A crise no preço do pão em Angola, que disparou em poucas semanas, está a levar as famílias de Luanda a mudar o hábito do "mata-bicho" pelo início da manhã, agora com arroz e chá, para "aldrabar o estômago".
É que devido às alegadas dificuldades na importação de farinha de trigo, pela falta de divisas, o custo deste produto subiu em flecha, repercutindo-se nos preços do pão em pouco mais de um mês.
Um pão pequeno que antes custava à volta de 20 kwanzas (10 cêntimos de euro) chega a valer agora entre 70 a 100 kwanzas (37 a 53 cêntimos), enquanto um cassete, maior, passou para o dobro, 100 kwanzas. Além disso, é já costume formarem-se filas à porta destas padarias de bairro e mesmo nas grandes superfícies.
A tradição de "mata-bichar", um pequeno-almoço que em Angola obriga a ter à mesa pelo menos pão com manteiga ou com omelete, está agora dificultada para famílias que já estavam a braços com o aumento generalizado dos preços de todos os restantes produtos.
"Os meus filhos gostam mais é de pão com leite ou com chá. Quando você dá um 'mata-bicho' de arroz com lambula [sardinha maior] eles dizem que não 'mata-bicharam'", queixa-se à Lusa Paula Marques, de 32 anos, a viver em Luanda.
Comprava habitualmente, todos os dias, logo pela manhã, pelo menos 10 pães, mas a subida de preço dos últimos dias já só permite levar cinco: "Não chega para nada. Eu só queria saber porque é que o trigo subiu desta forma", questiona.
Em média, o preço do saco de 50 quilos de farinha trigo disparou de pouco mais de 3.000 kwanzas (16 euros) para quase 30.000 (160 euros), em menos de dois meses, com os fornecedores a alegarem dificuldades de importação, por falta de divisas tendo em conta a crise que Angola atravessa.
António Bula, de 31 anos, recorda que gastava há poucas semanas à volta de 100 kwanzas (53 cêntimos) em pão para o "mata-bicho" dos três filhos, quando hoje não chegam 300 kwanzas (1,6 euros) diários.
"E não serve, por causa do preço, está muito caro", afirma, admitindo que sem pão, resta o arroz seco com lambula e chá para começar o dia: "Estamos a sofrer muito", lamenta.
À conversa com a Lusa, Fernando Paulo da Costa, de 29 anos, dá voltas para tentar explicar a subida dos preços e as dificuldades que enfrenta: "Foi subindo sem a gente perceber porquê", diz.
Mora em Luanda e compra um pão por 100 kwanzas, algo que a sua bolsa não permite: "Antes comprava 10 só para o pequeno-almoço e agora apenas três ou quatro, mas não tem chegado para nada".
"Às vezes fazemos um arroz com chá, só para tentar aldrabar o estômago", desabafa.
Literalmente do outro lado do balcão está Alfa Amoro, nascido há 31 anos na Guiné-Bissau e naturalizado angolano, atualmente gerente de uma padaria de bairro, em Luanda.
No seu pequeno negócio cada pão custa entre 70 a 200 kwanzas (37 cêntimos a um euro), o dobro desde junho, aumentos que tenta explicar com o preço galopante da farinha de trigo.
"Não sei, fico admirado com a subida do preço. Uma coisa que era 3.000 subiu para 20.000 e tal", conta à Lusa.
O negócio, admite, também já não é o mesmo, até porque os clientes -- quer seja ao balcão ou para revenda na rua - começam a arranjar outras alternativas ao pão. "Antes tinha mais negócio, agora não", afirma.
Como exemplo refere a caixa de pão que as mulheres compravam na padaria para depois revenderem nas ruas, durante o dia, que ainda há poucas semanas custava 800 kwanzas (4,20 euros).
"Hoje tenho de vender por 2.800 kwanzas [15 euros]", remata.
Dos 13 produtos alimentares que constituem a cesta básica, a farinha de trigo foi a mais importado por Angola em 2016, ascendendo a quase 800 milhões de dólares (715 milhões de euros).
PVJ // EL - Lusa
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