Fraudes de patrões com verbas do IEFP podem também ser crimes de fraude fiscal e branqueamento. Gestores arriscam multas e até penas de prisão.
Os empregadores que estão a obrigar estagiários a entregar parte do salário que recebem do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) podem ser acusados dos crimes de extorsão, fraude fiscal e até de branqueamento.
Em causa está o programa Estágios-Emprego, que desde 2011 apoiou quase 300 mil pessoas. Esta medida esteve no centro de uma forte polémica esta semana, depois de terem sido feitas denúncias sobre fraudes em estágios profissionais.
Vários jovens, além de serem forçados a entregar o apoio recebido do IEFP, são muitas vezes chamados a assumir responsabilidades que são das empresas, como o pagamento da taxa social única.
Ao SOL, a advogada Filipa Duarte Gonçalves, da Miranda & Associados, esclarece que as práticas em relação ao estagiário podem ser considerado crime de extorsão: «Para que os pressupostos deste crime estejam preenchidos é necessário existir violência - física ou psicológica - ou ameaça com mal importante por forma a constranger a vítima» a ceder valores à entidade empregadora, tendo prejuízo com isso. Este crime é punido com pena de prisão até cinco anos, esclarece a jurista.
Além disso, uma entidade promotora que exija por ‘debaixo da mesa a devolução de parte da bolsa ao estagiário, sem declarar esse valor à Autoridade Tributária, «pode incorrer, dependendo do montante, num crime de fraude fiscal». Isso seria punível com pena de prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias. Sendo que, caso exista a prática de um crime de fraude fiscal, se a vantagem patrimonial ilícita for superior a 15 mil euros, «pode estar também em causa a prática de um crime de branqueamento», acrescenta a advogada.
IEFP investiga Caso se prove a fraude nos estágios, as empresas podem sofrer outras consequências. Arriscam ser impedidas de celebrar «determinados contratos com determinadas entidades» ou privadas «do direito a subsídios, subvenções ou incentivos».
Em comunicado, o IEFP já fez saber que «ao longo desta semana deram entrada três queixas formais, com a identificação da situação e das partes envolvidas». Dois destes processos seguiram já para o Ministério Público, estando o outro a ser analisado pelos serviços jurídicos e de auditoria do instituto. O IEFP garante que «tudo fará para que os beneficiários destas medidas, que se encontrem em situações de estágios feridos de ilegalidade, sejam acompanhados pelos serviços de forma próxima».
O organismo sustentou que, até às notícias veiculadas esta semana, não tinha conhecimento de «qualquer denúncia oficial respeitante a esta situação em concreto». No entanto, há quem garanta que em 2014 já tinha sido feita pelo menos uma denúncia, remetida para o Centro de Emprego de Picoas, em Lisboa. Em questão está uma jovem, que chegou a receber um e-mail de confirmação da receção da denúncia, logo em 2014. Nesta altura, o IEFP estipulou um prazo de 60 dias para que fossem devolvidos os fundos comunitários ao Estado. A estagiária acabou por não receber nada. Segundo o IEFP, o caso de 2014 revelado pelo Jornal de Notícias é relativo ao não pagamento total dos valores do estágio, e não a extorsão de salários.
Falta de queixas por medo A ausência de denúncias, de resto, tem uma explicação simples para a Autoridade para as Condições do Trabalho: o medo de represálias. Para António Robalo dos Santos, subinspetor da ACT, muitos jovens veem nestas oportunidades de estágio uma hipótese de entrar no mercado de trabalho e, mesmo quando reconhecem viver em situações cada vez mais precárias, existe «medo de perderem o pouco que têm».
A verdade é que as empresas que recorrem a estes esquemas estão agora na mira do Ministério Público. A Procuradoria-Geral da República garante que já começou a avaliar a situação: «O Ministério Público encontra-se a recolher elementos, tendo em vista apurar se há, ou não, procedimentos a desencadear no âmbito das respetivas competências».
As áreas mais afetadas por esta prática são, de acordo com a denúncia feita pelo Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Arquitetura, Direito e Psicologia, onde as perspetivas de emprego são tão baixas que uma oferta de estágio se torna a única opção.
João Camargo, da associação Precários Inflexíveis, explica que estes casos são situações graves, sobretudo por estarem em causa dinheiros públicos. «As leis vão-se alterando e a forma de fugir também. Mas aqui é algo muito grave porque é um crime. Os recibos verdes tinham um enquadramento social negativo, mas esta situação é diferente. Não é uma má prática. É ilegal e um roubo», sublinha.
Sofia Martins Santos – jornal i
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