terça-feira, 28 de junho de 2016

Macroscópio – Será que as ondas de choque do Brexit influenciaram as eleições espanholas?

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Terá o susto do Brexit influenciado a decisão dos eleitores espanhóis? Ninguém pode responder de ciência certa, mas a verdade é que domingo as sondagens voltaram a enganar-se e umas eleições de que poderia ter resultado um bloqueio ainda maior do que aquele que levara Espanha pela segunda vez às urnas no espaço de seis meses acabaram por proporcionar alguma clarificação. Primeiro, porque o PP saiu delas ainda mais primeiro, com mais votos e mais deputados. Depois, porque os grandes derrotados foram os dirigentes do Podemos Unidos, que em conjunto perderam quase um milhão de votos. Por fim, o PSOE sobreviveu, conseguindo manter-se como segundo partido mesmo com o seu pior resultado de sempre. Comecemos por isso o Macroscópio de hoje pelo que se passou aqui ao lado, mesmo sendo inevitável que o terminemos com mais algumas referências às ondas de choque do Brexit.

Na imprensa portuguesa praticamente só o Observador ofereceu já aos seus leitores algumas leituras sobre o que se passou em Espanha. Fizemo-lo em 5 opiniões para ler os resultados das eleições espanholas:
  • Rui Ramos: A brincadeira começa a chegar ao fim? (“Com o Brexit, viu-se pela primeira vez que algo podia acontecer. Talvez a sanidade não tenha voltado ao continente. Mas a partir da semana passada, a loucura passou a ter um preço.”)
  • José Manuel Fernandes: Os extremismos não são uma fatalidade (“Em Espanha não ficou tudo igual porque o vento mudou de direcção. A derrota dos radicais do Podemos e a vitória do PP mostram que a Europa não está condenada a sucumbir aos cantos de sereia populistas.”)
  • Helena Matos: Adeus à coleta. Viva a velha política (“A desproporção entre o que parece mediaticamente ser o apoio da sociedade espanhola aos radicais de esquerda e aquilo em que esse apoio se traduz em votos é um caso a merecer sério estudo.”)
  • Filomena Martins: Bloqueio de personalidades (“Seis meses depois voltou a ficar quase tudo na mesma. Se antes não houve acordos, será possível fazê-los agora, quando os líderes já trocaram as piores ofensas? Vem aí uma belgicalização espanhola?”)
  • Nuno Garoupa: Podemos jogou e perdeu quase tudo, o bloqueio institucional segue dentro de momentos (“Temos praticamente o mesmo Parlamento espanhol de há seis meses, com um ligeiro avanço do PP e perda de todas as outras forças. Com este novo Congresso o bloqueio institucional não foi solucionado.”)

Das reacções na imprensa espanhola, o meu primeiro destaque vai para um texto do El Confidencial com título sugestivo: Europa celebra en España la primera derrota del populismo tras el Brexit. Nele Ignacio Varela defende que “España fue uno de los primeros países en los que se manifestó el nuevo populismo como un fenómeno político emergente asociado a la ira social frente a la crisis; y desde ayer es también el primero en el que esa marea populista, aparentemente incontenible, ha sido frenada. Y se ha hecho de la mejor forma posible: votando en unas elecciones parlamentarias, aunque hayan sido tan extrañas como estas.”

No que diz respeito às soluções defendidas para a formação do próximo Governo, a imprensa coincide em considerar que essa tarefa deve pertencer ao vencedor das eleições, o PP, e que se este deve dialogar, os outros partidos não devem bloquear uma solução, prolongando a agonia dos últimos seis meses. Mas nem todos defendem a mesma solução. No El Pais, no editorial Formar Gobierno, prefere-se que o segundo partido, o PSOE, fique fora do Governo, mas permita governar: “Desde la prioridad absoluta de facilitar la gobernabilidad, el PSOE debe escuchar el mandato de los electores de que permanezca en la oposición y permita con su abstención que gobierne aquel que tenga los votos necesarios para hacerlo.” Já no “El Rugido del Léon” do El Español, Vuelta a empezar: aprendamos de los errores defende-se uma coligação tripartida, com PP, PSOE e Ciudadanos: “Un pacto a tres (…) daría la estabilidad necesaria. Además facilitaría la incorporación del PSOE, que ya fue capaz de llegar a acuerdos con Ciudadanos. Entre ellos suman 254 escaños. Esa alianza debería sustentarse en una agenda de reforma política ambiciosa que incluyera cambios en la Constitución. Son los tres partidos que pueden garantizar regeneración y unidad. Ni España ni los españoles merecemos (…) vivir permanentemente el día de la marmota.” Finalmente Márius Carol, director do La Vanguardia de Barcelona defende, em Una foto retocada, que “No será fácil conseguir un acuerdo de legislatura, pero nadie quiere unas terceras elecciones, que no arreglarían nada y debilitarían la democracia. El PSOE tendrá muchas presiones para conseguir que se abstenga en una segunda votación para elegir presidente.”

 
Facto maior destas eleições foi a derrota da coligação imaginada pelo Podemos, uma derrota inesperada e pesada, pois não apenas não conseguiu “el sorpasso” do PSOE, como se traduziu numa enorme sangria de eleitores. Haverá nos próximos mais análises sobre o que se passou com a formação dirigida por Pablo Iglesias, que tão acarinhada foi pelos órgãos de informação e tão pouco logrou. Deixo contudo duas reflexões publicadas ainda antes das eleições e que me parecem interessantes. A primeira é do filósofo Fernando Savater que, numa entrevista ao Huffington Post espanhol, defendeu que "Pablo Iglesias es el símbolo de lo que no necesita España". Eis o que diz sobre ele:
Podemos ha entrado a devorar el espacio de izquierdas. IU era el embrión del que salió Podemos. En el fondo, Iglesias y etcétera es gente que no encontró el espacio de su ambición en Izquierda Unida, se salieron fuera y ahora se han fagocitado aprovechando que Alberto Garzón es un buen chico pero muchas luces no tiene. Entonces, se lo han llevado al huerto con bastante facilidad. Iglesias es un líder populista, de origen comunista. Es el símbolo de lo que no necesitamos en este momento ni en España ni en Europa.

Ainda sobre Iglésias, vale a pena citar uma nota do historiador e sociólogo Santos Juliá que mantém uma coluna no El Pais, A Rad de Historia. Em ¿Qué hay de lo nuestro? escreve que “por vez primera, un partido que en su estructura central es poco más que un coro —dirección coral lo llaman— en torno a una figura-referente y diz que carismática, y con una organización territorial a base de pequeños grupos de amigos, opta con probabilidades de éxito a convertirse en determinante para la formación de Gobierno. El motivo principal, aparte del manejo de la televisión como instrumento para la consolidación de un público adicto, es que su irrupción ha coincidido, no por casualidad, con una atomización extrema del sistema político debida a la presencia de formaciones políticas que solo aspiran a ocupar un ámbito local o regional: mareas, ahoras, en comunes, compromís…”

 
Sobre Espanha fico-me hoje por aqui, pois desejo ainda referir algumas leituras sobre o Brexit. A primeira é uma longa reflexão de Timothy Garton Ash, que aqui apresento na sua tradução para espanhol: ‘Brexit’: reflexiones sobre una gran derrota. Não é possível sintetizar toda a riqueza e interesse desta reflexão em poucas linhas, pelo que vos deixo apenas um aperitivo sobre a forma como o historiador se sente também co-responsável pelo que aconteceu: “Mírense en el espejo y repitan conmigo: la culpa también es nuestra. ¿Cómo es posible que los educadores hayamos dejado pasar un relato tan simplista sin refutarlo con algunos de los sólidos argumentos de historia y ciencias sociales que se enseñan en el colegio y la universidad? ¿Cómo es posible que los periodistas hayamos permitido a la prensa euroescéptica que dijera lo que le daba la gana y marcara el programa informativo diario de la radio y la televisión? ¿Cómo es posible que los europeístas hayamos subestimado hasta tal punto el doloroso sentimiento de pérdida por la europeización que me he encontrado al ir de puerta en puerta pidiendo el voto por la permanencia, y que ahora grita en las papeletas de la otra mitad de Inglaterra?

Uma das novidades dos dois últimos dias é o aparecimento de vozes a defender que ainda é possível evitar a saída do Reino Unido da União Europeia, porventura até repetindo o referendo, mesmo sendo esse um cenário já descartado por David Cameron. Como poderia isso acontecer? Para ter uma ideia vale a pena ler Gideon Rachman, comentador de assuntos internacionais do Financial Times, que é sincero: I do not believe that Brexit will happen. A sua tese é que a Europa pode ceder a algumas das reivindicações do Reino Unido por forma a criar condições para convocar um segundo referendo, à semelhança do que já sucedeu noutros países, mesmo que mais pequenos e de forma menos dramática. Eis o seu ponto: “Of course, there would be howls of anger on both sides of the Channel if any such deal is struck. The diehard Leavers in Britain would cry betrayal, while the diehard federalists in the European Parliament — who want to punish the UK and press on with “political union” in Europe — will also resist any new offer. But there is no reason to let the extremists on both sides of the debate dictate how this story has to end. There is a moderate middle in both Britain and Europe that should be capable of finding a deal that keeps the UK inside the EU.”

A tese de que é possível uma qualquer espécie de compromisso não é defendida entre adeptos do “remain”, mas também por jornalistas que defenderam o “leave”, como foi o caso de Ambrose Evans-Pritchard do Telegraph. Em Parliament must decide what Brexit means in the interests of the whole Kingdom defende a ideia de uma espécie de Brexit aligeirado: “Boris Johnson, Dan Hannan, and others in the sovereignty camp are signalling that they could live with a Brexit compromise that accepts EU migrant flows,  but going back to pre-Maastricht rules that guaranteed only the right to work, before the concept of EU citizenship. This would be a modified variant of the Norwegian Model, or European Economic Area (EEA). A "soft-Brexit" would be accepted by the vast majority of Parliament, which has a duty in these unique circumstances to act on behalf of citizens who voted for Remain and as well as for Leave. This is not an event where the winner takes all.”

Como vêem o debate prossegue, seguindo por caminhos talvez inesperados mas que indicam que a passagem dos dias parece estar a acalmar os espíritos. Despeço-me pois com esta nota de algum optimismo, desejando-vos bom descanso e boas leituras.

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2016 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário