Venezuelanos que estudam ou estudaram na Universidade de Coimbra saíram do país sem intenção de regressarem. Em Portugal, encontraram solidariedade, mas também alguns bloqueios.
Enrique saiu da Venezuela há três anos. A situação no país "estava um bocado complicada", mas ainda ganhava dinheiro com a sua empresa, na área da informática. Foi a gravidez da sua mulher e as perspetivas de que tudo ficaria ainda pior que decidiu fazer as malas e "fugir", em abril de 2015.
Um conhecido seu já tinha sido alvo de sequestro e sentia que poderia ser o próximo. "O dinheiro até era suficiente, mas não havia medicamentos, não havia comida. Mesmo o pão já estava a faltar nas padarias", conta à agência Lusa Enrique, de 32 anos, que optou por não dar o seu nome completo.
"Simplesmente, fechei a empresa, deixei a casa fechada e vim", diz.
Ele e a mulher estão a frequentar o curso de português para estrangeiros na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) com o objetivo de ingressarem no próximo ano no ensino superior português.
Para viver, socorrem-se das poupanças que tinham e de algum trabalho 'freelance' de Enrique, refere.
"Portugal é quase como um cantinho de céu", sublinha o venezuelano, que escolheu Portugal pela familiaridade que já tinha com o país.
Quando a agência Lusa pergunta a Enrique se pretende regressar à sua terra natal, a mulher interrompe a conversa e diz, de forma taxativa: "Não, não, não, não".
A decisão de viver cá, vinca o venezuelano, "é irreversível. Não há nada para fazer na Venezuela".
"Os meus pais estão na Venezuela e ainda não conhecem a minha filha e nem vão conhecer, porque como são idosos não vão conseguir vir até cá e nós, em nenhuma circunstância, levamos a nossa filha à Venezuela", sublinha.
A sua turma inteira da universidade já está fora do país e, ao ir acompanhando as notícias, vê a situação a piorar cada vez mais.
No entanto, ao contrário de Enrique, tem uma visão mais otimista sobre a sua terra natal: "É um país bom e que tem que ir em frente. Não sei quando, mas em algum momento vai".
Por agora, está só a estudar português para conseguir dominar a língua, não tendo ainda planos para o futuro. "É como vocês dizem: logo se vê".
Eliana Vivas, a estudar medicina em Coimbra, saiu do seu país em 2012, pouco antes de Hugo Chávez, o antigo presidente, morrer.
"Como a situação na Venezuela estava a ficar preocupante e o curso de medicina é longo, tinha que ser a altura para sair do país", conta.
O pai, um madeirense que tinha um talho em Caracas, "já tinha sido assalto três vezes" no ano em que saíram do país, frisa.
Mesmo tendo demorado três anos a conseguir entrar em medicina em Portugal, continua a achar que a decisão de abandonar a Venezuela foi a correta. "Tenho colegas que começaram o curso antes do que eu [na Venezuela] e ainda não acabaram por causa das paragens nas faculdades".
Maurício Gomes, neste momento a trabalhar em Barcelona, chegou à Universidade de Coimbra em 2010, onde fez a licenciatura em jornalismo.
Filho de pai português, foi assistindo ao agravamento das condições de vida sempre que voltava à Venezuela, no verão. "Comecei a perceber as mudanças quando saía com os meus amigos. Se calhar, naquele primeiro verão de 2011, todos podiam pagar um café. Em 2012, havia um que não podia e em 2013 já eram dois ou três".
Em 2014, quando terminou o curso, o jovem venezuelano decidiu voltar ao seu país. "Ainda pensava que era possível. Ainda tentei experimentar como seria a minha vida profissional lá", conta.
Depois de assistir às barricadas da oposição nas avenidas e o Governo a "mandar os paramilitares" para a rua, decidiu ir para Espanha e começou um mestrado.
Mais tarde, a sua mãe e irmã acompanharam-no, ficando o pai na Venezuela, que não queria sair "para não voltar a ser emigrante: nasceu em Angola, foi retornado em Portugal, foi para o Brasil e depois acabou na Venezuela".
Em Barcelona, vai enviando comida ao pai, que está desempregado e que, pela primeira vez, viu o visto ser-lhe rejeitado, refere.
Muitos dos amigos de Maurício Gomes também saíram do país e quase ninguém tem ilusões sobre um possível regresso.
"Eu não tenho intenção de regressar, só se houver uma mudança política séria muito a longo prazo. Sinto muitas saudades e ainda penso o que teria sido a minha vida se tivesse ficado lá. É como se fosse uma ex-namorada em que pensas como teria sido se não tivessem acabado. Vou sempre sentir isso, mas não, não não. Não volto. Um dos meus maiores medos é voltar, nem para ir de férias", diz.
Lusa
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