A maioria das discotecas que atraíam multidões nos anos 1980 e 1990 na região Centro está hoje fechada, algumas em completo estado de abandono, e apenas sobrevivem na memória de quem as criou, lá trabalhou ou frequentou
Da Green Hill na Foz do Arelho à Hot Rio em São Pedro de Moel, ou mais a norte na Locopinha e Stressless (Praia do Pedrógão) até ao Pessidónio e Amnistia (Figueira da Foz) e à Mirassol na Praia de Mira; das noites de Coimbra que viram desaparecer casas como a Scotch e Via Latina até à Repvblica, em Castelo Branco, entre muitas outras, o roteiro varia em histórias para contar, mas não na mesma realidade: portas fechadas.
O complexo de piscinas de São Pedro de Moel, no concelho da Marinha Grande, inaugurado em 1967 pelo então presidente da República Américo Tomás, integrava a discoteca HotRio, que ganhou fama pelas noites de verão e pela vista sobre os tanques de natação, prancha de saltos e mar.
O espaço foi crescendo e mudando de identidade, passou a incluir três bares, mas foi a Hot_Rio (mais tarde chamou-se Caótica e Club In) que mais dinamizou a noite de uma das praias mais concorridas do distrito de Leiria. Em 2013, face a dificuldades financeiras, todo o complexo encerrou, apresentando atualmente múltiplos sinais de degradação e vandalismo.
Vinte quilómetros a norte, outro destino de férias em pleno Pinhal de Leiria, a praia do Pedrógão viu nascer, no início de 1992, a Locopinha, que funcionou durante mais de uma década e cujo edifício, nos dias de hoje, ali se mantém, profundamente degradado.
A poucos metros de distância, em 1993, surgiu a concorrência da Stressless, que abria principalmente no verão, durante três meses, e depois, ao longo do ano, funcionava pontualmente: "Mas tinham de ser festas grandes, porque levava quatro mil pessoas", assinala Luís Miguel, que esteve ligado à gestão do espaço desde o primeiro dia e recorda que a discoteca "ainda hoje é lembrada pelas famosas festas da espuma".
Fechou definitivamente há seis ou sete anos e parece condenada: a tempestade Leslie arrancou-lhe parte do telhado e a chuva fez cair a cobertura de lã de rocha. Mas o destino estava traçado há muito, com a mudança nos critérios de licenciamento e horários dos bares, que ditou o fim da Stressless e de todas as discotecas da região, alega o antigo gestor.
Mais 70 quilómetros para sul, outra estância balnear (Foz do Arelho, concelho das Caldas da Rainha) e um relato de 30 anos de funcionamento ininterrupto aos fins de semana: a Green Hill abriu portas em 1980, numa colina com vista para o mar, tornou-se numa das discotecas mais movimentadas da zona Centro e hoje mais não é do que uma ruína degradada e grafitada de onde "roubaram tudo o que tinha valor, desde as portas aos alumínios", disse à Lusa João Marques, agente imobiliário que tem à venda o imóvel por cerca de 1,3 milhões de euros.
Já Gui Caldas, DJ que ali trabalhou nos anos 80 e 90, recorda a discoteca que se tornou um verdadeiro ícone da vida noturna nacional e "atraia gente de todas as partes do país".
"Fui eu que inaugurei a pista dois", lembra, convicto de que "ali se fizeram e desfizeram muitos casamentos". Em 30 anos, acrescentou Gui Caldas, a Green Hill "nunca fechou um fim de semana", mesmo que "durante a semana se fizessem obras e à sexta-feira abrisse com a tinta ainda por secar".
Se em Leiria outras duas antigas discotecas suscitam imediatas recordações - a Império Romano, na Marinha Grande (distinta pela decoração inspirada no nome de batismo, com reproduções de estátuas do classicismo e jardim romano) e a Rio Mar, desenvolvida em 1976 pelo Grupo dos Amigos da Praia da Vieira de Leiria para ser uma casa de animação musical, mais tarde discoteca a poucos metros do areal - mais para o interior a 'febre' das discotecas também atingiu Tomar, onde em 1982 apareceu a Pim Pim.
"Foi uma novidade", que teve "grande impacto" numa região onde, na altura, "não havia grande oferta" para quem procurava um sítio para se divertir, recorda Manuel Graça, um dos DJ da discoteca com capacidade para 600 pessoas.
Apesar de ter durado apenas cerca de uma década, e de, pelo meio, ter adotado outro nome, a Pim Pim "ficou sempre na memória", argumenta Manuel Graça, o que levou, em 2011, noutro local - o espaço deu entretanto lugar a uma igreja - à realização de uma festa "Remember" que atrai milhares de pessoas e que em junho cumpre a nona edição.
Nos arredores de Castelo Branco, dava cartas a Repvblica, um megaprojeto do empresário António Mata, que ali investiu, desde 1992, cerca de 800 mil contos (a preços de hoje, 7,4 milhões de euros), mas que sucumbiu à concorrência, em 2006, com a abertura de um espaço de bares no centro da cidade.
Anos antes, em 1984, António Mata tinha inaugurado o Jimmy's Club, também fora da cidade, que durante 10 anos funcionou todos os dias da semana e fins de semana. Foi vendido em 1994 e hoje é uma casa de alterne.
Na Guarda, na década de 80, as discotecas Black & White e Tequilla eram duas das referências, mas ambas fecharam: a primeira chegou a acolher a Casa do Benfica, hoje serve uma garagem e um pronto-a-vestir, a segunda é um restaurante.
De regresso ao litoral, na Praia de Mira, distrito de Coimbra, o nome da Mirassol ainda perdura num edifício virado para a Barrinha, pintado em tinta desbotada na parede branca, mas a discoteca "cessou de existir", como refere um dos antigos donos.
Ponto de encontro de gerações de veraneantes, palco de noitadas e de amores de verão, a Mirassol "teve o seu tempo", resume António Pires, que ali conheceu a mulher numa noite de agosto. A "discoteca da moda" na Praia de Mira cheirava a cerveja, bronzeador e "outros produtos" consumidos por uma mistura de jovens da região, emigrantes de férias e estrangeiros que acampavam nas florestas em redor.
Mais a sul, a Figueira da Foz sempre se assumiu na vanguarda de casas de diversão noturna, coexistindo ao longo dos anos várias discotecas (como o Bergantim ou a Flashen, entre outras) repletas de clientes, especialmente no verão e fins de semana, e hoje todas encerradas.
Na cidade, no verão de 1969, abriu um espaço único a nível nacional, o Pessidónio, que chegou a cumprir 40 anos em 2009 - um mural à porta resiste para o provar - mas também encerrou.
O Pessidónio bebia da filosofia muito própria do proprietário, o carismático Ruy Montargil, antigo campeão de patinagem e piloto de automóveis (falecido em 2014, aos 96 anos), que emprestava patins aos clientes para que estes deslizassem, ao som da música, numa das pistas da discoteca, e se assumia, ora como porteiro impiedoso, ora como motorista privativo, que levava a casa, a horas decentes, os filhos dos amigos e clientes habituais.
A discoteca desafiava leis e regulamentos, desenvolvendo-se em cascata, repleta de degraus, colunas forradas a tecido felpudo, diversos recantos à média ou pouca luz e um bar acessível por um escorrega de madeira.
No final dos anos 80, num local que tinha sido uma fábrica de bonecas, surgiu um projeto distintivo, a Amnistia, projetada de raiz por um arquiteto, Pedro Maurício Borges, uma inovação "e ideia arrojada" na altura, que atraia arquitetos nacionais e estrangeiros, de Portugal ao Japão, lembra Carlos Lagoa, antigo sócio gerente.
Nas noites de sexta-feira, ao longo de cinco anos até ser vendida, o espaço onde sobressaíam "jogos arquitetónicos" - com uma passarela elevada sobre a pista, cujos degraus continuavam pelo balcão do bar ou casas de banho identificadas por paredes em tons de azul e rosa, o que resultou em pequenos incidentes - transbordava de gente, até de manhã.
Em Coimbra, o Scotch abriu portas em 1980, bar primeiro, depois discoteca, público "eclético" e escolhas musicais do pop ao reggae e rock nacional e estrangeiro, sendo "Bobby Brown", de Frank Zappa, a canção mais icónica e recorrentemente usada para fechar a pista de dança, contou à Lusa um dos antigos proprietários, Valdemar Simões.
O Scotch manteve-se na família de Valdemar até 1997, ano em que foi encerrado, face ao surgimento de bares com música de discoteca e a desregulamentação do horário de funcionamento, argumento repetido noutros locais.
A Via Latina foi a primeira discoteca a instalar-se na praça da República, hoje centro da noite de Coimbra, no final dos anos 80 e manteve-se até à viragem do século XX, lugar de eleição de estudantes durante a semana e ao fim de semana "do pessoal dito betinho de Celas e da Solum", lembra Francisco Silva, DJ residente entre 1995 e 2003.
Francisco olha com nostalgia para esses tempos, em que o próprio consumo da música era diferente: "A grande diferença daquela altura para agora é que muitas das músicas que passavam não davam na rádio e não havia suportes digitais para as ouvir. Fazia com que as pessoas sentissem ou vivessem muito mais os momentos quando saíam à noite".
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