Esta quinta-feira participei numa iniciativa muito interessante. A nova administração da Caixa-Geral de Depósitos iniciou no Porto um ciclo de encontros, a que chamou “Fora da Caixa”, em que pretende ir ao encontro das empresas portuguesas e apresentar-lhes a sua estratégia neste novo tempo. A novidade deste encontro, a que se seguirão mais umas duas dezenas por todo o país, é que equipa liderada por Paulo Macedo não queria ir só falar de números e de planos estratégicos a uma audiência porventura cansada do “economês” em que vivemos mergulhados. Por isso inovou. Por um lado, acolheu alguém que se tinha feito convidado – e a quem não se pode recusar enviar o convite da volta do correio: o Presidente da República, que fez naturalmente uma intervenção política sobre as condições que ele considera essenciais para restabelecer um clima de confiança favorável à retoma do investimento e a um crescimento “acima dos 2%”.
Logo a seguir foi a equipa do Conversas à Quinta – eu, Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto – que subimos ao palco do auditório de Serralves e alo gravámos mais um programa, desta vez pensado para responder à inquietação daquela audiência de empresários e gestores, mas não só: falámos dos riscos que, neste mundo imprevisível em que vivemos, nos rodeiam por todos os lados. Programa aberto, que terminou com um período de perguntas e respostas da audiência, permitiu um diálogo interessante pois, ao contrário do que muitas vezes parece, Portugal não é uma ilha, antes uma pequena economia aberta e cada vez mais virada para as exportações. O que pode fazer Trump para fazer regressar o proteccionismo ou o que pode acontecer à Europa se Marine Le Pen ganha em França é porventura mais importante para todos do que as décimas de taxas de juro que andamos a discutir. Por mim, pelo diálogo que depois se estabeleceu, pelo que antes e depois foi possível apreender das preocupações daqueles que estão entre os que têm puxado pela nossa economia, a experiência não podia ter sido mais valiosa. Para todos – agora também para os leitores desta newsletter – fica o registo desta edição muito especial do Conversas à Quinta, Todos os riscos deste mundo imprevisível (podcast aqui).
A nossa conversa começou pela eleição que vem já aí: a 15 de Março os holandeses vão às urnas e a generalidade das sondagens têm dado como vencedor provável o Partido da Liberdade (PVV), dirigido por Geert Wilders e que se tem notabilizado como o partido do “não”: não aos emigrantes, não às mesquitas, não ao euro e à subordinação da Bruxelas. Ganhando este partido as eleições continuará a Holanda a manter o seu “cordão sanitário” de forma a afastá-lo do poder? Ou sucederá o que já sucedeu noutros países mais a norte (Dinamarca, Suécia, Holanda) onde partidos semelhantes já fizeram parte de coligações de governo? Já nos referimos em anteriores Macroscópios a estas eleições (nomeadamente à reportagem do Financial Times na vila mais pobre do país, Is far-right populism winning in the Netherlands?), mas hoje justifica-se voltar ao tema propondo algumas leituras nem sempre convergentes sobre o que se está a passar na Holanda.
Começo pela Spiegel, que foi falar com o irmão mais velho de Geert Wilders, Paul Wilders, para tentar compreender melhor quem é o líder do populismo holandês. Em Dutch Populist's Brother Speaks Out pode ler-se, por exemplo, que flamboyant Geert é alguém que, com a mulher, “have been living in a secret location for 12 years, and they need permanent personal security. He has already received several serious death threats from Islamists. (…) Geert's world has become very small. It consists of the parliament, public events and his apartment. He can hardly go anywhere else. He is socially isolated and alienated from everyday life. This isn't good for anyone.” Para além disso, “He has tunnel vision, and he doesn't believe in compromise”, o que na Holanda, país de compromissos e coligações, o poderá afastar de qualquer governo.
Já o El Pais faz em Geert Wilders el político holandés que abandera la identidad um retrato muito completo de um político que nasceu numa família onde havia judeus e viveu na Indonésia antes da independência, de alguém que começou a conhecer o mundo trabalhando num kibutz em Israel e que encontra na oposição dos muçulmanos aos costumes liberais da Holanda uma das razões da sua islamofobia. No final conclui-se que “Su electorado es de clase media y media baja, y apela ahora a la media alta, temerosa de la pérdida de valores y normas nacionales. Nadie quiere gobernar con él si gana. En estas elecciones, la palabra clave no es economía. Con una tasa de crecimiento del 2,3%, y un 5,4% de paro, el vocablo esencial es identidad. Y ahí Wilders ha sacado siempre ventaja a sus colegas.”
Não é porém certo que, mesmo liderando as sondagen, Wilders termine na frente. Já lhe aconteceu ter desilusões no momento da contagem dos votos, e é isso mesmo que Kaj Leers, jornalista e analista do diário holandês de Volkskrant explica em Why Geert Wilders Loses, um texto publicado pelo Real Clear World: “Yet for all his popular support and bluster over the past 12 years, Geert Wilders has consistently underperformed his strong numbers in the polls. In each election he has risen to record highs, only to disappoint when the results come in. The reason for this is twofold, and Wilders personally carries some of the blame.” Em concreto: “First, although many PVV voters want Wilders to be the voice of their protest, not all are keen on him becoming prime minister”; e “Second, the Dutch are calculating voters. Although the majority of Wilders’ voters support him on election day in a protest vote, a sizeable group first consider the possible coalition government formations.”
Mas se Wilders recolhe mais depressa apoios na classe media baixa com menos instrução, e não nos bairros onde é maior a pressão das comunidades de emigrantes, como explicava hoje o Financial Times em How education level is the biggest predictor of support for Geert Wilders, talvez neste momento, em vez de procurarmos pormo-nos a adivinhar para que lado se irão enganar as sondagens desta vez, procurer compreender How the Dutch Fell Out of Love With the EU com a ajuda da Carnegie Foundation Europe. Neste trabalho Rem Korteweg escreve, por exemplo, que a crise das dívidas soberanas teve um papel importante neste crescente desamor: “The perception that the Dutch were left paying the bill while other countries flouted the rules became fertile ground for Euroskeptic politicians. It boosted the anti-immigrant, anti-EU popularity of Geert Wilders and made the Dutch government increasingly critical of the commission and ever-closer EU cooperation.” Houve mais factores, mas para este analista a situação actual é clara, como menos ou mais parlamentares do eurocéptico e populista PVV no próximo parlamento: “The Dutch government seeks a more pragmatic European Union, not a federalist fairy tale. In response to Brexit, some European leaders now talk of a flight forward toward deeper integration. But the Dutch law that enabled a referendum to block the EU-Ukraine Association Agreement could similarly be used to block a new EU treaty. And so, as long as that law exists, The Hague will oppose changes to the treaties.”
Esta semana a Comissão Europeia fez sair uma espécie de “livro branco” sobre os vários caminhos que se abrem à Europa agora que a EU vai completar 60 anos, uns com mais integração, outros com menos. Consigam os líderes ter menos os seus umbigos em Bruxelas e mais os seus ouvidos junto dos eleitores quando tiverem de discutir essas diferentes alternativas, e talvez se recuperem os favores das opiniões públicas. Senão os riscos que se alinham neste ano (eleições holandesas, francesas e alemãs) podem ser apenas os primeiros de uma longa série. As próximas semanas serão esclarecedoras.
Neste fim-de-semana de tempo instável, aproveitem para descansar e ler. O Macroscópio regressa segunda-feira.
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