Joaquim Franco escreve sobre D. António Francisco dos Santos, bispo do Porto, que hoje faleceu, vítima de um ataque cardíaco.
“É preciso que a Igreja ouça quem dela fala e leia quem sobre ela escreve”. O apelo de D. António ecoou na Igreja dos Clérigos, naquele apressado final de tarde. Já maio se fazia junho. A hora e o dia não ajudavam. A assistência ficou aquém. Mas, amigo dos autores do livro* sobre o qual fora convidado a falar, António Francisco não hesitou e foi o primeiro a ter uma palavra de motivação. Explicaria que era impossível ficar indiferente àquela leitura. Que entendia o que o autores queriam dizer à Igreja, aos crentes e não crentes, sobre o Papa Francisco.
Na sua simplicidade e abertura, António Francisco dos Santos era exemplo. Formado na École Pratique de Hautes Études Sociales, em Paris, homem da filosofia e da sociologia, vivera na primeira pessoa a experiência da laicidade francesa, a pastoral dos migrantes, as exigências de um cosmopolitismo em mudança, o desafio de uma Igreja sem amarras para ir ao encontro de cada homem e mulher. Era reconhecido o seu esforço de abrangência. Ainda bispo de Aveiro, impulsionou e apadrinhou encontros e iniciativas que levavam a debate visões díspares sobre assuntos nem sempre fáceis para a Igreja. Era disso que ele gostava. De um diálogo difícil, em ambientes sem alarido mediático, que, na diferença e pela diferença, elucida e aproxima as pessoas do essencial.
Raramente deixava alguém sem resposta. Era um homem de proximidades. E de ação discreta. A gestão de uma diocese como a do Porto causava-lhe por isso algum desgaste emocional. Mas nunca o víamos publicamente sem um sorriso,cândido na conversa e suave nas palavras.
António era Francisco de nome, mas também de convicção. Um braço do Papa argentino. No estilo, na sintonia das ideias, no discernimento. Foi natural e óbvia a sua posição quando a Conferência Episcopal Portuguesa decidiu levar a votos a sensibilidade dos bispos quanto à possibilidade de os divorciados recasados poderem comungar. Sendo um homem do pensamento, colocava a lei e as normas no seu devido lugar. A pessoa concreta está primeiro.
Ainda agora nos deixou. E já está a fazer muita falta ao país, ao pensamento, em primeiro lugar aos amigos e a todos os que viam nele uma âncora. “Há que fazer sempre o discernimento com os sinais do tempo, assumir os desafios da cultura e estar sempre atento ao sopro imparável do Espírito”, disse naquela tarde na Torre dos Clérigos. Sendo António Francisco isto tudo e tudo o que isto implica, vai ser difícil substituí-lo na Igreja em Portugal. A ala do diálogo, dos que estão com Francisco, o Papa, perdeu um protagonista. Fica a esperança do bispo: “a revolução é mesmo imparável, mas vai precisar de muito tempo para se fazer”.
* Papa Francisco - A Revolução Imparável (Manuscrito), de António Marujo e Joaquim Franco
Fonte: SICNOTICIAS
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