terça-feira, 18 de julho de 2017

Macroscópio – Figuras maiores. E figuras menores.

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Este Macroscópio podia ser sobre a entrevista de Gentil Martins ao Expresso. Sobre ter considerado que a homossexualidade é “uma anomalia”. Mas não vai ser sobre isso, mesmo deixando eu aqui algumas referências: os ataques de Isabel Moreira no Facebook, nomeadamente a pedir a intervenção a Ordem dos Médicos aqui e aqui; a defesa de Gentil Martins por um psicólogo clínico no Observador, Eu sou Gentil Martins!; a nota de Henrique Raposo de novo no Expresso a comparar a forma como o médico foi tratado com o tratamento dado a agressões homofóbicas na Festa do Avante de 2015, “Camaradas paneleiros”; eu próprio num breve comentário vídeo aqui no Observador a discordar da opinião de Gentil Martins e a pedir “desculpa, mas tenho sexo, não tenho género” (disponível também aqui no Facebook); e por fim o relato de Henrique Monteiro, no Expresso, sobre como passou um dia no twitter a debater com intolerantes sobre aquela entrevista, Um dia a debater com surdos.
 
Este Macroscópio podia ser também sobre o muito aguardado primeiro episódio da sétima temporada da Guerra dos Tronos – que passou esta madrugada nos Estados Unidos –, mas como não quero correr o risco de spoilers (e eu próprio espero por esta noite para o ver na nossa televisão), deixo apenas a nota de que no Observador juntámos Os textos essenciais sobre a Guerra dos Tronos. Entre eles um em que explico porque sou um fã da série, e por isso tenho de me despachar (apesar deste Macroscópio seguir um pouco atrasado).
 
Este Macroscópio podia também ser sobre alguns casos destes dias (a acusação a 18 polícias por agressão racista, as declarações sobre os hábitos de muitos membros da etnia cigana de um candidato do PSD ou as recorrentes falhas do SIRESP), mas escolhi antes deixar-vos breves indicações de leitura sobre uma grande figura da literatura, uma grande figura do desporto e uma grande figura da luta pelos direitos humanos.
 
A grande figura da literatura é Jane Austen, a romancista inglesa que morreu faz amanhã 200 anos. É sempre interessante recordá-la – e recordar a sua obra, os seus romances que serão sempre uma boa leitura de férias – até porque parece haver sempre mais coisas a descobrir sobre aquela mulher cujo rosto estará a partir de agora nas notas de dez libras. E a minha primeira referência é a peça que a semana passada lhe dedicou a The Economist, Fame and favourabilityJane Austen, 200 years on, cujo ponto de partida é uma perplexidade: “How an unremarkable Englishwoman became a literary juggernaut”. E eis como a revista responde a esta questão: “At first it was because she was considered to have heralded a new type of novel: a realist form derived entirely from the quotidian. John Murray, a publisher, rejected stories like Mary Shelley’s “Frankenstein”, but chose to issue “Emma” in 1815 on the grounds that Austen’s work featured “no dark passages; no secret chambers; no wind-howlings in long galleries; no drops of blood upon a rusty dagger”. But her uniqueness lay in combining that realism with a new narrative style, one which moved deftly between the narrator’s voice and the characters’ innermost thoughts. This “free indirect speech” allowed the reader to see, think and feel exactly as the character did while also maintaining a critical distance and the ability to move between various points of view. It was radically inventive.”
 
No Guardian podemos encontrar um inquérito sobre Which is the greatest Jane Austen novel? Hilary Mantel escolheu Jack and Alice and other juvenília; Ian McEwan preferiu Northanger Abbey; Ahdaf Soueif optou por Sense and Sensibility e Joyce Carol Oates por Emma, e por aí adiante. Lendo-os temos pequenas e interessantes introduções às mais importantes obras de Jane Austen.

 
Passo agora ao desportista, e este só podia ser Roger Federer, que este domingo conquistou pela oitava vez o torneio de Wimbledon, uma vitória aos 36 anos que faz com que possamos cada vez mais vê-lo como o melhor tenista de todos os tempos, como titulámos no Observador, ele é “o nosso elixir da juventude”, “o melhor dos melhores”. Abro as hostilidades como Miguel Esteves Cardoso que, no Público, em Sempre Federer, escreve que “Roger Federer pode ser o homem perfeito, até pelas imperfeições dele. Claro que chorei quando ele chorou, depois de ter sido o primeiro a ganhar Wimbledon oito vezes. E outra vez quando vi chorar Marin Cilic. Até parece que a lesão de Cilic tornou mais aceitável a derrota dele. Por causa da lesão e da valentia que ele demonstrou, o público de Wimbledon que adora Federer teve o fair play de torcer por Cilic. Graças a jogadores como Federer e Cilic o ténis está muito mais civilizado, tendo voltado as boas maneiras de outros tempos, que se julgavam perdidas para sempre.”
 
Um belo relato do que se passou no court centrar de Wimbledon é o do New York Times, onde se procura também explicar o porquê da sua longevidade: “Unlike many elite athletes, Federer had a long-term plan from an early age to preserve his body, paying close attention to fitness with the trainer Pierre Paganini. Unlike many young tennis stars, Federer avoided overplaying, managing his schedule sagaciously. But then he also had the exceptional talent, the technique and the internal drive and love of the process to get him through stormy weather. For now, 2017 has been nothing but blue skies and island breezes, a late-career joy ride that is all the more remarkable for surpassing Federer’s own expectations.”
 
Um bom retrato do tenista é aquele que podemos ler no El Pais, La belleza de ser Roger Federer, um texto de Alessandro Baricco, do diário italiano La Repubblica, que foi de propósito a Wimbledon para poder ver alguém que justamente reclama o título de “melhor de sempre”. É um texto revelador de uma imensa admiração: “La diferencia fundamental entre Roger Federer y los demás tenistas del planeta no es la que resulta más evidente, es decir, el hecho de que, a la larga, sea él quien gane. Eso es un corolario, tal vez una coincidencia, a menudo una consecuencia lógica. La verdadera diferencia entre él y los demás, como todo el mundo sabe, es que los otros juegan al tenis, mientras que él hace algo que tiene más que ver con la respiración, o con el vuelo de las aves migratorias, o con la fuerza renovada del viento en la mañana. Algo escrito desde hace tiempo ‒inevitable‒ en el curso de las cosas. Algo natural.”
 
A finalizar este bloco, uma curiosidade, encontrada no britânico Telegraph: aqueles que, para além de Federer, são The 15 other most consistently successful modern sportspeople. Dê uma espreitadela e veja se concorda.
 
A fechar uma evocação de um Prémio Nobel desaparecido a semana passada, o dissidente chinês Liu Xiaobo. Trata-se da “Carta 08”, o documento assinado por mais de dois mil cidadãos chineses em 2008 e onde se fazia um vigoroso apela a uma transformação democrática. Numa altura em que a China assuma um protagonismo crescente na cena internacional, mas continua sem se democratizar, pelo contrário, a New York Review of Books entendeu, e bem, que a melhor forma de homenagear Liu Xiaobo era recuperar dos arquivos China’s Charter 08. Palavras poderosas, escritas há quase dez anos:
The political reality, which is plain for anyone to see, is that China has many laws but no rule of law; it has a constitution but no constitutional government. The ruling elite continues to cling to its authoritarian power and fights off any move toward political change. The stultifying results are endemic official corruption, an undermining of the rule of law, weak human rights, decay in public ethics, crony capitalism, growing inequality between the wealthy and the poor, pillage of the natural environment as well as of the human and historical environments, and the exacerbation of a long list of social conflicts, especially, in recent times, a sharpening animosity between officials and ordinary people. As these conflicts and crises grow ever more intense, and as the ruling elite continues with impunity to crush and to strip away the rights of citizens to freedom, to property, and to the pursuit of happiness, we see the powerless in our society—the vulnerable groups, the people who have been suppressed and monitored, who have suffered cruelty and even torture, and who have had no adequate avenues for their protests, no courts to hear their pleas—becoming more militant and raising the possibility of a violent conflict of disastrous proportions.
 
E por hoje é tudo. Amanhã talvez esteja aqui a falar-vos da Guerra dos Tronos, sem spoilers. Assim espero. Tenham uma boa noite, bom descanso e, se foram fãs como eu, que não tenham nenhuma desilusão. 

 
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