sexta-feira, 2 de março de 2018

2 de Março de 2018 Temos encontro marcado com eles para os próximos anos

P
 
 
Ipsilon
 
Isto começou como uma reacção contra nós próprios.
Depois de um daqueles rituais do início do ano, o de olharmos para o que aí vem, para os filmes, para os discos, para os livros, para as exposições... e de sublinhar o que teremos à disposição, contemplámos o resultado: a edição de 18 de Janeiro de 2018. Foi aquela, da rentrée, como se diz, com “incontornáveis” escarrapachados na capa.
Quase logo a seguir a termos gostado, quisemos afastar-nos dela. O conjunto parecia uma série de segredos de Polichinelo. Vocês sabem e nós sabemos de quem se trata e de quem não podemos deixar de falar. É um pacto — se não fosse assim poderiam dizer que estávamos aqui a olhar para o umbigo. E no entanto... é coisa entregue de bandeja, consumo trazido a casa sem excessivo esforço e risco e sem o ainda maior prazer da descoberta.
A coisa andou a fermentar por aqui. Isto é, a inquietude. Que só podia ser aplacada se aumentássemos o índice de aventura, se colocássemos apostas nisto, se aumentássemos o risco de nos enganarmos — porque não há profecias.
Sentimos necessidade de avistarmos horizonte — para nós próprios. Foi o tempo de caminharmos. De irmos ter com “eles” em vez de “eles” virem ter connosco. Está aqui o resultado deste nosso “ao encontro de...” — diz algo sobre quem escreve, essa era também a aposta.

Esta edição especial, que quer funcionar como rima mas também contradição ou alternativa à edição de 18 de Janeiro de 2018, é publicada nos dias em que se comemora o aniversário do PÚBLICO. Não é coincidência. A data reforça a nossa implicação nas escolhas. Leiam como statement se quiserem. Mas, isto é importante, não leiam como lista de “novos talentos”. Nem substituam “novos” por “jovens”.
Se virem as idades — deparámo-nos com elas já no final, na fase de escrita dos textos —, começa nos 20 anos e ultrapassa os 40. Neste conjunto de perfis, há mais novos que já parecem veteranos, já andam por aí há tempo mas poucos os conhecem — gostaríamos que um maior número chegasse a eles. E há mais velhos que estão a dar por este dias passos de estreia (sim, geram entusiasmo por aqui, a sensação de folhear páginas novas, algumas até em tons de contracorrente), embora sejam conhecidos, por outros actos, do “grande público”.
Há quem — serão por isso descobertas a marcar 2018 — esteja à beira da edição de um disco ou livro e quem no dia da publicação deste suplemento inaugure uma exposição e, depois de aparição televisiva e tudo, se apresente em concerto com lotação já esgotada, hype ao rubro — esta sintonia, ou melhor, a ilusão de que se agarra algo durante a explosão, dá uma sensação de euforia, é verdade. Mas, e foi isso que nos levou a estas páginas, há prazeres de combustão mais lenta: percursos na fase de descoberta, ocupados ainda mais pelo desbravar de si próprios do que pela solicitação da atenção mediática, que nos fazem intuir que os vamos encontrar lá mais à frente. Foi a durée que nos interessou.
Não houve quotas de preenchimento obrigatório — descuidámo-nos, não indexámos propostas a um programa (foi mais sensual). Pode alguém dar-se ao trabalho de fazer contas e tirar conclusões. Mas relendo as histórias que contamos, a variedade de identidades e determinações que aqui se orgulham, este movimento, que diz algo sobre quem somos hoje, derrota (quanto a nós; logo dirão) a rigidez da contabilidade. Temos encontro marcado com eles para os próximos anos.

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