sábado, 7 de maio de 2016

CABINDA, O CONTRASTE DE UMA NAÇÃO

A primeira vez que eu ouvi falar de Cabinda foi em numa aula de geografia no ensino médio no Brasil. A aula era sobre geopolítica no território africano e como é de praxe nós estudávamos sobre como a África era riquíssima em recursos naturais e com boa qualidade do solo para agricultura e, ao mesmo tempo, tinha a maioria da sua população vivendo em situação de extrema pobreza.

Marcelo de Medeiros*

Cabinda aparecia em uma espécie de rodapé do livro e ressaltava como a região era rica em petróleo, mas que era explorada basicamente pela ganância das petrolíferas estrangeiras e pelo próprio governo para financiar a vitória na guerra civil.

Cabinda é uma das regiões que tem o grande paradoxo dos países em desenvolvimento ao longo da história: são cidades ou províncias extremamente ricas, mas em que sua riqueza foi usurpada pelos colonizadores (ou pelas modernas multinacionais) e pela gananciosa elite local.

Foi assim na cidade de Potosí na Bolívia, riquíssima em prata e que foi explorada até a última grama desse valioso minério pelo império espanhol durante a colonização da América Latina entre os séculos XVI e XIX, deixando um saldo negativo de milhares de indígenas mortos devido às condições desumanas de trabalho e boa parte da população local na pobreza por causa do alto custo de vida derivada da actividade extractivista. Actualmente, Potosí é um das cidades mais pobres da região latino-americana.

A cidade brasileira de Ouro Preto também sofreu dessa atitude maléfica, pois todo o seu ouro e valiosos minerais foram drenados para Portugal e até hoje sofre os efeitos da super exploração e da desigualdade social advinda dessa prática colonialista.

Infelizmente, existem várias “Cabindas” ao redor do mundo, principalmente em África.

Actualmente, cerca de 70% das sociedades que vivem em situação de extrema pobreza no mundo possuem alguns factores em comum, sendo os dois principais a existência de uma guerra civil actual ou em um passado muito recente e a existência de recursos naturais que são explorados pela elite político-económica, aumentando ainda mais o abismo social entre a classe dominante e o restante da população. Lamentavelmente, Angola possui esses dois factores e isso explica em grande parte o desafio que o povo angolano terá para que o país cresça de forma justa e igualitária, ao mesmo tempo em que preserva o seu património natural.

Cabinda é o principal exemplo e reflexo dessa situação controversa já que a província garante a maior parte da produção de petróleo de Angola, principalmente na zona offshore, e possui boas reservas minerais, um óptimo solo para a agricultura e boas condições para a actividade pesqueira na costa da região. À primeira vista, quem lê a descrição da província pensa que por causa de toda essa riqueza de recursos ela é desenvolvida e detém excelentes índices de qualidade de vida, mas a realidade está bem distante desse quadro.

A abundância de recursos naturais contrasta com a falta de educação, saúde, segurança e empregos para a população, além dos graves impactos ambientais causados pela actividade petrolífera. Ao pensarmos nos motivos pelos quais a região tão rica de Cabinda possui uma população tão pobre em sua maioria, infelizmente chegamos à conclusão de que também existem duas outras coisas em abundância na província angolana: violência contra a população e corrupção no poder político-económico.

Mesmo alguns anos após o fim “oficial” da guerra civil em 2002, milhares de soldados angolanos permaneciam em Cabinda e praticavam crimes contra a população civil como práticas de torturas, detenções arbitrárias, casos de estupro contra mulheres, dentre outras barbaridades conforme relatos da divisão africana da Human Rights Watch. A intolerância política por meio da força policial também é vista nos casos de repressão em manifestações e comícios populares, além das prisões arbitrárias e aparentemente sem fundamentos de pessoas dissidentes do actual governo.

Tal brutalidade, característica de uma ditadura e não de um Estado democrático e que está presente em todo o território angolano, foi duramente criticada em um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, no qual se relata várias violações dos direitos humanos praticados pelo governo angolano. Dentre as prisões absurdas praticadas pelo regime do presidente José Eduardo dos Santos, destaca-se a do jornalista Rafael Marques que fez grandes investigações denunciando esquemas de corrupção ligando o presidente e sua família com empresas petrolíferas.

Vale ressaltar também que existem outras formas de violência além das físicas: um jovem angolano ser privado de estudar e trabalhar, o alto custo de vida de Cabinda, a má qualidade do sistema de saúde e todas as privações que a população sofre constantemente são também formas de violência, e essas, caros leitores, podem ter efeitos devastadores para o futuro de uma nação.

O segundo ponto é o mais importante: a corrupção, alimentada pela exploração e comercialização do petróleo, é quem alimenta toda essa repressão e desigualdade social. Toda a máquina de influência política e repressiva do actual governo, e obviamente a manutenção do poder do actual presidente, é financiada maioritariamente pela petrolífera estatal Sonangol, que detém a concessão para a produção de petróleo no país e que cede à petrolíferas internacionais a operação em vários blocos, por meio de grupos empresariais empreiteiros.

Desde o começo da exploração do petróleo em Angola as empresas estrangeiras se fazem presentes na actividade ganhando lucros inimagináveis às custas de acordos com o Estado, enquanto o país vivia uma sangrenta guerra civil em boa parte do tempo. Não foi à toa que as primeiras grandes reservas deste combustível fóssil foi descoberta pela empresa americana Gulf Oil em Cabinda no ano de 1966. De lá para cá esta relação “amigável” entre multinacionais estrangeiras e governo vem se intensificando cada vez mais gerando receitas financeiras vultuosas para ambas as partes.

Um caso emblemático de como as petrolíferas estrangeiras tem poder quase absoluto na região de Cabinda é o da petrolífera Chevron. A situação foi muito bem retratada pelo jornalista Carlos Narciso em 2005, o qual descreve como a multinacional era praticamente dona da área do Malongo, onde sua base administrativa e de armazenamento dos tanques de crude era patrulhada até por um batalhão policial e duas unidades militares (essas forças não deveriam cuidar da segurança da população em vez de vigiar barril de petróleo?). A Chevron também detinha o poder na zona marítima, na qual era proibida até a actividade pesqueira da população. Um verdadeiro absurdo e caso concreto de como a indústria do petróleo angolana não beneficia a sua população.

No fim de 2011, a Sonangol concedeu a algumas empresas petrolíferas o direito de explorar a camada de pré-sal angolano em 11 blocos por meio de contratos. Estima-se que com a exploração do pré-sal a vida útil das reservas de petróleo no país foi aumentada para 50 anos. Se a situação permanecer assim, serão mais 50 anos de exploração estrangeira com várias regalias.

Uma das empresas que ganhou concessão para a exploração de 4 blocos do pré-sal foi a BP, a mesma empresa que causou o maior desastre ambiental dos EUA pelo derramamento de petróleo no Golfo do México em 2010. Num país que possui uma fiscalização ambiental frágil e os órgãos estatais são alinhados com as multinacionais, tal facto desperta certa apreensão, pois o método de extracção de petróleo nessa camada exige uma tecnologia avançada e qualquer erro que ocasione um vazamento será de grandes proporções negativas.

Talvez um dos maiores exemplos de como funciona o esquema de corrupção para a exploração de petróleo em Angola é o caso da Cobalt. Em 2012, a petrolífera norte-americana descobriu uma enorme reserva de petróleo na zona marítima do país e como condição imposta pelo governo angolano, a Cobalt recebeu o direito de exploração contanto que mais 2 pequenas empresas angolanas participassem da operação.

Uma empresa era a Nazaki oil and gás, cujo capital em parte pertencia à Manuel Vicente – actual vice-presidente de Angola – e a dois generais próximos do presidente Eduardo dos Santos.

Precisa falar mais alguma coisa? Corrupção pura! Este caso de corrupção está sendo investigado pela agência reguladora dos mercados financeiros dos Estados Unidos. A Cobalt alega que não sabia de nada.

A corrupção parece estar inserida em todo o sistema político e económico de Cabinda. No ano passado, fortes indícios de que a governadora da província, Aldina Matilde da Lomba Catembo, estava promovendo o enriquecimento de familiares com fundos públicos, além de colocá-los em posições de alto escalão criando uma espécie de elite na região, fez com que a população exigisse sua exoneração imediatamente. Tais fundos que enriqueciam a família da governadora são alimentados por qual actividade económica? Actividade de exploração petrolífera.

É preciso urgentemente acabar com esse vínculo nefasto de corrupção entre governo e petrolíferas em Angola. A indústria do petróleo e todo o seu arcabouço estão colocando em perigo a real democracia e o desenvolvimento sustentável em Angola. O povo angolano precisa acordar para o assunto, virar a página da história e adoptar as fontes energéticas não poluentes, além de acelerar a diversificação da economia para sair desta situação tão lastimável, pois, com certeza, a população deste país tão belo e rico não merece passar por mais sofrimentos.

(*) Activista climático brasileiro e colaborador do ClimateTrackerProgram

Folha 8

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