domingo, 3 de julho de 2016

A Educação é um Património Familiar

Imagem:projectoeducativomunicipal
Os pais convencem-se com frequência de que a educação, a partir dessa altura, diz respeito à professora ou ao professor, mas na realidade ficam muito menos alarmados com uma nota de mau comportamento do que em face de uma má classificação. Têm muita vivacidade – pensa-se -, é a idade, depois tornar-se-ão sensatos. E, entretanto, os anos passam, os filhos alcançam a idade adulta, e a educação aprendida no sentido escolar do termo, resulta automaticamente num facto realizado. Ou se aprendeu essa educação, ou então é demasiado tarde; ou se cresceu como pessoa educada, ou, pelo contrário, não há mais nada a fazer. Mas a educação não acaba na escola, não é um aspecto limitado aos anos da juventude ou sujeito a autoridade, sem que se possa ou não desejá-lo. A educação não é, sobretudo, um conjunto de normas de boas maneiras a introduzir no comportamento de uma criança quando esta tem de começar a sua vida independente. É, sim, qualquer coisa de muito mais válido do que uma camada superficial ou uma máscara externa feita de hipocrisia ou de afectação.
A demonstrar, pois, quanto pode ser importante a educação na nossa vida, e como é diferente ou independente do grau de instrução ou dos diplomas de estudo de que se faça ostentação, diremos que é um dos elementos da nossa personalidade.
Cada um tem a este respeito a sua própria interpretação, adaptada à sua própria sensibilidade, transformando-a em qualquer coisa que apresenta em cada instante uma fisionomia nova. Essa interpretação torna-se pessoal.
Duas pessoas educadas nunca o são da mesma maneira. A educação transforma-se numa manifestação do nosso carácter, torna-se o reflexo da nossa índole, ajuda-nos no nosso comportamento. Nisto consiste uma parte da nossa personalidade.
A educação impõe-se a todos. É um compromisso moral que cada um de nós tem para consigo próprio, para com a família ou para com o próximo que faz parte da sua mesma vida. Poderemos defini-la como um hábito mental que se limita e submete ao respeito pelo mundo que vive à nossa volta, onde se encontram num mesmo plano com os mesmos valores, não só coisas que parecem importantes, mas também tudo quanto tem razão de ser. Não há, portanto, uma idade para a educação, ou melhor, não se pode dizer que existe um limite de tempo dentro do qual se tenha ou não a possibilidade de ser ducado. Se para os jovens pode ser considerado como matéria de estudo, a educação continua a ser também para os adultos um assunto a conhecer a fundo, a aprofundar um pouco todos os dias através da prática.
Cada época pode dar-nos uma diferente explicação do que é a educação. A verdade é que se este conceito se modifica e seria absurdo mante-lo condicionado a regras imutáveis. O nosso século apregoa também a plena reivindicação de um dos direitos fundamentais do homem: a liberdade. Esta, porém, não deve ser interpretada como uma espécie de autoritarismo individual de que alguém se possa valer sem nenhuma responsabilidade. A liberdade individual do nosso tempo exige um recíproco reconhecimento desta prerrogativa. É preciso sentirmo-nos livres quanto ao que nos diz respeito e quanto ao que nos pertence. Esta liberdade tem, portanto, de ser orientada de modo que não se transforme em egoísmo, e a educação deve actualizar-se para se adequar à vida moderna. O mundo tornou-se maior, ampliou as nossas relações até onde noutros tempos se fechavam os círculos das diversas classes sociais, e a educação surge como uma necessidade que não pode ser desprezada.
O essencial está em esclarecer que não se trata de um privilégio ou de um atributo das pessoas mais afortunadas, mas simplesmente de uma faceta de mérito daqueles que tem boa vontade e muita sensibilidade.
O que mais há a censurar às gerações mais novas, é o facto de serem tão pouco educadas. Quando se procura averiguar as razões de tal inconveniente, facilmente se culpa a mudança do sistema de vida. Hoje, a família perdeu o seu carácter de intimidade que a fazia um centro irradiante de educação. A vida, especialmente nas grandes cidades, conduz, com efeito, a uma maior dispersão, as ocasiões para as pessoas se reunirem são ali sempre mais raras, e o tempo e a disposição para educar os jovens faltam com frequência. É preciso, portanto, reafirmar a necessidade de reeducar a família, a importância de voltar aos hábitos talvez já esquecidos, e que qualquer jovem ousará classificar como «antiquados».
É preciso também reconstruir o lar doméstico nas suas bases tradicionais, regressar a casa de modo a que todos se possam sentar á mesa em conjunto e despertar ou criar nos jovens o respeito pela família. Só assim poderão tornar-se adultos com uma rigorosa consciência do que é o conceito de educação e viver genuinamente a tradição familiar.
Um dos aspectos principais na vida dos jovens é a sua educação. É ao pai e à mãe que compete o problema de velar pelo seu desenvolvimento, saúde e educação, embora por vezes um deles preferisse deixar a cargo do outro esta difícil tarefa. Depois de os filhos já estarem crescidos, vão à escola, e começa-se a falar com mais insistência de instrução, uma palavra que faz pensar em tantos livros, em tantas coisas a orientar.
A alma humana é realmente um dos problemas mais transcendentes que se apresentam ao homem para conhecer e resolver, que mais não seja no âmbito da educação.
Dewey afirma que a educação é «a soma total dos procedimentos por meio dos quais a sociedade transmite às novas gerações as suas forças, capacidades e ideias com o fim de assegurar a sua própria existência e evolução».
Não basta viver para educar-se. A vida é multiforme, tem aspectos bons e maus, benéficos e nocivos. A educação não é, portanto, apenas vida, mas sim vida orientada para os valores e ideias que elevam e dignificam o homem.
A educação não se confunde com o simples desenvolvimento ou com a mera adaptação. A educação é formação completa da personalidade, através do desabrochamento integral das suas virtualidades físicas, intelectuais e morais.
Educar é, antes de tudo, formar de acordo com um ideal. “Quando educamos”, dizia Spalding, “do mesmo modo que quando marchamos, temos em vista um fim. Em educação esse fim é um ideal: o ideal da perfeição humana”.
A educação, sendo um processo vital de formação e aperfeiçoamento do homem, deve abranger todas as virtualidades da sua natureza.

 Joaquim Carlos*
*Jornalista
NB: O presente artigo foi publicado no jornal “O Comércio do Porto” em edição de 11 Abril de 1994, sendo agora alvo de ligeiras correcções.


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