terça-feira, 21 de junho de 2016

Angola. E A CARTA DESAPARECEU (SÓ PODIA!) EM COMBATE

O director dos Serviços Penitenciários do regime de Angola, António Fortunato, disse hoje desconhecer a carta em que 12 activistas angolanos solicitam transporte para o Tribunal Supremo, caso o ‘habeas corpus’ para a libertação não seja entretanto decidido, não se comprometendo com essa pretensão.

António Fortunato falava à agência Lusa depois de conhecido publicamente o teor desta carta, na qual 12 dos 17 activistas, detidos no Hospital-Prisão de São Paulo (HPSP), anunciam a intenção de ir ao Tribunal Supremo, em Luanda, a 5 de Julho, questionar sobre o ‘habeas corpus’ que pede a libertação, por decidir há mais de 2 meses e meio.

“Não tenho conhecimento dessa carta. O que nós fazemos é encaminhar as cartas, atendendo aos pedidos que são feitos e aos serviços. Há pedidos que eu não posso aceitar, nem encaminhar”, disse apenas, reservando uma posição para mais tarde.

A carta é assinada por 12 activistas, do grupo de 17 condenados em Março por suposta e nunca provada (como é timbre do regime) rebelião e associação de malfeitores.

A carta é dirigida ao director dos Serviços Penitenciários, António Fortunato, solicitando que seja “acautelado” o transporte dos reclusos ao Tribunal Supremo, no dia 5 de Julho, pelas 09:00, “caso não haja pronunciamento favorável” ao pedido de ‘habeas corpus’ interposto pelos advogados, até à tarde do dia anterior.

António Fortunato recebeu a carta mas, pelos vistos, esqueceu-se de perguntar a sua majestade o rei, José Eduardo dos Santos, qual a resposta a dar caso os jornalistas o interrogasse sobre o assunto. Embora sobejamente treinado em pensar pela cabeça do rei, desta vez o director dos Serviços Penitenciários não conseguiu deixar de meter os pés pelas mãos.

“Servimo-nos desta para comunicar ao senhor director nacional a nossa pretensão de nos deslocarmos nós próprios ao Tribunal Supremo, para exigir que reponham a legalidade e que seja observado, sem mais delongas e bazófias legalistas, o efeito suspensivo [da aplicação das penas]“, lê-se na carta.

Admite-se, entretanto, que por a carta ter sido escrito em… português ainda esteja à espera da respectiva tradução para mplês, a língua oficial nos órgãos policiais, de segurança e jurídicos do regime.

O ‘habeas corpus’, interposto a 1 de Abril pela Defesa dos 17 activistas angolanos, pedindo a libertação até decisão sobre os recursos à condenação, ainda não chegou ao Tribunal Supremo para ser analisado, apesar da urgência que os advogados recordam que este tipo de pedido deverá ter.

Consta que o pedido terá ido de bicicleta, depois de cinte e tal dias à espera da requisição respectiva para… circular. Acontece que, para cúmulo, a bicicleta avariou no caminho. Furou, dizem uns. A corrente quebrou, alegam outros. Acontece que, dada a situação de crise que o país vive, está difícil arranjar peças sobressalentes. Uma chatice!

“Se pretendemos que Angola se torne brevemente num Estado verdadeiramente democrático e de direito, não podemos, de maneira nenhuma, tolerar que os direitos e liberdades fundamentais se subordinem aos caprichos arbitrários de quem se coloca acima da lei. Por esse motivo nós, os 12 activistas do processo dos 17, internados no HPSP, decidimos que o benefício da dúvida concedido à Justiça angolana não tem mais razão de ser”, afirmam na carta.

Reconheça-se que é um texto demasiado complicado para ser entendido pelos serviços prisionais. Falar de Estado democrático e de direito ultrapassa, em muito, a capacidade de entendimento de quem cumpre ordens num regime monárquico, despótico e corrupto.
Críticos do regime angolano, os activistas dizem ainda estar “perante um inqualificável abuso de poder”, protagonizado pelo juiz da causa, “agindo por encomenda do poder político”.

A situação sobre este pedido de ‘habeas corpus’ foi confirmada a 16 de Junho pelo advogado Luís Nascimento, dando conta que as equipas de defesa concluíram agora que, dois meses e meio depois da entrega do recurso, este ficou “retido” na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda (primeira instância), durante cerca de 20 dias.

“O juiz da causa não entregou o documento, reteve-o, sem ter competência para isso e nem o passou a quem era dirigido [juiz-presidente do Supremo]“, apontou Luís Nascimento.

Só depois dessa data, explicou o mesmo advogado, o processo foi enviado, mas para o Tribunal Constitucional (TC), juntamente com um recurso de inconstitucionalidade do acórdão do mesmo caso, e não para o Tribunal Supremo, a quem compete decidir sobre o ‘habeas corpus’, cujo juiz-presidente chegou a ordenar à primeira instância o seu envio.

Este recurso de ‘habeas corpus’, por “prisão ilegal”, visa usar a “jurisprudência existente” sobre o efeito suspensivo dos recursos – neste caso interpostos para as instâncias superiores – à condenação, para que entretanto seja mantida a situação carcerária de todos, particularmente as duas jovens que estavam em liberdade e os restantes que estavam em prisão domiciliária, a 28 de Março, quando foi conhecida a sentença.

António Fortunato está com medo

Odirector nacional dos Serviços Prisionais foi aconselhado a ter muito cuidado com o que diz, isto porque se atreveu – o que é passível de ser crime – a afirmar que as cadeias coloniais existentes em Angola oferecem melhores condições de segurança em relação aos novos estabelecimentos penitenciários.

António Fortunato, que falava – ainda por cima – à rádio estatal angolana, disse (Março de 2015) que as cadeias novas não têm o conjunto de condições de segurança, nomeadamente os três grandes níveis de muros de segurança, segundo as normas das cadeias.

“Temos as cadeias mais antigas, as chamadas comarcas, e elas representam índices de segurança objectivos, os muros, as vedações, mais impeditivas da sua transposição, ou seja, as cadeias antigas são de difícil transposição”, explicou.

Face à falta de condições físicas de segurança, os serviços prisionais têm optado pela “segurança subjectiva, em que o homem é um elemento fundamental”, sublinhou.

Neste sentido, o responsável defendeu melhores condições de trabalho e sociais para os guardas prisionais, com vista a permitir que seja feito “de modo motivado o seu trabalho, para que a segurança seja mais aperfeiçoada”.

O director dos Serviços Prisionais de Angola admitiu o envolvimento de guardas prisionais em situações de evasão de reclusos, salientando que têm sido punidos os infractores e também desenvolvido um conjunto de normas para desmotivar a prática.

A sobrelotação das cadeias é um problema que tem sido minimizado com a transferência de reclusos para estabelecimentos penitenciários do país, com condições para actividade agrícola, agro-pecuária e indústria.

Em finais de Janeiro do ano passado, mais de 150 reclusos evadiram-se de um estabelecimento prisional na província de Cabinda, tendo ao fim de alguns dias sido recapturados.

O inquérito à fuga desses os 151 reclusos da cadeia do Yabi concluiu que a “grave” falta de observância das regras e procedimentos de segurança naquele estabelecimento foi a causa da evasão.

Folha 8 com Lusa

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