O governo fez seis meses, os estivadores estão em greve (à hora a que escrevo não se sabe ainda se as negociações foram conclusivas), os colégios com contrato de associação continuam em luta, Obama esteve em Hiroshima e não pediu desculpa, na Áustria por pouco que não era eleito um político da direita radical. Eis alguns dos temas dos últimos dias a que este Macroscópio se vai referir, mesmo que por vezes apenas de raspão.
O populismo na Europa
Começo pelo fim, e começo precisamente pela quase eleição de Norbert Hofer na Áustria. Para acrescentar apenas mais três reflexões às que já propus num outro Macroscópio desta semana:
- A história repete-se ou não?, de Rui Ramos, aqui no Observador, onde alerta para o risco de se poder repetir, e como tragédia, se não tivermos cuidado: “Há pouco mais de quatro décadas, a Europa fez frente à União Soviética, dominou a inflação, defendeu-se do terrorismo, e deu trabalho a milhões de imigrantes. Será hoje capaz de resistir aos populismos nacionalista e radical, ultrapassar a estagnação económica, controlar a nova imigração, e derrotar o jihadismo? O que fez diferença há trinta anos [foi] o modo como a aliança atlântica e a cooperação europeia garantiram, desde o pós-guerra, a segurança e a abertura indispensáveis à democracia liberal e à economia de mercado. Se os europeus quiserem repetir a boa história dos anos 80 e não a má história dos anos 30, precisam de preservar as condições internacionais da liberdade e da prosperidade: a NATO e a UE.”
- Europe's voters are getting angry. Leaders should listen to them instead of sneering, de Fraser Nelson no Telegraph, onde este descreve a situação em vários países europeus antes de concluir: “A spectre is once again haunting Europe, but it’s not that of populism. It’s the intransigence of established political parties who prefer to denounce populists rather than seek to understand what motivates their supporters. And the EU, which set out in hope of uniting the continent, has become a source of instability – sticking to an outdated script at a time of unprecedented demographic and economic change. If Europe’s populists do go on to scale greater heights they will have Brussels, and its obstinacy, to thank.”
- Disaster averted—for now, um dos editoriais da Economist (de onde retirei o gráfico acima) desta semana, onde se defende que “Moderates cannot defeat extremists by abandoning their ideals. Rather, they must fight for them. Voters are deserting mainstream parties because they stand for so little. They are hungry for politicians with clear values. Radicals of the left have understood this: witness the passionate support aroused by Britain’s Jeremy Corbyn and Spain’s Pablo Iglesias. The world needs leaders who can make an equally rousing argument for moderation.”
O Governo assinalou esta quinta-feira a passagem de seis meses sobre a sua tomada de posse com uma reunião especial na Ajuda, mas não foram muitos os balanços produzidos. Fico-me por isso por três peças do Observador:
- As vacas voadoras de António Costa, um especial de Miguel Santos onde se passa em revista o que de mais importante se passou nestes seis meses altamente improváveis: “Nos últimos seis meses, desde que o Governo de António Costa foi viabilizado, o céu da política portuguesa tem sido atravessado por insólitos objetos voadores não identificados. Não são pássaros. Não são aviões. Nem sequer é o super-homem. São manadas de vacas voadoras, cenários políticos que eram impossíveis em Portugal, mas que se tornaram realidade.”
- A vaca, o marxismo e o porquinho mealheiro, de Paulo Tunhas, que defende que “A facilidade de acreditar em vacas voadoras pode, de facto, conduzir a catástrofes. Enormes ou mais pequenas. Numa conferência feita em 1919, no final da sua vida e nos primeiros tempos da revolução russa, Weber, sempre ele, avisou: “Não é o florir do Verão que nos espera, mas, ao contrário, uma noite polar, glaciar, sombria e rude. (…)”. A vaquinha voadora de António Costa não nos vai certamente mergulhar numa “noite polar, glacial, sombria e rude”, mas que nos vai trazer problemas sérios, vai. Gente avisada, como Teodora Cardoso, já anda por aí a falar seriamente da possibilidade de um próximo resgate. O “tempo novo”, esta linda Primavera de que falam, pode bem ser um tempo que nos faça voltar para trás.”
- Dead man walking, novamente de Rui Ramos, que escreveu: “Costa propõe-se praticar em Portugal uma espécie de chavismo topo de gama. Na Venezuela, Chavez reuniu aplausos distribuindo os trocos do petróleo aos pobres. Em Portugal, Costa não tem petróleo, mas tem os impostos. O problema é este: ao mesmo tempo que criou expectativas, Costa comprometeu o meio de as satisfazer. Na Venezuela, a inflação acabou por fazer zangar os pobres. Em Portugal, é a estagnação económica que pode comprometer o apoio que Costa procura entre os dependentes do Estado.”
A guerra das escolas com contratos de associação
No próximo domingo Lisboa vai assistir a uma manifestação inédita em Portugal, pois nunca entre nós se realizou uma grande concentração em defesa do ensino privado, ao contrário do que já sucedeu em Espanha ou em França. Até veremos se se encontra ou não uma solução de compromisso, que pode ou não envolver umbraço de ferro entre Costa e o Presidente.
Do muito que se escreveu esta semana começo por destacar a divulgação de um estudo com o qual o Ministério pretende sustentar as suas decisões – Análise da Rede de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo com contrato de associação – e que já está a ser muito contestado. O Público detectou que muitas das alternativas aos colégios sugeridas pelo ministério não são viáveis e eu dediquei uma crónica ao tema no Observador: Olha, o Ministério da Educação não sabe fazer contas de somar. Nessa crónica dou conta de muitos erros, incongruências e estranhas “coincidências” desse trabalho, concluindo que “só posso lamentar que nem a falsificar estudos este Ministério seja competente. Nesse mister podiam aprender com o seu grande inspirador, Mário Nogueira, de quem podemos dizer tudo, e discordar ainda em mais que tudo, mas alguém que não podemos acusar de ser incompetente. A Fenprof nunca nos proporcionaria um documento tão indigente como este.” Mais: “Às vezes os governos julgam que somos tolos, como julgou o Ministério da Educação, que fez um "estudo" sobre escolas com contratos de associação que é um exercício de manipulação com erros grosseiros.”
Paralelo a este debate sobre as razões, ou a falta delas, do Ministério da Educação, decorreu um outro, com a sua graça, em torno de um cartaz digital da JSD em que Mário Nogueira aparecia na pele de Estaline e o ministro figurava como uma marionete. No Público saíram dois textos interessantes de comentário a essa controvérsia:
- Abaixo o nacional-estalinismo!, onde Francisco Teixeira da Mota defende que a JSD “está de parabéns” e que a Fenprof esteve muito mal ao ameaçar aquela organização com uma queixa-crime. A propósito conta uma história dos anos 1980, lembrando que então “um tribunal português que condenou criminalmente, por difamação, um sindicalista ou um membro de uma comissão de trabalhadores que, numa acção de contestação a despedimentos, distribuía à porta de uma fábrica um panfleto onde aparecia o patrão vestido à Hitler com o inerente bigode. O caso foi apontado pelo professor Costa Andrade da Universidade de Coimbra como um inequívoco exemplo de uma decisão judicial violadora da liberdade de expressão”. Liberdade de expressão que, acrescenta, “não é necessariamente de esquerda nem de direita já que, por todo lado, encontramos pulsões censórias”.
- Um "sujeito criminoso", texto de Francisco Assis que é mais crítico para a JSD mas que considera que “Escasseia a Mário Nogueira legitimidade moral para assumir o papel de vítima em que se quer instalar. A grosseria alarve com que ele e os seus companheiros de percurso tantas vezes trataram quem deles discordava permanece demasiado viva na memória colectiva para que agora se pudesse arvorar em alvo inocente da perfídia de alguns jovens conservadores portugueses.”
Houve polémica quanto baste, sobretudo na contagem decrescente para visita de Barak Obama a Hiroshima, onde proferiu hoje um discurso de tons pacifistas e pensando num futuro sem armas nucleares. No entanto, ao contrário do que muitos desejavam, não pediu desculpa. Mas deveria fazê-lo? Errou o seu antecessor Harry Truman quando deu luz verde ao lançamento da bomba? O tema voltou a ser discutido por estes dias, até porque é um tema sobre o qual haverá sempre divergências. Até entre os historiadores. Três textos a propósito:
- ¿Fue legítimo lanzar la bomba atómica contra Hiroshima?, um trabalho do El Pais onde se constata que “Los historiadores de la II Guerra Mundial siguen debatiendo sobre los motivos que llevaron a Truman a utilizar este arma en Japón”. E onde se conclui que “Las divisiones entre los historiadores se reducen al final a dos argumentos: lanzar la bomba era necesario para evitar la invasión y precipitar la capitulación de Japón o era un crimen de guerra porque la bomba atómica no tenía nada que ver con la rendición de Hirohito, sino con el creciente enfrentamiento con la URSS. Pocos, en cambio, discuten la legitimidad de utilizar un arma de consecuencias devastadoras en una guerra durante la que se rompió cualquier concepto de lo que era moral o inmoral para derrotar a un enemigo que, nunca se puede olvidar, cometió crímenes tan salvajes que fue necesario inventar una nueva palabra, genocidio, para describirlos.”
- Hiroshima and the Politics of Apologizing, de Uri Friedman na The Atlantic, uma abordagem mais vasta porque não trata apenas do caso de Hiroshima mas aborda igualmente a forma como os países lidam com o seu passado, sobretudo com as suas partes mais sombrias. Pequeno excerto: “But why is expressing remorse such a big deal in the first place? Setting aside the arguments for and against the bombings of Hiroshima and Nagasaki, what makes apologizing different for countries than for people? When I put this question to Jennifer Lind, a professor of government at Dartmouth College who has studied these issues extensively, she gave me a one-word answer: “politics.”
- E se nos colocássemos no lugar de Truman?, um texto que escrevi em 2005, aquando do 6º aniversário do lançamento da bomba e que recuperei agora, com ligeiras adaptações, num especial do Observador. É um trabalho em que procuro colocar-me na posição do presidente dos Estados Unidos, concluindo: “De então para cá nunca mais outro chefe de Estado teve de optar entre horrores tão igualmente imensos, e mesmo sendo difícil compreender toda a tensão da época, julgo que o historiador John Lewis Gaddis tem razão no seu livro We Now Know: “As armas nucleares forçaram militares e estadistas a reflectir sobre como utilizá-las, mas a II Guerra Mundial foi o último grande conflito que foi resolvido de acordo com o velho paradigma que não distinguia entre a utilidade e o poder destrutivo do armamento. Nesse contexto, a decisão de utilizar a arma atómica fez sentido.”
A reportagem que merece ser lida
Termino este Macroscópio com uma sugestão de leitura que, infelizmente, está protegida por uma paywall. Trata-se de uma reportagem do Le Figaro: À Saint-Denis, l'islamisation est en marche. Saint-Denis é a cidade dos subúrbios de Paris onde se situa o panteão dos reis de França e onde se esconderam alguns dos implicados nos atentados de Paris. E que se passa lá? Isto: “De l'autre côté du périphérique parisien, le berceau de l'histoire de France avec sa nécropole royale se transforme en «Molenbeek-sur-Seine», attirant les plus radicaux du salafisme.” Pequeno extracto da reportagem:
Karim se dit complètement débordé: «Notre ville va devenir Molenbeek! Nous sommes cernés par les intégristes. Daech est aux portes de notre mosquée qu'ils veulent forcer pour imposer leurs lois obscurantistes.» Très vite, d'autres fidèles se joignent à la conversation et expriment les mêmes mots de colère et de crainte face à la violence, aux intimidations, aux thèses intégristes et antirépublicaines. «Certains d'entre nous, jugés trop libéraux, sont parfois agressés, insiste Karim. Les intégristes ciblent les jeunes et les plus fragiles pour les rallier à leur cause. Ils ne sont pas nombreux mais terriblement toxiques et veulent s'emparer à tout prix de ce lieu de culte pour asseoir leur empire. Ils ne veulent rien lâcher. Notre mosquée est toute proche de la basilique de Saint-Denis. Nous sommes à deux pas des sépultures des rois de France et de Charles Martel qui a arrêté l'invasion des musulmans en 732. Le symbole est fort pour cette poignée de fous d'Allah. Mais nous refusons de céder. Alors, ils nous ont désignés comme leur ennemi. Et la tension monte ici, chaque jour un peu plus.»
E por hoje é tudo. Por esta semana também. Tenham um bom fim-de-semana, reencontramo-nos segunda-feira.
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