terça-feira, 18 de julho de 2017

A operadora “non grata”

Não estamos aqui a fazer política, este é um forte projecto industrial para o país”, respondeu Michel Combes, CEO da Altice, quando questionado sobre o ataque desferido pelo primeiro-ministro português num local com a carga do Parlamento. Só esta resposta enche-nos de vergonha. É pensar na imagem que o episódio projecta, para quem esteja a pensar investir em Portugal ou já por cá ande.

Há uma parte das críticas à PT que são justificadas: as que se referem às falhas no SIRESP. E entende-se a preocupação com práticas agressivas de gestão de recursos humanos que prenunciam despedimentos. O que não se compreende é que, por isso, um primeiro-ministro desaconselhe a utilização de uma operadora em detrimento de outras e lhe lance o espectro da quase falência. Sem "golden share", o Governo resolveu recorrer à figura da operadora "non grata".


O ataque é inseparável da intenção da Altice em comprar a Media Capital. Sabe-se que o estilo de gestão da capital de risco de Patrick Drahi, predadora nas aquisições e leonina nas reestruturações, não agrada à esquerda. A Altice é uma empresa altamente alavancada, corre elevados riscos se os ventos em popa deixarem de soprar nos seus negócios e nos mercados. Mas só isto parece pouco para tanta irritação. O que leva a suspeitar que são outros os reais motivos que levaram António Costa a levantar tais sombras sobre a Altice, que este fim-de-semana assumiram a forma de ataque concertado da geringonça, por causa da aquisição da dona da TVI. Se assim é, era importante que os partilhasse.


Podia ser um negócio estranho, difícil de justificar. Não é o caso. Ele tem um racional estratégico, que está a ser seguido noutras paragens. Os serviços de telecomunicações são cada vez mais uma "commodity", a penetração atingiu a maturidade e o ritmo de crescimento das receitas está a minguar. Por isso, volta-se a tentar uma fórmula que falhou no passado: valorizar o serviço pelos conteúdos e por aí arrecadar mais receita. Em 2000, no auge da bolha das dot.com, a AOL fundiu-se com a Time Warner, naquela que foi a operação mais paradigmática dessa tendência. Tal como o negócio, a estratégia ruiu. Dezassete anos depois é a AT&T a avançar para a verticalização, com a compra da mesma Time Warner, que nos seus activos conta com a HBO, a produtora da série "A Guerra dos Tronos", a mais popular em todo o mundo.
 

Por cá, vimos a primeira manifestação desta mesma estratégia na compra dos direitos televisivos dos clubes de futebol no final de 2015. Era uma questão de tempo até chegarmos aos grupos de media. A Nos e a Vodafone ficam pressionadas a agir.

Este novo domínio pode ser uma oportunidade para um sector acossado. Mas traz também ameaças. A Impresa teme pelos valores da "concorrência leal" e do "pluralismo". Numa economia de mercado, é aos reguladores que cabe zelar por eles.

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