quarta-feira, 27 de julho de 2016

ATENTADOS À DEMOCRACIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

Após promulgação da Constituição de 1990, São Tomé e Príncipe realizou eleições multipartidárias pela primeira vez desde a independência. A Constituição entrou em vigor passado pouco tempo e a Assembleia Nacional, sem delongas, legalizou os partidos políticos da oposição. Candidatos independentes também foram autorizados a participar nas eleições legislativas de Janeiro de 1991.

António Setas – Folha 8
Desde essa data, a política dos sucessivos governos de São Tomé e Príncipe desenvolveu o seu desempenho no quadro de uma República semipresidencialista democrática representativa, segundo a qual o presidente da República é o chefe de Estado e o primeiro-ministro é chefe de um governo multipartidário.

Isto quer dizer que o Poder Executivo é exercido pelo governo, o Poder Legislativo é atribuído a ambos, ao governo e à Assembleia Nacional, enquanto o Poder Judiciário, independente do executivo e do legislativo é administrado, ao seu mais alto nível, pelo Supremo Tribunal.

Anteriormente responsável perante a Assembleia Nacional, o Judiciário passou a ser totalmente independente.

No que diz respeito à divisão administrativa, o país está dividido em sete municípios, seis na ilha de São Tomé e um outro compreendendo a ilha do Príncipe, dotada de um governo autónomo desde 29 de Abril de 1995. Cada distrito também mantém um número limitado de poderes autónomos de tomadas de decisão, sendo os respectivos administradores reeleitos de cinco em cinco anos.

Árduo é o rumo que leva à democracia

Desde as reformas constitucionais de 1990 e as eleições de 1991, São Tomé e Príncipe tem feito esforços e alguns progressos em direcção ao desenvolvimento das suas instituições democráticas com o intuito de garantir os direitos humanos e civis dos seus cidadãos. Os são-tomenses, aparentemente pelo menos, têm escolhido os seus governantes através de eleições pacíficas e transparentes.

Embora tenha havido discordâncias e conflitos políticos nos corredores do governo e da Assembleia Nacional, os debates têm sido realizados e resolvidos no sentido de dar uma ideia da preocupação de obedecer aos princípios democráticos. Um certo número de partidos políticos tem participado nas iniciativas do governo, expressando as suas opiniões abertamente.

A liberdade de imprensa é respeitada e há vários jornais independentes a contrapor o contraditório ao boletim do governo. Este último, pode-se dizer, não tem pautado por recorrer a medidas repressivas contra os seus cidadãos mais irreverentes, quer dizer, a liberdade de expressão é aceite e o governo nunca tomou, até à data das últimas eleições presidenciais medidas repressivas para silenciar os críticos.

Em mais de quatro décadas de independência, porém, foram registados dois brevíssimos e bem sucedidos golpes de Estado, o primeiro quando Manuel Quintas de Almeida, militar, presidente da junta de Salvação Nacional, apoiado por 900 homens em armas, tomou o poder em Agosto de 1995. Governou durante sete dias, de 15 de Agosto de 1995 a 21 de Agosto de 1995, mas foi obrigado a recuar depois de Angola ter intercedido para forçar um acordo; o segundo impôs-se em 16 de Junho de 2003 por via de um golpe de Estado liderado pelo Major Fernando “Cobo” e apoiado pela Frente Democrática Cristã (FDC), partido sem representação parlamentar liderado por Sabino Santos e Arlécio Costa, que fez apear o então presidente Fradique de Menezes nessa altura fora do país em Abuja, na Nigéria.

Sol de pouca dura. Fradique de Menezes retomou o poder uma semana mais tarde depois de ter concluído ao fórceps e com apoio da comunidade internacional e da ONU um acordo com o Major. Isto sem esquecer a descoberta de uma tentativa de golpe supostamente envolvendo a Frente Democrática Cristã , liderada por Arlécio Costa anunciada em 12 de Fevereiro de 2009.

Costa e mais de 30 outros insurrectos foram então presos.

O petróleo a baralhar e a dar cartas

Ogolpe de Estado de Fernando “Cobo” tinha muita água no bico, ou melhor, muito petróleo! É que em 2003 já era mais que sabido que na área marítima de São Tomé e Príncipe existem enormes reservas de petróleo em águas profundas que as novas tecnologias consideravam então comercialmente viáveis. Mais de 10 biliões de barris de petróleo ao redor das ilhas, com o potencial para eventualmente produzir 3 milhões de barris por dia.

Era mais do que suficiente para o golpe de “Cobo” ter definhado e acabar por ser derrubado no espaço temporal duma semana, após uma mediação internacional que permitiu ao presidente Fradique de Menezes voltar da Nigéria para entabular conversações com o Major, a fim de este renunciar ao poder que ele tinha exercido durante alguns dias. Foi um sucesso retumbante, conseguido graças a altas pressões, exercidas sobre os rebeldes por parte dos Estados Unidos, União Africana e Portugal, confortados pelo Banco Mundial, que ameaçou os golpistas de isolamento diplomático e cortes de subsídios.

Tal reviravolta tinha ares de milagre pagão, no qual intervieram não só a fabulosa riqueza petrolífera em perspectiva, mas também uma vaga promessa de realização de eleições que nunca chegaram a ser realizadas antes de a liderança do presidente chegar ao seu termo.

Assim, perante a perspectiva de um enriquecimento rápido e fácil, como que por encanto São Tomé e Príncipe passou a ser avaliado na comunidade internacional como sendo uma espécie de caverna cobiçada pelos Ali Babas do Ocidente, mau grado ser até aí um arquipélago pobre, ao tempo com uma renda média de apenas 70 centavos de dólar por dia (US $ 280 por ano) e uma economia agrícola cujo principal produto de exportação, o cacau, produzia essa altura em torno de apenas US $ 4 milhões por ano.

A doença moderna da “petrolite aguda”

De Menezes teve cinco primeiros-ministros nos seus três primeiros anos de mandato e dissolveu o parlamento em Janeiro de 2003, em parte devido a discordâncias sobre quem deve controlar o sector petrolífero e a quem cabia o direito de negociar contratos de exploração com empresas de petróleo.

Quando o parlamento se reuniu novamente, as divergências logo ressurgiram, quando o presidente admitiu ter recebido um pagamento de uma companhia de petróleo internacional que ele usou para financiar a sua campanha eleitoral.

Confissão digna de respeito do ponto de vista moral, mas um desastre político, uma espécie de tiro nos pés, tanto mais que de Menezes tinha anteriormente dito que “interesses petrolíferos” não revelados teriam tentado destabilizá-lo. Os opositores saltaram sobre a deixa e acusaram-no de receber apoio da Nigéria. Vemo-lo então a aparecer na conferência de Abuja para discutir, entre outras coisas, o recente acordo assinado entre os dois países.

Em suma, esta última renegociação causou um clamor público de vários membros importantes da elite são-tomense, que descreveram as ofertas como pobres e muito generosas para os Nigerianos, o que de resto, apenas serviu para inspirar o Major “Cobo” a armar-se em Zorro africano a acorrer em defesa dos interesses do povo são-tomense contra a ganância dos principais agentes da Máfia do petróleo.

Depois do “happy end” do golpe de “Cobo”, eis que chega a vez desses mesmo agentes da Mafia petrolífera, entre os quais, à parte agentes topo de gama dos Estados Unidos da América e da Nigéria, apresentaram propostas de bons ofícios outros “amigos” de São Tomé e Príncipe, entre eles de Israel e, vejam só, de Angola e da Guiné Equatorial, armados em defensores das águas do espaço marítimo em redor da ilha na mira de participar nos sumptuosos benefícios do petróleo.

A eleição presidencial de 2016

Omandato do presidente Manuel Pinto da Costa, não partidário, estendeu-se de 3 de Setembro de 2011 a 17 de Julho de 2016, dia das recentes eleições para a presidência no arquipélago. Ele reapresentou-se como candidato, mas vejamos, antes de entrar no âmago do tema, qual é o figurino adoptado para o pleito eleitoral em São Tomé e Príncipe.

Segundo a Comissão Eleitoral Nacional do arquipélago, estão habilitados a votar 111.222 cidadãos recenseados. O distrito de Água Grande, localizado na capital do País, Cidade de São Tomé, destaca-se com 39.209 eleitores, o segundo mais populoso é o de Mé-Zóchi, na Cidade da Trindade, com 25.092 mil. Entre os distritos com menor número, realça-se Cauê, no Sul do País, com apenas 4.037 eleitores, ao passo que a Região Autónoma do Príncipe tem 4.724.

Concorreram ao cargo de Presidente da República, o presidente cessante Manuel Pinto da Costa, o vice-presidente do Parlamento, Evaristo de Carvalho, a ex-primeira-ministra, Maria das Neves, o professor Manuel do Rosário e o economista Hélder Barros. Tudo apontava para um despique cerrado entre os três primeiros nomes desta lista e o que aconteceu foi, antes de ir mais longe, uma enorme surpresa. De Carvalho obteve 50,1% dos votos e os seus rivais engoliram em seco os menos de 30% que lhes foram outorgados pela votação.

Saltaram de imediato para a arena da contestação desse resultado os dois vencidos, alegando FACTOS, entre os quais são de realçar:

a) Em determinadas assembleia de voto, o número de votos foram superiores ao número de eleitores inscritos.

b) Foram registados pagamento de membro do partido dominante (ADI) em algumas mesas de voto com o deliberado intuito de introduzir boletins na urna a favor do candidato do partido ADI, precisamente o de Evaristo de Carvalho.

c) No acto de verificação da validade dos votos no Distrito de Lemba, os mesmos foram contados com portas e janelas fechadas, longe de olhar do público com de militares…

d) Muitos mortos e muitos daqueles que viajaram e não podiam votar, constavam nos cadernos eleitorais, apareceram como votantes nos cadernos eleitorais. Ou seja, os mortos também votaram nestas eleições.

e) Muitas pessoas que foram impedidas de votar em Portugal e Angola, Guiné Equatorial e Gabão porque tinham registos em STP, apareceram seus nomes em STP como se tivessem exercido o seu direito de voto.

Resumindo sem concluir

Verificados este factos, para além de terem de ser consideradas nulas estas eleições, devia haver processos crimes e os elementos da ADI, que estão na base destas fraudes evidentes, deviam ser chamados imediatamente à justiça como arguidos, num julgamento severo que pudesse servir de lição, inclusive no que toca à cumplicidade do seu chefe máximo.

A fraude é gigantesca e, sendo a força do dinheiro que o petróleo augura, muito mais forte do que todas a considerações morais e de ética governativa, é de recear que este crime morra solteiro e nada possa incriminar a fraude cometida contra o povo de São Tomé e Príncipe.

*Artigo de 24.07.2016, entretanto a situação já evolui para patamares mais negativos de um Estado Democrático, que pode acompanhar em São Tomé e Príncipe - no Página Global. (PG)

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