sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Comentário da Semana: Fatiando a crise política no Brasil – a parte que cabe à cobertura política

Jornalistas Renata Lo Prete (em pé), Gerson Camaroti, Cristiana Lôbo e Merval Pereira

Mariana Rosa
Mestranda no POSJOR e pesquisadora do objETHOS

Uma das vinhetas veiculadas pelo canal Globo News para destacar a pauta política neste ano mostra a imagem de uma bandeja sendo servida por um garçom acompanhada, ao fundo, da reprodução de uma fala da comentarista Renata Lo Prete que faz referência a um dos trechos da gravação do senador Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que veio a público em maio de 2016. “Todo mundo na bandeja pra ser comido”, foi o que disse o ex-ministro na época, em referência aos políticos investigados pela operação Lava Jato. No entanto, se tomássemos tal imagem para pensar as relações entre a crise política no Brasil e a cobertura jornalística, podemos dizer que os jornalistas que acompanham diariamente os chamados “bastidores do poder” teriam seus lugares sentados à mesa, prontos a esmiuçar o tema?

Abstenho-me de inferir, aqui, se a imprensa brasileira entrou ou não no “grande acordo nacional” sugerido pelo ex-ministro na referida gravação. Mas proponho uma breve provocação a respeito de como, pactuada ou não, a cobertura política, da forma como vem sendo feita de modo convencional nos principais veículos do país, colabora para alimentar os mesmos políticos que estão na mira da vez – em vez de comê-los, tomando emprestada a metáfora de Jucá. Isso acontece porque tudo que costuma se apresentar como cobertura política nesses espaços se refere, na verdade, a uma cobertura dos políticos com enfoque nos seus respectivos interesses.

A ideia da representação política como um espaço onde tudo o que está em jogo são os interesses particulares dos indivíduos – que teria seu exemplo máximo nas situações de corrupção – se reforça sutilmente cada vez que os jornalistas abordam o tema a partir dos bastidores e limitam suas análises à leitura das estratégias que ali se estabelecem e das suas consequências para o que costumam denominar de “mundo político”. O “mundo político” nada mais é do que o mundo das posições de poder no meio político. E, para além do poder, quais são as consequências dessas tomadas de decisão para o conjunto da sociedade? O jornalismo que se propõe tem por objetivo servir ao poder ou à sociedade?

Fica quase sempre esvaziada a dimensão coletiva do processo político e o reflexo dessas decisões para a vida dos cidadãos. Matérias que afetam diretamente o cotidiano de cada um de nós – por exemplo, em âmbito local: a alteração do zoneamento de uma área, a troca do comando de uma determinada pasta, a aprovação do orçamento – costumam ser tratadas, simplesmente, como objeto de disputa em uma cansativa briga entre oposição e situação. No contexto nacional, essa mesma lógica fica evidenciada, por exemplo, ao se abordar as denúncias contra o atual governo, ou mesmo as iniciativas para barrar tentativas de Michel Temer de obstruir o pedido de investigação contra ele, como mero revanchismo por parte dos partidos de oposição – ao passo que, os movimentos de Temer são também entendidos nessa mesma esfera, denominados estratégias e, assim, avaliados como algo que pode dar certo ou dar errado, sem que destaque o caráter ilegítimo intrínseco aos atos executados por ele para conseguir barrar a investigação.

Depois de junho de 2013, muito se falou no “recado das ruas” para a política brasileira. Muitos comentaristas fizeram referências incansáveis ao suposto recado, inclusive como uma evidência do que se considerava uma fragilidade da presidente Dilma Rousseff – e, portanto, algo que justificava posteriormente um processo de impeachment instrumentalizado por interesses particulares de outros grupos de poder. Mas já nas eleições de 2014, quando os deputados eleitos representavam o oposto de muitas das bandeiras levantadas nas Jornadas de Junho, o recado das ruas se mostrava algo, no mínimo, dissonante. Se houver algo aí a ser capturado pela cobertura política – e o agravamento da situação com os acontecimentos de 2017 era o timing perfeito pra isso – seria justamente entender que, independentemente, das polaridades ideológicas que se manifestaram naquela conjuntura existe (ou, pelo menos, existia naquele momento) uma busca dos indivíduos por algum tipo de empoderamento e participação no processo político. Não é possível servir a dois senhores. A qual poder o jornalismo quer alimentar?

Fonte: OBJETHOS

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