segunda-feira, 11 de setembro de 2017

OPINIÃO Um homem bom. Uma perda imensa

Joaquim Franco escreve sobre D. António Francisco dos Santos, bispo do Porto, que hoje faleceu, vítima de um ataque cardíaco.

“É preciso que a Igreja ouça quem dela fala e leia quem sobre ela escreve”. O apelo de D. António ecoou na Igreja dos Clérigos, naquele apressado final de tarde. Já maio se fazia junho. A hora e o dia não ajudavam. A assistência ficou aquém. Mas, amigo dos autores do livro* sobre o qual fora convidado a falar, António Francisco não hesitou e foi o primeiro a ter uma palavra de motivação. Explicaria que era impossível ficar indiferente àquela leitura. Que entendia o que o autores queriam dizer à Igreja, aos crentes e não crentes, sobre o Papa Francisco.

Na sua simplicidade e abertura, António Francisco dos Santos era exemplo. Formado na École Pratique de Hautes Études Sociales, em Paris, homem da filosofia e da sociologia, vivera na primeira pessoa a experiência da laicidade francesa, a pastoral dos migrantes, as exigências de um cosmopolitismo em mudança, o desafio de uma Igreja sem amarras para ir ao encontro de cada homem e mulher. Era reconhecido o seu esforço de abrangência. Ainda bispo de Aveiro, impulsionou e apadrinhou encontros e iniciativas que levavam a debate visões díspares sobre assuntos nem sempre fáceis para a Igreja. Era disso que ele gostava. De um diálogo difícil, em ambientes sem alarido mediático, que, na diferença e pela diferença, elucida e aproxima as pessoas do essencial.

Raramente deixava alguém sem resposta. Era um homem de proximidades. E de ação discreta. A gestão de uma diocese como a do Porto causava-lhe por isso algum desgaste emocional. Mas nunca o víamos publicamente sem um sorriso,cândido na conversa e suave nas palavras.

António era Francisco de nome, mas também de convicção. Um braço do Papa argentino. No estilo, na sintonia das ideias, no discernimento. Foi natural e óbvia a sua posição quando a Conferência Episcopal Portuguesa decidiu levar a votos a sensibilidade dos bispos quanto à possibilidade de os divorciados recasados poderem comungar. Sendo um homem do pensamento, colocava a lei e as normas no seu devido lugar. A pessoa concreta está primeiro.

Ainda agora nos deixou. E já está a fazer muita falta ao país, ao pensamento, em primeiro lugar aos amigos e a todos os que viam nele uma âncora. “Há que fazer sempre o discernimento com os sinais do tempo, assumir os desafios da cultura e estar sempre atento ao sopro imparável do Espírito”, disse naquela tarde na Torre dos Clérigos. Sendo António Francisco isto tudo e tudo o que isto implica, vai ser difícil substituí-lo na Igreja em Portugal. A ala do diálogo, dos que estão com Francisco, o Papa, perdeu um protagonista. Fica a esperança do bispo: “a revolução é mesmo imparável, mas vai precisar de muito tempo para se fazer”.

* Papa Francisco - A Revolução Imparável (Manuscrito), de António Marujo e Joaquim Franco

Fonte: SICNOTICIAS

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