente a sua função, durante o período
crítico.
c) Necessidade de realçar o papel da Universidade
como entidade fundamental na criação de ciência e de pensamento
sobre a sociedade
De tudo o que está a acontecer, deve tirar-se a
ilação do papel fundamental da Universidade, como espaço de
criação do conhecimento indispensável à resolução de problemas
como este com que nos confrontamos. Por um lado, é o desenvolvimento
da investigação em diversas áreas científicas que pode trazer as
soluções necessárias à criação de vacinas e ao tratamento de
doenças como aquela com que agora somos confrontados. Por outro
lado, é o pensamento, tal como é desenvolvido nas áreas das
ciências sociais e humanas que pode dar-nos grelhas de leitura sobre
o que se passa, bem como apontar os caminhos e as saídas a seguir e
a adotar. Numa situação como a que vivemos torna-se bem claro que
as decisões a tomar dependem do avanço científico, implicando,
simultaneamente, opções que se devem fundar num pensamento crítico
e eticamente responsável e condizente com os valores humanos
fundamentais. Só uma política de investimento nas Universidades,
espaço privilegiado para o desenvolvimento do pensamento científico,
social e humano, pode, no futuro, precaver-nos contra situações
como aquela que vivemos atualmente.
Isabel Festas
Ana Maria Seixas
António Gomes Ferreira
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