"A China irá reagir se provocada novamente. Está-se a arriscar uma guerra"
Andre Vltchek [*]
Alessandro Bianchi - Começo com uma pergunta brutal: em que se tornou um país que propõe Donald Trump como seu "melhor candidato"'?
AV - Não é muito diferente do país que costumava ser há décadas, até há séculos. Desde o início, os presidentes dos Estados Unidos (todos de stock europeu, claro), promoveram a escravidão, campanhas de extermínio contra a população nativa da América do Norte, bárbaras guerras de agressão contra o México e outros países da América Latina, Filipinas, etc. Mudou alguma coisa agora? Duvido muito. Donald Trump é horroroso, mas ele também é honesto. Ambos os presidentes Clinton e Obama foram grandes oradores, mas impenitentes assassinos em massa.
AB - Numa pesquisa recente mais de 53% dos americanos estavam contra Hillary Clinton e Donald Trump. Quanto tempo mais se vai continuar a considerar os Estados Unidos uma democracia? E porquê, na sua opinião, é a abstenção a única forma de "rebelião" de uma população completamente excluída das tomadas de decisão?
AV - "Democracia" significa nada mais que, "governo do povo", em grego. Não há nada de democrático nos conceitos políticos dos Estados Unidos e da Europa. E não há absolutamente nada democrático no "acordo global", através do qual o Ocidente tem governando sobre o resto do mundo durante décadas e séculos. A segunda parte, estou convencido, é muito mais importante, muito mais devastador. No Ocidente, as pessoas têm tolerado o seu sistema político insano em troca dos inúmeros privilégios que recebem nos seus países a partir da pilhagem do planeta e da violação de continentes e nações inteiras. Mas na África, Ásia e noutros lugares, essas pessoas, "não povo", não têm absolutamente nenhuma escolha.
AB - Bernie Sanders significa realmente a mudança que muitos na Europa têm descrito?
AV - Bernie Sanders é como aqueles membros liberais do Partido Nazi alemão durante a segunda guerra mundial, ou do movimento fascista italiano durante a Mussolini. Eles fariam socialmente muito pelos seus próprios trabalhadores e camponeses, enquanto os fundos estivessem fluindo dos países saqueados por seu imperialismo. Com Bernie Sanders, os trabalhadores ocidentais estariam definitivamente muito melhor, mas o resto do mundo, os "miseráveis da terra" mesmo assim teriam de pagar a fatura.
AB - O que aconteceria ao mundo sob a Presidência de Hillary Clinton?
AV - Nada de excepcional – as coisas permaneceriam idênticas: patrocínio de "revoluções coloridas" ou quaisquer outras "revoluções", mais alguns golpes, "mudanças de regime", direito de invasão, bombardeamentos, guerra de propaganda contra a China, Rússia, Irão, África do Sul e o que resta das revoluções latino-americanas. Haveria abundância de tortura nos centros "secretos", mas não seria tão anunciado e glorificado como se Trump fosse eleito. A terceira guerra mundial tornar-se-ia uma grande possibilidade, mas tal cenário é perfeitamente possível sob qualquer nova administração dos EUA... Para responder à sua pergunta: apenas negócios, como de costume.
AB - O que sentiu quando viu recentemente Obama falando em Hiroxima e não pediu desculpa pelo que foi feito pelo seu país, declarando quase sarcasticamente – como chefe da maior potência atómica do mundo – a esperança de um mundo sem armas nucleares?
AV - Eu sou completamente imune a tais discursos, você não? Embora, sim... de alguma forma Obama é muito mais nojento do que outros, porque ele é inteligente e "sabemos que ele sabe". Ele é completamente desonesto isso é claro. De alguma forma seria mais aceitável ver George W Bush vomitando sobre sushi. Trump: provavelmente declararia em Hiroxima que iria deitar bombas atómicas sobre metade da Ásia se isso ajudasse o Ocidente a manter o seu controlo sobre o mundo. Pelo menos é um que não dá lugar a falsas esperanças.
AB - Será que o crescente expansionismo dos EUA chegou a um ponto de ruptura e colisão com a China?
AV - Sim, chegará. Não tenho dúvidas sobre isso. A China é uma das maiores culturas da terra e é um dos países que sofreram imensamente, horrores colonialistas e humilhação. Os chineses sentem-se ultrajados. Ultrajados! Durante décadas, apesar de tudo, tentaram fazer a paz com o Ocidente. Eles são, de facto, a grande nação mais pacífica do mundo e o que ganham em troca? Insultos, provocações e intimidação.
O público ocidental deve aprender e lembrar-se de algo essencial sobre a China: não importa o que a propaganda europeia e norte-americana debita sobre a República Popular, a China é muito mais "democrática" do que o ocidente. É democrática à sua própria maneira. Há milhares de anos, desenvolveram o seu próprio sistema político. Aos seus governantes, não importa quem sejam, é-lhes dado pelo povo um direito condicional para governar. No passado, mas até agora é chamado "mandato Celestial". Se os governantes não respeitarem a vontade do povo, eles serão depostos. E o partido comunista da China é muito respeitador dos desejos da maioria do povo chinês. Quando eles querem reformas liberais, elas são entregues. Quando eles querem mais comunismo e uma luta épica contra a corrupção, como agora, o governo da China imediatamente reage. É poderoso e democrático, embora num arranjo muito específico e complexo.
E agora, o povo chinês está indignado e envia sinais claros para Pequim: "não sucumbir perante o Ocidente". "Se o fizerem, a nossa nação sofrerá imensamente, e o resto do mundo ficará em cinzas". Entenda: o povo chinês é brilhante; o Ocidente não pode enganá-lo. Estão absolutamente fartos do imperialismo ocidental. Desta vez, se confrontados e provocados, o governo chinês terá de se render à pressão do seu povo: será forçado a dar ordens para lutar – para defender sua pátria!
AB - Embora seja a NATO que está a levar as suas instalações mais para leste, na Europa o aparelho de comunicação social alimenta a fobia de uma Rússia agressiva. Quem beneficia por se espalharem esses sentimentos russófobos?
AV - Claro, o Império! Claro, a supremacia ocidental! O Ocidente! O povo russo sofreu imensamente com o imperialismo ocidental. Ao longo da sua história, lutaram contra incontáveis invasões lideradas por franceses, escandinavos, ingleses, norte-americanos, alemães, polacos, checos e outros. Dezenas de milhões de russos morreram lutando contra todos os tipos de expansionismo ocidental. Eles derrotaram o nazismo. Eles ajudaram muito a libertar o nosso mundo do colonialismo. Claro, o Ocidente nunca perdoou à Rússia por lutar batalhas épicas contra o expansionismo e o colonialismo.
Mas é não é apenas a propaganda europeia e norte-americana, que é responsável pelo atual estado de coisas: também é o povo, as pessoas absolutamente comuns que vivem no Ocidente.
A FALSA "ESQUERDA" EUROPEIA
Durante anos, a falsa "esquerda" europeia tentou retratar os cidadãos europeus como vítimas do imperialismo dos EUA. Ainda está tentando fazer com que o mundo sinta pena dos trabalhadores europeus por não terem um acordo justo com seus governos! É completamente absurdo. A esmagadora maioria dos cidadãos europeus está insatisfeita com o acordo social obtido, sim; e é por isso que estão tão furiosos com os seus governos. Porque querem mais, muito mais! Eles não se importam que seus benefícios, salários e outros privilégios, tenham sido, durante décadas e séculos "subsidiados" pela pilhagem de outras partes do planeta; pagos com sangue. Não há absolutamente nenhuma solidariedade no ocidente em relação às suas próprias vítimas e a recente 'crise de refugiados' é prova direta disto mesmo.
Frantz Fanon e Sartre já o tinham determinado há mais de 50 anos atrás, os cidadãos europeus são responsáveis (e têm beneficiado) pelos incontáveis genocídios e desenfreados roubos. Tem que ser repetido uma e outra vez: dar-se aos europeus "todos os benefícios que possam obter". Fazendo-os trabalhar menos horas e dando-lhes mais dinheiro, congratular-se-iam de modo hipócrita, indiferentes ao resto do mundo. A única razão por que muitos estão tão irritados com os EUA é porque vêem a América do Norte a promover um "mau negócio" para suas próprias massas, não porque estão arruinando o resto do mundo!
Então, voltando à Rússia... Na Rússia, apesar de seu intenso namoro com o capitalismo e alguns oligarcas bastante desagradáveis, continuam a construir a sua política externa com os ideais soviéticos do internacionalismo, da solidariedade e da lógica. E mesmo internamente, o Presidente Putin está lentamente, passo a passo, restaurando muitas realizações importantes soviéticas que foram torpedeadas por um imbecil e um gangster – Gorbatchov e Ieltsin. Não nos esqueçamos que sucessivas sondagens demonstram claramente que mais de 50% dos cidadãos russos ainda desejam quer o socialismo quer a URSS de volta. E o governo russo escuta-os.
A oeste, tanto as elites (conscientemente) como o comum das pessoas (inconscientemente) querem que a Rússia vá para o inferno; desapareça, seja submersa ou vá explodir. Trata-se de a Rússia estar mais uma vez defendendo o humanismo em todo o mundo. Se for bem-sucedida, as elites perdem seu poder sobre o planeta, e os "cidadãos comuns" do Ocidente irão perder seus privilégios; a pilhagem teria de parar, e a vida de um africano ou asiático de repente ganharia o mesmo valor que de um europeu ou norte-americano. E isso seria realmente "inaceitável"!
Além disso, Rússia e China tornaram-se dois grandes aliados. Nunca estiveram tão divididos como durante os anos da guerra fria. A Rússia e a China juntas não podem ser derrotadas militar, económica ou moralmente. O Ocidente só pode tentar destruí-los internamente, através de séries de horrorosos truques, propaganda e mentiras tóxicas. Mas agora até este cenário é improvável. O povo russo, como seus camaradas chineses, está bem ciente do que está acontecendo. E há dezenas de milhões de seus mártires que lhes lembram o que podem esperar do Ocidente.
Cercada e provocada, a Rússia mais uma vez está a transformar-se numa muralha monolítica de defesa. Seu povo está pronto! Quer a paz, acima de tudo. Mas se tiverem de lutar pela sua própria sobrevivência e para a sobrevivência do mundo, eles lutarão. E desta vez de novo, se houver um confronto, as duas nações enormes, Rússia e China, lado a lado, derrotarão o fascismo!
É por isso que a Rússia é odiada. É por isso que a China é odiada. Estes países estão a formar tremenda uma linha de defesa, protegendo a humanidade do terror ocidental.
AB - Desde o advento da chamada "Primavera árabe", que começou com um famoso discurso de Obama na Universidade do Cairo, em 2009, o Mediterrâneo Oriental tornou-se um barril de pólvora. Foi um plano externo – um plano de destruição dos Estados hostis aos governantes de Washington, como a Líbia e a Síria em particular, ou foi uma real busca pela democracia e liberdade?
AV - Ambos. Alguns movimentos socialistas no Egito, Tunísia e Bahrein, por exemplo, eram genuínos. Eu estava fazendo filmes sobre a chamada Primavera Árabe e estou ciente do quanto era realmente complexa a situação. Mas é preciso dizer que o Ocidente imediatamente se infiltrou e "desencaminhou" as revoluções, transformando-as no que você descreveu.
Lembre-se, o Ocidente não tinha absolutamente nenhuma vontade de arriscar os seus poderes ditatoriais sobre a área. Não tinha nenhum desejo de deixar a democracia e as forças revolucionárias assumirem o controlo dos seus países. Porquê? Veja, em escrutínios a maioria do povo árabe vê os Estados Unidos e Israel (definitivamente não o Irão ou a Síria) como o maior perigo para o mundo. Poderia você imaginar o que o povo árabe faria se uma verdadeira democracia saísse vitoriosa? Eles estariam ao lado da Rússia e da China, não do Ocidente. E atirariam as suas "elites" preparadas pelo Ocidente, diretamente pela janela.
AB - Está correto definir hoje Alepo como o "Estalinegrado da Síria" e "o cemitério dos sonhos fascistas de Erdogan", como afirma o presidente sírio Assad?
AV - Sim, é assim, pelo que temos afirmado ao longo destas linhas. Alepo, Homs... Sim. Eu escrevi sobre isso anteriormente, comparando a Síria a Estalinegrado.
AB - Qual a sua opinião sobre o cenário final para a Síria? Corre o risco de cristalização, como a situação de guerra fria-estilo entre os dois blocos – Damasco, Rússia e aliados regionais, por um lado e curdos com os Estados Unidos, por outro lado – e Raqqa, que se tornaria uma nova Berlim?
AV - Os planos ocidentais estão definitivamente a tentar fragmentar todo o Médio Oriente. Eles já o fizeram, em várias ocasiões históricas. Mas este é um novo capítulo. Eles jogam com os países árabes, como se fossem simplesmente algumas vacas leiteiras. Não há nenhuma consideração pelas vidas humanas, ou interesses nacionais locais. É porque o Ocidente, apesar de sua retórica hipócrita (politicamente correta) não considera realmente os não-brancos e não-cristãos como seres humanos. Você mata milhões de pessoas, que assim seja, destrói cinco Estados regionais; quem se importa?
"DIREITOS HUMANOS"
AB - Qual o papel, na sua opinião, das ONG de direitos humanos no atual contexto internacional?
AV - Até esse termo, "direitos humanos", põe-me doente. Você tem que realmente voltar a Fanon e a Sartre... Eles disseram tudo. Os direitos humanos são apenas para "humanos", portanto, para o Ocidente. Para o resto do planeta, os "direitos humanos" são usados para desacreditar os governos desconfortáveis, mesmo "hostis" através de inúmeros implantes como as ONG. Quem fala sobre as violações de direitos humanos reais, cometidos pelo Ocidente? Os europeus e norte americanos já massacraram centenas de milhões de pessoas. Foram saques, torturas e estupros. Mesmo agora, eles estão matando milhões diretamente e dezenas de milhões indiretamente. Mas isto não conta; Porque as vítimas não são brancas, portanto, não são humanos e em resultado não têm quaisquer direitos.
AB - Há 14 anos, o golpe de estado na Venezuela contra o presidente democraticamente eleito Hugo Chávez falhou e começou a saída dos EUA da América Latina. Pouco depois, os Estados Unidos invadiram o Iraque. Hoje a hegemonia no Mediterrâneo Oriental tropeça e Washington usa todas as armas à sua disposição para retornar à América Latina. Tem, na sua opinião, o Presidente Rafael Correa razão quando diz que estamos diante de um novo plano Condor na região?
AV - Definitivamente! O camarada Rafael Correa tem razão a maioria das vezes. Esta é a nova ofensiva "final" do Império na América Latina. Acabo de regressar da Argentina, Brasil, Paraguai; o que está acontecendo lá é absolutamente horrível. O Império está tentando liquidar quer os BRICS quer todas as revoluções latino-americanas.
AB - Se for o caso, tendo em conta o que aconteceu também no Brasil, Equador e Bolívia, que técnicas estão sendo usadas hoje?
AV - O mesmo que antes, as mesmas técnicas que foram utilizadas contra, por exemplo, o Presidente Allende e a "Unidade Popular' no Chile, antes do golpe de 11/09/1973 orquestrado pelos EUA
O Ocidente está a apoiar, mesmo a financiar os media de direita, está a financiar a "oposição", incentiva a fuga de capitais de milhares de milhões de dólares, trabalha em estreita colaboração com as elites locais para criar défices, incerteza e desespero. Cria escândalos de corrupção, e ainda apoia falsos movimentos de "esquerda" contra o governo. E, claro, treina e corrompe alguns quadros militares chave.
AB - O futuro do mundo, oferece de momento dois caminhos possíveis: um o unilateralismo dos EUA, particularmente no caso da Presidência de H. Clinton, composto por áreas de tratados de comércio "livre" ao redor do mundo sobre o modelo NAFTA (tais como o TTIP na Europa), com milhões desesperadamente pobres como resultado, lucros apenas para as multinacionais e a destruição planeada de todos os países que se rebelam contra essa visão (estilo Líbia e Síria); ou, a segunda possibilidade: um período de multilateralismo, o respeito pela soberania, a autodeterminação e a paz, se prevalecer o projeto alternativo ao "consenso de Washington", que seria o dos BRICS e o da integração regional na América Latina, projetado e construído por Chávez, Lula e Kitchener. E qual dos dois pontos de vista irá prevalecer, na sua opinião?
AV - Haverá grandes batalhas travadas para o futuro do mundo! Os próximos anos serão muito difíceis. Relativamente ao segundo cenário, para vencer, o mundo teria voltar ao ponto onde a luta pela independência e contra o imperialismo e colonialismo ocidental foi perdida ou abandonada há mais de 50 anos. Vamos encarar a situação: o mundo nunca foi na realidade completamente descolonizado. Seria total hipocrisia pretender o contrário.
Uma das visões populares em círculos de esquerda do Ocidente é que na verdade "todos somos vítimas do capitalismo". Eu discordo. Este capitalismo selvagem global é apenas um dos mais terríveis subprodutos da cultura ocidental dominante da ganância, racismo, brutalidade e desejo desenfreado de controlar o mundo. O mundo ainda está sendo agredido pelos dogmas da supremacia ocidental/branca/cristã e pelas práticas dos mais primitivos e fundamentalistas "princípios".
A verdade tem de ser revelada. Se o Ocidente insiste em continuar pressionando, as batalhas terão que ser travadas. E elas serão travadas. E as forças do internacionalismo, humanismo e solidariedade terão de sair vitoriosas ou em breve nada restará da raça humana.
AV - Não é muito diferente do país que costumava ser há décadas, até há séculos. Desde o início, os presidentes dos Estados Unidos (todos de stock europeu, claro), promoveram a escravidão, campanhas de extermínio contra a população nativa da América do Norte, bárbaras guerras de agressão contra o México e outros países da América Latina, Filipinas, etc. Mudou alguma coisa agora? Duvido muito. Donald Trump é horroroso, mas ele também é honesto. Ambos os presidentes Clinton e Obama foram grandes oradores, mas impenitentes assassinos em massa.
AB - Numa pesquisa recente mais de 53% dos americanos estavam contra Hillary Clinton e Donald Trump. Quanto tempo mais se vai continuar a considerar os Estados Unidos uma democracia? E porquê, na sua opinião, é a abstenção a única forma de "rebelião" de uma população completamente excluída das tomadas de decisão?
AV - "Democracia" significa nada mais que, "governo do povo", em grego. Não há nada de democrático nos conceitos políticos dos Estados Unidos e da Europa. E não há absolutamente nada democrático no "acordo global", através do qual o Ocidente tem governando sobre o resto do mundo durante décadas e séculos. A segunda parte, estou convencido, é muito mais importante, muito mais devastador. No Ocidente, as pessoas têm tolerado o seu sistema político insano em troca dos inúmeros privilégios que recebem nos seus países a partir da pilhagem do planeta e da violação de continentes e nações inteiras. Mas na África, Ásia e noutros lugares, essas pessoas, "não povo", não têm absolutamente nenhuma escolha.
AB - Bernie Sanders significa realmente a mudança que muitos na Europa têm descrito?
AV - Bernie Sanders é como aqueles membros liberais do Partido Nazi alemão durante a segunda guerra mundial, ou do movimento fascista italiano durante a Mussolini. Eles fariam socialmente muito pelos seus próprios trabalhadores e camponeses, enquanto os fundos estivessem fluindo dos países saqueados por seu imperialismo. Com Bernie Sanders, os trabalhadores ocidentais estariam definitivamente muito melhor, mas o resto do mundo, os "miseráveis da terra" mesmo assim teriam de pagar a fatura.
AB - O que aconteceria ao mundo sob a Presidência de Hillary Clinton?
AV - Nada de excepcional – as coisas permaneceriam idênticas: patrocínio de "revoluções coloridas" ou quaisquer outras "revoluções", mais alguns golpes, "mudanças de regime", direito de invasão, bombardeamentos, guerra de propaganda contra a China, Rússia, Irão, África do Sul e o que resta das revoluções latino-americanas. Haveria abundância de tortura nos centros "secretos", mas não seria tão anunciado e glorificado como se Trump fosse eleito. A terceira guerra mundial tornar-se-ia uma grande possibilidade, mas tal cenário é perfeitamente possível sob qualquer nova administração dos EUA... Para responder à sua pergunta: apenas negócios, como de costume.
AB - O que sentiu quando viu recentemente Obama falando em Hiroxima e não pediu desculpa pelo que foi feito pelo seu país, declarando quase sarcasticamente – como chefe da maior potência atómica do mundo – a esperança de um mundo sem armas nucleares?
AV - Eu sou completamente imune a tais discursos, você não? Embora, sim... de alguma forma Obama é muito mais nojento do que outros, porque ele é inteligente e "sabemos que ele sabe". Ele é completamente desonesto isso é claro. De alguma forma seria mais aceitável ver George W Bush vomitando sobre sushi. Trump: provavelmente declararia em Hiroxima que iria deitar bombas atómicas sobre metade da Ásia se isso ajudasse o Ocidente a manter o seu controlo sobre o mundo. Pelo menos é um que não dá lugar a falsas esperanças.
AB - Será que o crescente expansionismo dos EUA chegou a um ponto de ruptura e colisão com a China?
AV - Sim, chegará. Não tenho dúvidas sobre isso. A China é uma das maiores culturas da terra e é um dos países que sofreram imensamente, horrores colonialistas e humilhação. Os chineses sentem-se ultrajados. Ultrajados! Durante décadas, apesar de tudo, tentaram fazer a paz com o Ocidente. Eles são, de facto, a grande nação mais pacífica do mundo e o que ganham em troca? Insultos, provocações e intimidação.
O público ocidental deve aprender e lembrar-se de algo essencial sobre a China: não importa o que a propaganda europeia e norte-americana debita sobre a República Popular, a China é muito mais "democrática" do que o ocidente. É democrática à sua própria maneira. Há milhares de anos, desenvolveram o seu próprio sistema político. Aos seus governantes, não importa quem sejam, é-lhes dado pelo povo um direito condicional para governar. No passado, mas até agora é chamado "mandato Celestial". Se os governantes não respeitarem a vontade do povo, eles serão depostos. E o partido comunista da China é muito respeitador dos desejos da maioria do povo chinês. Quando eles querem reformas liberais, elas são entregues. Quando eles querem mais comunismo e uma luta épica contra a corrupção, como agora, o governo da China imediatamente reage. É poderoso e democrático, embora num arranjo muito específico e complexo.
E agora, o povo chinês está indignado e envia sinais claros para Pequim: "não sucumbir perante o Ocidente". "Se o fizerem, a nossa nação sofrerá imensamente, e o resto do mundo ficará em cinzas". Entenda: o povo chinês é brilhante; o Ocidente não pode enganá-lo. Estão absolutamente fartos do imperialismo ocidental. Desta vez, se confrontados e provocados, o governo chinês terá de se render à pressão do seu povo: será forçado a dar ordens para lutar – para defender sua pátria!
AB - Embora seja a NATO que está a levar as suas instalações mais para leste, na Europa o aparelho de comunicação social alimenta a fobia de uma Rússia agressiva. Quem beneficia por se espalharem esses sentimentos russófobos?
AV - Claro, o Império! Claro, a supremacia ocidental! O Ocidente! O povo russo sofreu imensamente com o imperialismo ocidental. Ao longo da sua história, lutaram contra incontáveis invasões lideradas por franceses, escandinavos, ingleses, norte-americanos, alemães, polacos, checos e outros. Dezenas de milhões de russos morreram lutando contra todos os tipos de expansionismo ocidental. Eles derrotaram o nazismo. Eles ajudaram muito a libertar o nosso mundo do colonialismo. Claro, o Ocidente nunca perdoou à Rússia por lutar batalhas épicas contra o expansionismo e o colonialismo.
Mas é não é apenas a propaganda europeia e norte-americana, que é responsável pelo atual estado de coisas: também é o povo, as pessoas absolutamente comuns que vivem no Ocidente.
A FALSA "ESQUERDA" EUROPEIA
Durante anos, a falsa "esquerda" europeia tentou retratar os cidadãos europeus como vítimas do imperialismo dos EUA. Ainda está tentando fazer com que o mundo sinta pena dos trabalhadores europeus por não terem um acordo justo com seus governos! É completamente absurdo. A esmagadora maioria dos cidadãos europeus está insatisfeita com o acordo social obtido, sim; e é por isso que estão tão furiosos com os seus governos. Porque querem mais, muito mais! Eles não se importam que seus benefícios, salários e outros privilégios, tenham sido, durante décadas e séculos "subsidiados" pela pilhagem de outras partes do planeta; pagos com sangue. Não há absolutamente nenhuma solidariedade no ocidente em relação às suas próprias vítimas e a recente 'crise de refugiados' é prova direta disto mesmo.
Frantz Fanon e Sartre já o tinham determinado há mais de 50 anos atrás, os cidadãos europeus são responsáveis (e têm beneficiado) pelos incontáveis genocídios e desenfreados roubos. Tem que ser repetido uma e outra vez: dar-se aos europeus "todos os benefícios que possam obter". Fazendo-os trabalhar menos horas e dando-lhes mais dinheiro, congratular-se-iam de modo hipócrita, indiferentes ao resto do mundo. A única razão por que muitos estão tão irritados com os EUA é porque vêem a América do Norte a promover um "mau negócio" para suas próprias massas, não porque estão arruinando o resto do mundo!
Então, voltando à Rússia... Na Rússia, apesar de seu intenso namoro com o capitalismo e alguns oligarcas bastante desagradáveis, continuam a construir a sua política externa com os ideais soviéticos do internacionalismo, da solidariedade e da lógica. E mesmo internamente, o Presidente Putin está lentamente, passo a passo, restaurando muitas realizações importantes soviéticas que foram torpedeadas por um imbecil e um gangster – Gorbatchov e Ieltsin. Não nos esqueçamos que sucessivas sondagens demonstram claramente que mais de 50% dos cidadãos russos ainda desejam quer o socialismo quer a URSS de volta. E o governo russo escuta-os.
A oeste, tanto as elites (conscientemente) como o comum das pessoas (inconscientemente) querem que a Rússia vá para o inferno; desapareça, seja submersa ou vá explodir. Trata-se de a Rússia estar mais uma vez defendendo o humanismo em todo o mundo. Se for bem-sucedida, as elites perdem seu poder sobre o planeta, e os "cidadãos comuns" do Ocidente irão perder seus privilégios; a pilhagem teria de parar, e a vida de um africano ou asiático de repente ganharia o mesmo valor que de um europeu ou norte-americano. E isso seria realmente "inaceitável"!
Além disso, Rússia e China tornaram-se dois grandes aliados. Nunca estiveram tão divididos como durante os anos da guerra fria. A Rússia e a China juntas não podem ser derrotadas militar, económica ou moralmente. O Ocidente só pode tentar destruí-los internamente, através de séries de horrorosos truques, propaganda e mentiras tóxicas. Mas agora até este cenário é improvável. O povo russo, como seus camaradas chineses, está bem ciente do que está acontecendo. E há dezenas de milhões de seus mártires que lhes lembram o que podem esperar do Ocidente.
Cercada e provocada, a Rússia mais uma vez está a transformar-se numa muralha monolítica de defesa. Seu povo está pronto! Quer a paz, acima de tudo. Mas se tiverem de lutar pela sua própria sobrevivência e para a sobrevivência do mundo, eles lutarão. E desta vez de novo, se houver um confronto, as duas nações enormes, Rússia e China, lado a lado, derrotarão o fascismo!
É por isso que a Rússia é odiada. É por isso que a China é odiada. Estes países estão a formar tremenda uma linha de defesa, protegendo a humanidade do terror ocidental.
AB - Desde o advento da chamada "Primavera árabe", que começou com um famoso discurso de Obama na Universidade do Cairo, em 2009, o Mediterrâneo Oriental tornou-se um barril de pólvora. Foi um plano externo – um plano de destruição dos Estados hostis aos governantes de Washington, como a Líbia e a Síria em particular, ou foi uma real busca pela democracia e liberdade?
AV - Ambos. Alguns movimentos socialistas no Egito, Tunísia e Bahrein, por exemplo, eram genuínos. Eu estava fazendo filmes sobre a chamada Primavera Árabe e estou ciente do quanto era realmente complexa a situação. Mas é preciso dizer que o Ocidente imediatamente se infiltrou e "desencaminhou" as revoluções, transformando-as no que você descreveu.
Lembre-se, o Ocidente não tinha absolutamente nenhuma vontade de arriscar os seus poderes ditatoriais sobre a área. Não tinha nenhum desejo de deixar a democracia e as forças revolucionárias assumirem o controlo dos seus países. Porquê? Veja, em escrutínios a maioria do povo árabe vê os Estados Unidos e Israel (definitivamente não o Irão ou a Síria) como o maior perigo para o mundo. Poderia você imaginar o que o povo árabe faria se uma verdadeira democracia saísse vitoriosa? Eles estariam ao lado da Rússia e da China, não do Ocidente. E atirariam as suas "elites" preparadas pelo Ocidente, diretamente pela janela.
AB - Está correto definir hoje Alepo como o "Estalinegrado da Síria" e "o cemitério dos sonhos fascistas de Erdogan", como afirma o presidente sírio Assad?
AV - Sim, é assim, pelo que temos afirmado ao longo destas linhas. Alepo, Homs... Sim. Eu escrevi sobre isso anteriormente, comparando a Síria a Estalinegrado.
AB - Qual a sua opinião sobre o cenário final para a Síria? Corre o risco de cristalização, como a situação de guerra fria-estilo entre os dois blocos – Damasco, Rússia e aliados regionais, por um lado e curdos com os Estados Unidos, por outro lado – e Raqqa, que se tornaria uma nova Berlim?
AV - Os planos ocidentais estão definitivamente a tentar fragmentar todo o Médio Oriente. Eles já o fizeram, em várias ocasiões históricas. Mas este é um novo capítulo. Eles jogam com os países árabes, como se fossem simplesmente algumas vacas leiteiras. Não há nenhuma consideração pelas vidas humanas, ou interesses nacionais locais. É porque o Ocidente, apesar de sua retórica hipócrita (politicamente correta) não considera realmente os não-brancos e não-cristãos como seres humanos. Você mata milhões de pessoas, que assim seja, destrói cinco Estados regionais; quem se importa?
"DIREITOS HUMANOS"
AB - Qual o papel, na sua opinião, das ONG de direitos humanos no atual contexto internacional?
AV - Até esse termo, "direitos humanos", põe-me doente. Você tem que realmente voltar a Fanon e a Sartre... Eles disseram tudo. Os direitos humanos são apenas para "humanos", portanto, para o Ocidente. Para o resto do planeta, os "direitos humanos" são usados para desacreditar os governos desconfortáveis, mesmo "hostis" através de inúmeros implantes como as ONG. Quem fala sobre as violações de direitos humanos reais, cometidos pelo Ocidente? Os europeus e norte americanos já massacraram centenas de milhões de pessoas. Foram saques, torturas e estupros. Mesmo agora, eles estão matando milhões diretamente e dezenas de milhões indiretamente. Mas isto não conta; Porque as vítimas não são brancas, portanto, não são humanos e em resultado não têm quaisquer direitos.
AB - Há 14 anos, o golpe de estado na Venezuela contra o presidente democraticamente eleito Hugo Chávez falhou e começou a saída dos EUA da América Latina. Pouco depois, os Estados Unidos invadiram o Iraque. Hoje a hegemonia no Mediterrâneo Oriental tropeça e Washington usa todas as armas à sua disposição para retornar à América Latina. Tem, na sua opinião, o Presidente Rafael Correa razão quando diz que estamos diante de um novo plano Condor na região?
AV - Definitivamente! O camarada Rafael Correa tem razão a maioria das vezes. Esta é a nova ofensiva "final" do Império na América Latina. Acabo de regressar da Argentina, Brasil, Paraguai; o que está acontecendo lá é absolutamente horrível. O Império está tentando liquidar quer os BRICS quer todas as revoluções latino-americanas.
AB - Se for o caso, tendo em conta o que aconteceu também no Brasil, Equador e Bolívia, que técnicas estão sendo usadas hoje?
AV - O mesmo que antes, as mesmas técnicas que foram utilizadas contra, por exemplo, o Presidente Allende e a "Unidade Popular' no Chile, antes do golpe de 11/09/1973 orquestrado pelos EUA
O Ocidente está a apoiar, mesmo a financiar os media de direita, está a financiar a "oposição", incentiva a fuga de capitais de milhares de milhões de dólares, trabalha em estreita colaboração com as elites locais para criar défices, incerteza e desespero. Cria escândalos de corrupção, e ainda apoia falsos movimentos de "esquerda" contra o governo. E, claro, treina e corrompe alguns quadros militares chave.
AB - O futuro do mundo, oferece de momento dois caminhos possíveis: um o unilateralismo dos EUA, particularmente no caso da Presidência de H. Clinton, composto por áreas de tratados de comércio "livre" ao redor do mundo sobre o modelo NAFTA (tais como o TTIP na Europa), com milhões desesperadamente pobres como resultado, lucros apenas para as multinacionais e a destruição planeada de todos os países que se rebelam contra essa visão (estilo Líbia e Síria); ou, a segunda possibilidade: um período de multilateralismo, o respeito pela soberania, a autodeterminação e a paz, se prevalecer o projeto alternativo ao "consenso de Washington", que seria o dos BRICS e o da integração regional na América Latina, projetado e construído por Chávez, Lula e Kitchener. E qual dos dois pontos de vista irá prevalecer, na sua opinião?
AV - Haverá grandes batalhas travadas para o futuro do mundo! Os próximos anos serão muito difíceis. Relativamente ao segundo cenário, para vencer, o mundo teria voltar ao ponto onde a luta pela independência e contra o imperialismo e colonialismo ocidental foi perdida ou abandonada há mais de 50 anos. Vamos encarar a situação: o mundo nunca foi na realidade completamente descolonizado. Seria total hipocrisia pretender o contrário.
Uma das visões populares em círculos de esquerda do Ocidente é que na verdade "todos somos vítimas do capitalismo". Eu discordo. Este capitalismo selvagem global é apenas um dos mais terríveis subprodutos da cultura ocidental dominante da ganância, racismo, brutalidade e desejo desenfreado de controlar o mundo. O mundo ainda está sendo agredido pelos dogmas da supremacia ocidental/branca/cristã e pelas práticas dos mais primitivos e fundamentalistas "princípios".
A verdade tem de ser revelada. Se o Ocidente insiste em continuar pressionando, as batalhas terão que ser travadas. E elas serão travadas. E as forças do internacionalismo, humanismo e solidariedade terão de sair vitoriosas ou em breve nada restará da raça humana.
Do mesmo entrevistado em resistir.info:
RDPC: isolada, demonizada e desumanizada pelo Ocidente
[*] Filósofo, romancista, cineasta e jornalista investigador. Fez coberturas de guerras e conflitos em dezenas de países. Os seus livros mais recentes são: Exposing Lies Of The Empire", "Fighting Against Western Imperialism", "Discussion with Noam Chomsky: On Western Terrorism , ou o seu aclamado romance politicoOceania – a book on Western imperialism in the South Pacific . Sobre a Indonésia escreveu Indonesia – The Archipelago of Fear . Presentemente realiza filmes para a Telesur e Press TV. Pode ser contatado através de seu sítio web ou do Twitter
O original encontra-se em L'Anti Diplomatico, publicado na Itália, onde o entrevistador é editor-chefe. A versão em inglês encontra-se em www.informationclearinghouse.info/article44945.htm . Tradução de DVC.
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/
[*] Filósofo, romancista, cineasta e jornalista investigador. Fez coberturas de guerras e conflitos em dezenas de países. Os seus livros mais recentes são: Exposing Lies Of The Empire", "Fighting Against Western Imperialism", "Discussion with Noam Chomsky: On Western Terrorism , ou o seu aclamado romance politicoOceania – a book on Western imperialism in the South Pacific . Sobre a Indonésia escreveu Indonesia – The Archipelago of Fear . Presentemente realiza filmes para a Telesur e Press TV. Pode ser contatado através de seu sítio web ou do Twitter
O original encontra-se em L'Anti Diplomatico, publicado na Itália, onde o entrevistador é editor-chefe. A versão em inglês encontra-se em www.informationclearinghouse.info/article44945.htm . Tradução de DVC.
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/
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