A bondade internacional na assistência dos moçambicanos, particularmente aqueles que sentiram na pele os ciclones Idai e Kenneth, tende a esconder a responsabilidade que os países mais desenvolvidos tem nas Mudanças Climáticas. O Banco Mundial, doador e financiador do combate a pobreza, é também um dos grandes investidores dos combustíveis fósseis, principais destruidores da camada de ozono do nosso planeta, tendo colocado pelo menos 10 biliões de Dólares nas indústrias do carvão, petróleo e gás natural que operam no continente africano. No nosso país a instituição investiu no gás de Inhambane, no carvão de Tete e está agora a impulsionar o gás natural da Bacia do Rovuma. Questionado porque não investe em energias renováveis em Moçambique o presidente da instituição, David Malpass, disse “ainda estamos a procura” de projectos.
Se dúvidas existiam que Moçambique é um dos países mais vulneráveis às Mudanças Climáticas a tempestade tropical Desmond e os ciclones Idai e Kenneth mostraram que o calor que cada vez sentimos mais, a seca que se prolonga, as chuvas que acontecem em períodos diferentes são alguns dos sintomas de um planeta que está a adoecer há várias décadas.
A causa principal das mudanças no clima no nosso planeta são os emissões de gases que resultam da exploração de combustíveis fósseis como o carvão mineral, o petróleo e mesmo o gás natural. Moçambique é um caso paradoxal, é um dos mais afectados pelos fenómenos extremos da natureza que ocorrem com mais frequência e potencia devido às Mudanças Climáticas no entanto tornou-se num dos principais produtores de carvão mineral e está há poucos anos de tornar-se num dos maiores produtores de gás natural.
Embora em Dezembro de 2015 a maioria dos países do globo tenham acordado abandonarem a economia baseada em combustíveis fósseis para energia renováveis, numa tentativa de deter o aquecimento global e minimizar as Mudanças Climáticas, a verdade é que pouco tem sido feito principalmente pelos países mais ricos e pelas suas instituições de financiamento multilateral, particularmente pelo grupo Banco Mundial.
Uma análise da Organização Não Governamental alemã Urgewald apurou que o grupo financeiro conhecido pelo seu combate à pobreza disponibilizou 21 biliões de Dólares norte-americanos em empréstimos, subsídios, garantias bancárias e investimentos de capital à indústria de combustíveis fósseis, comparativamente a 15 biliões que investiu em projectos de energias renováveis. Pelo menos 10 biliões de Dólares foram direccionados à industria do carvão e petróleo em África, 4,5 biliões de Dólares só nos últimos 5 anos.
Em Moçambique o Banco Mundial apoiou a exploração do gás natural de Inhambane, as indústrias de carvão mineral em Tete, sem esquecer a poluente fundição de alumínio Mozal num montante que ultrapassa o bilião de Dólares norte-americanos. Depois de ter influencia os benefícios fiscais para a indústria do carvão a instituição foi catalizadora das revisões na legislação do petróleo que concedem inúmeros benefícios fiscais as petrolíferas que vão explorar o gás existente em Cabo Delgado.
“O ciclo de vida do gás natural é pior do que o do carvão” para o efeito estufa
O ambientalista moçambicano Daniel Ribeiro explicou ao @Verdade que o gás natural é tão ou mais maléfico para a camada de ozono que o carvão mineral, que os cientistas indicam ser responsável por 74 por cento de todas as emissões de efeito estufa. “Antes de assinarem o Acordo de Paris o foco era temos de acabar com a indústria do carvão (mineral), mas as indústrias são muito dependentes do carvão e procurou-se um outro combustível que pudesse substitui-lo, o gás natural foi visto como a solução”.
“Passou a usar-se o gás natural como combustível de transição (para as energias renováveis), mas não haviam muitos estudos” disse Ribeiro indicando que só “quando os políticos decidiram que o gás natural iria ser a ponte entre os combustíveis fósseis e renováveis começou a estudar-se o seu impacto ambiental”.
Daniel Ribeiro revelou que o impacto do gás natural, que os cientistas estimavam contribuir com 14 por cento de todas as emissões de efeito estufa, é muito maior do que se pensava: “O ciclo de vida do gás natural é pior do que o do carvão”.
“O Metano tem um efeito de estufa de 84 vezes mais forte que o Dióxido de Carbono. Embora o Dióxido de Carbono seja problemático em termos históricos, porque é muito estável e demora muito tempo a decompor-se, o Metano em termos de molécula na atmosfera é 82 a 86 por cento mais forte. Isso foi subestimado porque a temperatura é diferente em níveis diferentes da atmosfera”.
“O outro problema é que se subestimou o ciclo de vida, quando se extrai o gás natural há fugas e não existia forma de determinar quanto sai pelas fugas, optou-se por sensores entre pontos de gasodutos. Mas na extracção as válvulas reguladoras não selam completamente, existem fugas bem altas, contrariamente ao que se pensava”, disse o ambientalista revelando que “desde há cinco anos, usando satélites com lasers, começou a medir essas fugas, um estudo da Universidade de Harvard afirma que foram muito subestimadas as fugas nos Estados Unidos da América, por exemplo”.
Presidente do Grupo Banco Mundial afirma “ainda estamos a procura” de projectos de combustíveis e energias renováveis
Portanto Moçambique que já contribui para as Mudanças Climáticas através da indústria de carvão de Moatize e do gás de Pande e Temane deverá tornar-se ainda mais poluidor quando iniciarem as explorações de gás natural nas Áreas 4 e 1 da Bacia do Rovuma.
Em resposta escrita ao Consórcio Internacional de Jornalistas o porta-voz do grupo Banco Mundial disse que a análise da Urgewald reflete actividades passadas da instituição, “O Banco Mundial parou se apoiar o carvão mineral e está comprometido em suspender todos os financiamentos à indústria do petróleo e gás até ao fim de 2019”, acrescentou.
Porém o @Verdade questionou ao presidente do Grupo Banco Mundial, que esteve em Moçambique para ver o impacto do ciclone Idai, por que razões a instituição não investe em combustíveis e energias renováveis. David Malpass respondeu apenas “ainda estamos a procura” de projectos.
Contudo os financiamentos que o grupo Banco Mundial está a realizar para aumentar o acesso de energia para os moçambicanos baseiam-se na energia distribuída pela Electricidade de Moçambique que é cada vez mais proveniente de Centrais do poluente gás natural. Aliás a instituição admitiu que não apoia o projecto de desenvolvimento da Central Norte de Cahora Bassa ou a construção da barragem de Mpanda Nkuwa que seriam fontes de energia renováveis.
Em parceria com o Consórcio Internacional de Jornalistas
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