A austeridade está para ficar, pelo menos enquanto 'ground zero' do debate político em Portugal. O termo em si ganhou o concurso para Palavra do Ano no já longínquo ano de 2011, mas teima em não sair do léxico. E da prática política, e da vida dos portugueses?
Tiago Freire | tiagofreire@negocios.pt10 de setembro de 2017 às 23:00 |
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Foi esse o exercício que o Negócios procurou fazer, no trabalho do jornalista Nuno Aguiar que publicamos na edição de hoje. Perante a narrativa de que este Governo acabou com a austeridade e perante a outra, oposta, de que ela está igualzinha, quem tem razão? Pois, como costuma acontecer nestas trincheiras da retórica política, ambos, ou seja, nenhum dos dois, no seu determinismo.
Os problemas começam pela própria palavra, que não é técnica, mas eminentemente política. Isto significa que é maleável, manipulável. Daí a repetição do duelo, sem que alguém consiga, com números, dar a estocada final.
Do lado da receita, a aposta nos impostos indirectos em detrimento dos directos significou uma recomposição da austeridade. Penaliza-se mais o comportamento económico e de consumo, e menos aquilo que se tira, à cabeça, ao salário que um trabalhador leva para casa. É claro que a utilização maior ou menor do automóvel, por exemplo, é muitas vezes uma falsa escolha, e penaliza muitas empresas (o que acontecerá quando o petróleo subir a sério?). Mas é inegável que, na mente do contribuinte, uma coisa não é igual à outra, mesmo que o dinheiro lhe pese o mesmo no bolso.
Na despesa é onde encontramos maior riqueza de análise, com esta a alimentar boa parte do esforço de consolidação, cortesia de um Governo socialista e dos seus apoiantes parlamentares mais à esquerda. Menos investimento e mais cativações foram a receita. Costa preferiu penalizar os serviços públicos para aliviar os funcionários públicos, enquanto Passos fez o contrário. São escolhas eminentemente políticas, e terão de viver com elas.
Podemos embarcar numa discussão clubística, que é vácua. A austeridade tem muitos tons, do mais carregado ao mais leve, e a sua aplicação tem apenas como limite as necessidades orçamentais. Está por cá, ainda? É claro que sim. É indiferente fazê-la de uma forma ou de outra? É claro que não. Costa prova que Passos podia ter consolidado de forma diferente? Não, porque tudo era diferente, desde as dificuldades do país à sua autonomia financeira e, consequentemente, decisória.
A consolidação, essa, veio para ficar, por mais que doa ao Bloco e ao PCP. E aqui não é ideologia, é a superfície dura da realidade. Enquanto há crescimento - e para este a política do Governo também contribuiu - as coisas vão-se fazendo: consolida-se e cresce-se. O pior será depois, quando o vento afrouxar nas nossas velas e não tivermos preparado o país para tempos de menor exuberância económica.
Fonte: Jornal de Negócios
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