A administração do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA) comprou nove apartamentos com fundos do Estado, no condomínio Joss Village, na capital moçambicana, mas apenas três imóveis tinham sido declarados e desconhecia-se a situação dos restantes, o que levanta suspeitas de que pessoas bem identificadas estariam interessadas em abocanhá-los para o seu próprio benefício. Depois de um trabalho aturado do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) e do Ministério Público (MP), o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), que julga o caso do megaroubo de 170 milhões de meticais, com recurso a projectos falsos de criação de gado, agrícola e afins, lançou a mão ao assunto e procura descobrir o que se passou, efectivamente, e quem foram os mentores do pretenso cambalacho.
Neide Xerinda, funcionária do Estado há 26 anos, é directora executiva no FDA. À data dos factos acima expostos, ela era directora adjunta da mesma instituição.
Aquando da sua audição em sede do tribunal, a senhora reconheceu que cometeu muitas infracções mas por desconhecimento de que estava a incorrer em ilegalidades. E passou, supostamente, a fazer diferente quando caiu em si, na altura em que foi intimada pelo GCCC devido à sua implicação do desfalque em alusão.
Neide admitiu ainda que, na qualidade dirigente do FDA, foi-lhe alocada um apartamento no Joss Village, mas optou por arrendar e o dinheiro ia para o seu bolso.
Abdul Mussuale, de 53 anos de idade, economista agrário, afecto ao FDA, disse ao tribunal – a dado momento de forma hesitante – que tinha conhecimento de que esta instituição adquiriu três apartamentos no condomínio Joss Village, dos quais “dois estavam acessíveis e o outro não”. Segundo ele, dessas três residências, uma estava alocada uma cidadã, a outra a um indivíduo de nacionalidade europeia, que alegou ter comprado. O negócio foi feito com a ré Neide Xerinda.
Aquando da descoberta do rombo financeiro no FDA, o Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) solicitou um esclarecimento em torno da compra de seis casas no mesmo condomínio e não três.
Abdul Mussuale alegou que a diferença de números lhe deixou estupefacto e quando ele e a sua equipa se deslocaram ao terreno para se inteirarem do assunto confirmaram-se as informações avançadas pelo GCCC.
Mais tarde, um outro colaborador do FDA, identificado pelo nome de César Trigo, afecto ao departamento de património, revelou que existiam outros três apartamentos que eram desconhecidos por alguns colegas, totalizando nove imóveis. Os números das casas em alusão são: 112, 113, 114, 311, 312, 313, 331, 332 e 333. Todas as noves casas já foram pagas, sendo seis através de financiamento. Destas, só três estão registadas em nome daquela entidade do Estado, duas estão em processo para o efeito e a situação das restantes é desconhecida, disse o declarante.
Os três novos edifícios ainda estão em construção e com o prazo de entrega (Outubro de 2016) expirado. Prevê-se que sejam entregues ao FDA em 2018. Abdul Mussuale afirmou ainda ter conhecimento de que aquela instituição do Estado possui uma residência na Matola, a qual está a ser reabilitada para servir de casa oficial do presidente do FDA.
A outra versão destoante
Danilo Jossubo, de 44 anos de idade, é sócio do projecto condomínio Joss Village. De acordo com ele, numa primeira fase, o FDA comprou seis apartamentos e o intermediário foi Setina Titosse, ex-PCA daquela instituição do Estado.
Aquando da aquisição das outras três unidades residenciais, a arguida Setina Titosse já não era dirigente. O negócio foi tratado por carta e segui avante, porque “o Fundo tinha um plano de investimento na área imobiliária para aumentar as suas receitas”, contou Danilo ao tribunal.
No dia em que a antiga dirigente do FDA prestou o seu testemunho em torno deste assunto, referiu-se a seis apartamentos e não nove. Ela narrou ainda que depois de fechar o negócio, comprou uma casa no mesmo condomínio a um preço bonificado. Entre tantas acusações, Setina defendeu-se justificando que para a pagar o aludido imóvel recorreu a um financiamento bancário, mas não revelou o montante. “Até hoje ainda estou a pagar ao banco e a casa ainda não está em meu nome”, por isso “ainda não é minha”.
Esta versão de Setina contrasta com a de Danilo. Este disse, primeiro, que a ré Setina manifestou desejo de comprar a habitação em alusão mas não chegou de fazê-lo. “Não fizemos a escritura do imóvel. Ela não chegou a pagar” e o negócio “não se concretizou”.
Num outro desenvolvimento, o sócio do projecto condomínio Joss Village declarou, contradizendo o que dissera antes, que: “a dona Setina comprou, pessoalmente, um apartamento através de financiamento bancário. Esse apartamento existe. Posso facultar as certidões anteriores mas já estão desactualizadas. As novas certidões só ela [Setina] pode dar”.
Danilo afirmou, também, que o seu empreendimento arrendou um apartamento do FDA a um cidadão de nome Bruno Macamo. Para o efeito, houve articulação com aquela entidade o dinheiro das mensalidades não foi canalizado, estando supostamente retido nas contas do projecto Joss Village, até que o FDA enviar o contrato de arrendamento do imóvel em causa (...).
Aparentemente, a desculpa deste cidadão para que até hoje os fundos não tenham sido revertidos a favor daquela instituição do Estado é descabida. Aliás, ele acrescentou que o assunto ficou prejudicado quando as autoridades começaram a investigar os contornos de aquisição dos nove imóveis a que nos referimos.
Refira-se que Amassua Rassul, pai do réu Abdul Rassul, também foi ouvido como declarante.
Ele disse que não beneficiou de nenhum dinheiro de que o filho beneficiou ilicitamente no FDA. Aliás, ele não sabia que o filho tinha dinheiro. O único valor que ele teve do filho foi um empréstimo de 100 meticais. Mas na altura de devolver, o filho recusou receber, alegando que iria converter o montante em blocos, uma vez que estava prestes a iniciar a construção da sua casa.
Abdul Rassul é marido da sobrinha da arguida Setina Titosse. Porém, Amassua Rassul alegou que não conhece a sua comadre Setina.
Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique
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