Cara nova da Europa. Tornaram-se mais nítidos traços de preocupação, sulcos de esperança, vislumbres de rumos diferentes. Apareceram mais visíveis depois que 427 milhões de eleitores foram às urnas para eleger 751 deputados (um terço dos quais mulheres), com mandato de cinco anos.
Preciso melhor. Às urnas, encerradas no dia 26 pp., foram bem menos, 50,82% do total possível, contudo a maior participação em 25 anos, revertendo tendência constante de queda desde 1979. Em 2015, o comparecimento foi de 42,6%. Agora pesou forte o temor da imigração desordenada e destrutiva, autêntica invasão; junto dele o da avalancha muçulmana. Para boa parte dos europeus, chegou a hora da reação. Sabem, a inércia é via para a morte da Europa como continente cristão e civilizado.
Reagir, sim, concordo, só mortos e moribundos não reagem. Mas o foco deve ser posto em outro ponto: como resistir e sob quais bandeiras? Se os europeus errarem aqui, abraçando escolhas falsas, a situação lá na frente aparecerá pior do que já está, agravada pela decepção e desespero. No fundo do panorama, em todos os cenários, percebe-se na bruma o olhar enigmático de Vladimir Putin.
Convém constar, em alguns países o eleitorado se mostrou pouco reativo. Por exemplo, Eslováquia (22,74%), Eslovênia (28,29%), República Checa (28,72%), Portugal (31,01%). As maiores porcentagens de comparecimento foram as da Bélgica (88,47%) e Luxemburgo (84,10%), Estados em que o voto é obrigatório, o que desnatura a amostra. Muita gente vota para não ser punida.
Da esquerda para a direita assim ficou a representação no Parlamento Europeu: Esquerda extrema (39 deputados, 5,19% dos votos); Esquerda Socialista (146 deputados, 19,44%); Verdes (69 deputados, 9,19%); Liberais (109 deputados, 14,51%); Democrata-cristãos (180 deputados, 23,97%); Conservadores (59 deputados, 7,86%); Direita eurocética — (54 deputados, 7,19%); Direita também eurocética — Europa das nações (58 deputados, 7,72%); Indeterminados (37 deputados, 4,93%).
Os grandes vitoriosos foram Marine Le Pen, Nigel Farage e Matteo Salvini, expressões da direita nacionalista, contrários à União Europeia, cujos partidos atingiram o primeiro lugar nas listas de seus países. Reunião Nacional de Marine Le Pen conseguiu 23,31%, o Brexit Party de Nigel Farage teve 31,71% dos votos, a Liga italiana 34,3%. As correntes nacionalistas, de forma muito geral, têm programa de defesa da vida, família, nação, propriedade privada, tradição, pautas conservadoras. Sob outro ângulo, propugnam por valores pátrios ameaçados pela posição libertária e universalista da União Europeia. O quadro se agrava com a Europa assolada por hordas de imigrantes, provenientes de países conflagrados na Ásia e na África.
Todo esse sentimento inconformado se fará agora representar com mais força no Parlamento Europeu, daí reverberando para os países membros. Suscita esperanças, pode representar ânimo novo para focos de resistências na Europa inteira.
Vou focar um assunto, que bate às portas da Europa e começo com olhar retrospectivo. Embora à primeira vista surpreendente, a configuração de hoje se parece com a situação europeia de 1815. Napoleão, que havia encarnado a Revolução, “le fils botté de la Révolution”, estava no chão. Persistiam, porém, por toda parte, ameaças contra os tronos, sustentáculos da ordem antiga. Diante do perigo revolucionário, as potências conservadoras vitoriosas, no caso especificamente Rússia, Áustria e Prússia, estabeleceram pacto de defesa comum, a Santa Aliança. Agiriam em concerto. Entre outros fatores, por diferenças de concepção, fundamentação doutrinária superficial e frouxa e choques de interesses ruiu logo a Santa Aliança. Em 1830, a França mudou de orientação e em 1848 a Europa foi sacudida por onda revolucionária.
Agir em concerto, era a primeira tarefa da aliança. Hoje também faz falta um programa comum e uma ação concertada. Mas como agir em concerto? Na Europa, existem violentos choques de interesses nacionais e há miríades de concepções, tantas vezes contraditórias, como cimento de sem-número de movimentos conservadores. Aqui se aninha uma debilidade genética de tais movimentos. Se a preocupação prevalente é a nação, o interesse nacional de cada uma tenderá a se chocar com o da outra em numerosas ocasiões.
Ademais, que relações manter com duas grandes potências, Rússia e Estados Unidos, com enormes interesses no caso? Os movimentos nacionalistas europeus têm divergências fundas quanto à posição vis-à-vis de Putin. O autocrata russo financia alguns e é aliado de outros, que o veem como esteio contra a revolução libertária na Europa. É possível confiar em uma potência que na América Latina é o grande apoio de Cuba e Venezuela, ditaduras comunistas? Não querer ver a ameaça russa e ter ilusões com Putin é o calcanhar de Aquiles do movimento conservador europeu.
Mais ainda, a política “America first” (pode ser traduzida como minha nação sempre em primeiro lugar) de Donald Trump facilmente pode levar à subestima dos deveres norte-americanos de defender a independência dos países europeus diante das ameaças russa e chinesa. Longe de Washington, próximo do cabresto de Pequim e Moscou. E muita gente na Europa fecha os olhos diante desse perigo que avança.
ABIM
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