José Soeiro – Expresso, opinião
Em Portugal há cerca de 215 mil pessoas que são, supostamente, “trabalhadores temporários”. A maioria desempenha funções permanentes, seja numa fábrica ou num call center: pelo mesmo posto de trabalho vão rodando trabalhadores com contratos que chegam a ser feitos à semana. Dois terços ganha abaixo de 600 euros por mês.
Este é o sector que mais tem crescido em Portugal. No final de 2015, existiam 231 empresas autorizadas a prestar serviços de trabalho temporário, mais 26 que no ano anterior. Em dois anos, a sua receita aumentou 20%, com mais de 1.075 milhões de euros de faturação. De onde vem tanto dinheiro? Por que é tão rentável este negócio?
Os lucros das empresas de trabalho temporário (ETT) resultam pura e simplesmente do negócio de alugar pessoas. Para um salário de 600 euros, algumas ganham outro tanto pelos seus serviços, apresentados como “seleção”, “recrutamento” e “colocação” de mão-de-obra. Sabemos do que se trata: de intermediar trabalhadores, ficando com uma parte do seu salário. É legítimo?
Nem sempre foi. No dia 1 de julho de 1949, a conferência geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Genebra, aprovou a Convenção nº 96, cujo objetivo era nada mais nada menos do que “suprimir as agências de colocação não gratuitas com fins lucrativos”, isto é, extinguir “todas as pessoas, sociedades, instituições, agências ou quaisquer outras organizações que sirvam de intermediários para fornecer um emprego a um trabalhador ou a um empregador, a fim de obterem de um ou de outro um lucro material direito ou indireto”. A mesma resolução apontava um caminho: a substituição destas empresas de alugar pessoas por “um serviço público de emprego”. Assim nasceram os centros de emprego.
A história desta Convenção daria para uma longa conversa. Mas o que aconteceu nas últimas décadas é conhecido. Houve um intenso processo de re-legitimação deste negócio, com estudos académicos, criação de provedores, muito lóbi político, dinheiro e mudanças na lei. A favor destas empresas invocaram-se três argumentos principais: o trabalho temporário corresponderia à forma jurídica e contratual exigida pela economia flexível; o recurso ao trabalho temporário seria uma forma moderna de gestão dos “recursos humanos”; as empresas de trabalho temporário seriam uma forma “regulada” de combater os “falsos recibos verdes” e mecanismos de trabalho informal, combinando flexibilidade e contrato.
Só que entre a retórica e a realidade vai um passo de gigante. A maior parte dos trabalhadores temporários ocupa, com vínculos precários, funções permanentes. Multiplicam-se estratagemas para transformar em “campanhas” e em “projetos” o que é o normal funcionamento da atividade das empresas utilizadoras, seja a PT, a Sonae ou uma repartição pública. O trabalho temporário tem sido utilizado para dinamitar os coletivos de trabalho, desresponsabilizar as empresas utilizadoras e baixar abruptamente os salários. A natureza temporária do contrato é uma fonte de chantagem e de dominação. Ou seja, o saldo final é péssimo. Degrada-se o trabalho e os salários, alimentam-se intermediários, precarizam-se as vidas.
Há quem apresente as empresas de trabalho temporário como uma inevitabilidade ou uma inovação para os novos tempos. Mas elas são sobretudo um sinal do abuso que se generalizou. Acabar com este abuso é uma urgência.
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