terça-feira, 23 de maio de 2017

O Correio da Manhã é estúpido?

Pedro Tadeu23 DE MAIO DE 2017


A publicação na semana passada, pelo tabloide Correio da Manhã, de um vídeo, que corria pelo Facebook, com uma turba juvenil alcoolizada a aplaudir, aos berros, um rapaz que masturbava uma rapariga num autocarro, foi uma incrível estupidez.
A publicação, em 2011, por várias marcas do chamado jornalismo de referência português, de um vídeo onde uma autarca de uma pequena e irrelevante cidade belga faz sexo com um homem, durante uma visita a um castelo, numa altura em que o casal achava estar sozinho, foi outra enorme estupidez que, note-se, seis anos depois ainda pode ser confirmada no Sapo Vídeos. Lembro-me, pelo menos, de o Expresso, a Visão e o Diário Digital o terem feito e, fora deste grupo de alegada imprensa respeitável, o Correio da Manhã. O Diário de Notícias não o publicou.
Diz-me a experiência que é raro um tabloide cometer uma bestialidade que não tenha um paralelo, um exemplo, uma perversa e inesperada legitimação no dito jornalismo sério. Se todas as palmadas que agora se dão ao Correio da Manhã por causa da divulgação desse vídeo, sem trabalho jornalístico e enquadramento que pudesse justificar tal difusão, só pecarem por defeito, muitas outras palmadas estão em falta por erros igualmente funestos para a sociedade cometidos por muitos dos que se apresentam agora como arautos da deontologia. Essa hipocrisia não desculpa o Correio da Manhã mas deve, também, ser denunciada.
Do lado tabloide temos um desbragamento de critérios que elimina a necessidade de fazer jornalismo para, simplesmente, expor tudo o que for bizarro, caricato, miserável, imoral ou curioso.
Em Portugal, ao contrário de outros países, esse jornalismo praticado pelo Correio da Manhã é mais do que um êxito de vendas, é um invulgar, para o género, êxito comercial onde grandes empresas, bancos, até instituições religiosas, que gastam milhões em apuramento de imagem, credibilidade e estatuto, não se importam de colocar anúncios num jornal com fotografias paparazzi ou com noticiário de pequenos, médios e grandes escândalos sexuais, muitas vezes mentiroso.
Isso significa que os grandes decisores portugueses farejam algo no Correio da Manhã que elimina o cheiro a podridão humana que ele exala e isso deveria fazer muitos dos que insultam aquele jornal a parar e a pensar um bocadinho, tentando uma resposta para esta questão: onde é que as outras marcas falham e o CM acerta para, com a linha editorial que adota, garantir a mesma respeitabilidade entre muitas elites que vários rivais, do jornalismo "sério", apenas almejam alcançar?
A verdade é que do lado do jornalismo de referência temos uma quase total indiferença pelos interesses do cidadão comum, há um investimento desproporcionado no relato da intriga política ou um empenhamento suspeito numa batalha ideológica afunilada. Persiste uma incapacidade gritante para diagnosticar tendências sociais verdadeiramente relevantes e medra a utilização perversa da deontologia para impedir a publicação de notícias legítimas. Contraditoriamente, algumas vezes, estes jornais portam-se como tabloides.
De um lado temos poucas notícias e muito voyeurismo. Do outro lado temos poucas notícias e muito autismo.
É este, para mim, um drama do jornalismo que vivemos, tanto em Portugal como lá fora: a incapacidade de dar notícias com a conta, o peso e a medida certas, tanto do lado tabloide como do lado supostamente sério. Ganha o Facebook.
Já agora: uma semana depois da divulgação daquele vídeo, onde está um trabalho jornalístico competente sobre o que se passou?... Ou não é notícia?...

Fonte: DN

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