domingo, 3 de julho de 2016

EUA: 20 MILHÕES DE CASAIS POBRES VIVEM EM HABITAÇÕES MÓVEIS (RULOTES)

A vida em um trailer: sem dinheiro para casa própria, moradia sobre duas rodas vira opção para mais pobres nos EUA

Benoît Bréville, Paris - Le Monde Diplomatique, em Opera Mundi (maio 2016)

Em 1975, 9 milhões de norte-americanos viviam em trailers, e hoje já chegam a 20 milhões; parques para habitações móveis acolhem casais pobres, cujos ganhos anuais eram, em 2011, metade da renda média nacional

No minúsculo jardim que cerca sua casa, Francisco Guzman não tem o direito de deixar objetos caírem no chão. Também não pode dispensar o lixo antes do dia da coleta nem ouvir música. “Se eu quiser ter um animal de estimação, ele não deve passar dos 40 cm de altura. E se quiser acolher alguém, mesmo meu irmão ou minha mãe, preciso pedir autorização ao gerente. É incrível, mas ainda assim estou em minha casa!”. Guzman e sua esposa possuem realmente uma moradia, um trailer de dois quartos, mas alugam o terreno num parque de casas móveis em Aurora, Colorado.

Para ocupar um dos 440 terrenos, o jovem casal paga US$ 500 por mês, além de mais US$ 250 de prestação pelo empréstimo de oito anos contraído para adquirir sua moradia de três cômodos e 75 m2. A arquitetura é típica dos trailers dos anos 1970: teto plano, paredes externas de alumínio e fachada branca encardida pelo tempo. “O aluguel inclui água corrente, rede de esgoto e coleta de lixo; há até uma pequena piscina coletiva”, esclarece o jovem. “Eu preferiria, é claro, ter uma casa de verdade, com um jardim de verdade, sem vizinhos a cinco metros de distância. Mas por esse preço, em Aurora, é impossível”. A renda dos Guzman é modesta: entre um emprego num posto de gasolina para ele e alguns turnos numa empresa de limpeza para ela, os dois ganham US$ 2 mil por mês. 

É muito pouco para viver nesse subúrbio residencial sem beleza nem atrativos, mas perto da dinâmica capital do Estado, Denver, onde os preços dos imóveis aumentaram 50% desde 2012. Em outubro de 2015, em Aurora, nenhuma casa estava para alugar por menos de US$ 1 mil, e a mais barata para comprar precisava de reforma completa e custava US$ 130 mil. Na mesma ocasião, um trailer de tamanho equivalente, construído em 1973, estava à venda por US$ 14,5 mil, com os aluguéis nos parques oscilando entre US$ 400 e US$ 600 por mês. “No momento, todos os terrenos estão ocupados. É preciso entrar numa lista de espera. Mas a rotatividade é grande e a coisa pode ser rápida”, assegura-nos o gerente do Friendly Village.

Aurora tem nove parques grandes e mais de 2,5 mil terrenos para trailers. Quase todos estão situados nas imediações da Avenida Colfax, num bairro periférico e pouco atraente da cidade: Hillcrest Village, propriedade da empresa Equity Lifestyle Property, líder do setor com 140 mil lotes no país; Green Acres, que só abriga idosos; Foxbridge Farm, Cedar Village, Meadows etc. Nem esses nomes evocadores de um panorama campestre[1]nem os esforços dos moradores para decorar suas fachadas com bandeirinhas norte-americanas, estátuas da Virgem Maria ou flores conseguem disfarçar a monotonia do urbanismo.

Como os bairros populares, os parques de trailers são concebidos contrariando a trama urbana clássica, separados do resto da cidade, com sistema de limpeza, sinalização e administração próprios. Ruelas mais ou menos bem asfaltadas ladeiam lotes retangulares dispostos perpendicularmente à via principal e separados uns dos outros por uma pequena cerca, uma corrente ou mesmo um simples risco no chão. Cada moradia é identificada por um número que figura no endereço de seus ocupantes, junto com o nome do parque. “Às vezes, gostaríamos de não dizer que vivemos num parque, mas, quando veem nosso endereço, todos ficam sabendo”, lamenta Guzman. “E isso pode causar problemas. Alguns pensam: ‘Hum, ele mora num parque de trailers, não vou contratá-lo porque terei problemas’”.

Habitações sociais sem custo para o governo

Adquirir um trailer nos Estados Unidos é operação simples e barata. Diferentemente de uma casa comum, construída no próprio local por pedreiros, eletricistas, carpinteiros, encanadores etc., ele é inteiramente feito numa fábrica por operários semiqualificados. Sai da linha de montagem pronto para uso, a um preço que desafia qualquer concorrência. E, como se desgasta e se desvaloriza com o tempo (à semelhança de um carro), os modelos 1960 ou 1970 podem ser negociados por menos de US$ 10 mil. No caso dos modelos mais novos, o menor preço é US$ 25 mil (70 m2), frete incluso. Vinte milhões de norte-americanos, dos quais 23% aposentados, vivem hoje nesse tipo de alojamento contra nove milhões em 1975. Os Estados Unidos têm sete vezes mais trailers (8,6 milhões de unidades) que moradias de aluguel social (1,2 milhão)[2]. Acolhem casais pobres, cujos ganhos anuais eram, em 2011, metade da renda média nacional (US$ 26 mil contra US$ 52 mil)[3]. Funcionam como casas populares a custo zero para os poderes públicos, que não precisam construir nada, mas dão muito lucro aos fabricantes.

“O problema não é comprar um trailer, é descobrir um lugar para instalá-lo”, adverte um empregado da loja Clayton Homes, a primeira a vender “casas pré-fabricadas” nos Estados Unidos. A esmagadora maioria das cidades norte-americanas aplica regras de zoneamento rigorosas, que limitam as possibilidades de instalação em terrenos particulares a alguns setores bem precisos e já saturados. Como esses alojamentos têm a fama de desvalorizar os terrenos próximos, os prefeitos evitam cuidadosamente sua proliferação. A menos que se disponham a ir para as zonas rurais, muitos proprietários se veem, então, obrigados a recorrer aos parques particulares, que abrigam 12 milhões de norte-americanos[4].

 medida que nos aproximamos do Novo México, onde a proporção de casas móveis no volume total de alojamentos ultrapassa 15%, os trailers vão se fazendo mais presentes. Espalham-se ao longo das grandes rodovias e das estradas rurais, onde há menos construções e as regras de zoneamento são mais frouxas. Em Trinidad, agrupam-se em uma dezena de parques situados na periferia da cidade, em terrenos baratos. De dimensões modestas, esses aglomerados não lembram acampamentos militares e não têm o caráter impessoal dos parques de Aurora. Em muitos deles, encontramos o proprietário, que não mora longe.

Cidadezinha de oito mil habitantes perdida nas montanhas baixas do Colorado, perto da divisa com o Novo México, Trinidad conheceu seus momentos de glória no início do século XX graças à exploração de carvão e à chegada da ferrovia. Mas, desde a Segunda Guerra Mundial, o município perdeu 40% de sua população e só restam uns poucos vestígios da antiga prosperidade: o velho grand hôtel da rua principal, a majestosa biblioteca construída em 1904 graças a uma doação do barão do aço Andrew Carnegie e a locomotiva a vapor exposta no estacionamento do supermercado. “Empregos não existem. Vivo aqui há cinco anos e nunca vi um contrato de trabalho de mais de dois meses”, confirma Jacqueline Johnson. Por muito tempo funcionária de um hospital de Las Vegas, ela deixou Nevada após se separar do marido, em 2010. Foi então morar com uma meia-irmã, que residia num quarto de motel. “No começo, passamos dois anos no mesmo cômodo, com o fogão encostado na cama. Depois, alugamos este trailer por US$ 550 mensais. É muito caro, mas temos três quartos e uma cozinha de verdade, podendo comer ao ar livre quando o tempo está bom”.

Uma comunidade propícia a fofocas

Com benefícios sociais e alguns bicos, as irmãs ganham cerca de US$ 2 mil por mês. “Pagas as contas e a alimentação, não nos resta quase nada. E só temos um carro para as duas”. Um grande problema: dali, não se pode ir a lugar nenhum a pé, afora um restaurante chinês e seu self-service aberto o dia inteiro. “Quando preciso do carro e minha irmã ainda não chegou, fico louca da vida”, confessa Jacqueline. “Mas aqui todos se conhecem e sempre há um vizinho para nos dar carona. Um parque de trailers é uma verdadeira comunidade”.

Segundo Harry Vallejos, chega a ser “uma pequena família”. Esse aposentado mora no parque Cedar Ridge de Trinidad, onde paga US$ 250 por mês. Com uma doença que reduz sua capacidade de movimento, passa a maior parte do tempo no parque e conhece todos os moradores. Pode dizer o que cada um faz, sua situação familiar e suas opiniões políticas: Annie McDaniel, que com 91 anos não pode mais dirigir e recebe a visita da filha duas vezes por semana; o casal Harold e Hannelore Thomason, de 85 anos, que já mora no local há quatro décadas etc…

A vida num parque de trailers não oferece a intimidade de uma casa comum, onde as pessoas podem se refugiar no quintal, nem o anonimato de um prédio de apartamentos. Com um simples olhar pela janela, o morador fica sabendo se o vizinho está em casa ou foi trabalhar, se tem visitas ou se sua calha entupiu. Não é raro ouvir vozes estridentes e batidas de portas. Essa vida comunitária, ao mesmo tempo que enseja uma sociabilidade de vizinhança, favorece igualmente a disseminação de boatos e fofocas.

Cedar Ridge abriga cerca de vinte casas, a maior parte ocupadas por proprietários idosos. Os raros moradores mais jovens – como a família chegada há pouco do Texas e um homem que só ocupa seu trailer alguns meses por ano – despertam suspeitas dos mais velhos. “Há um ir e vir sem fim na casa deles e eu preciso prestar muita atenção no que é meu”, confidencia Vallejos, que assegura, no entanto, viver “na melhor comunidade das redondezas”.

Por nada no mundo esse aposentado moraria no parque Almar, que goza de má reputação. Na primavera de 2015, a polícia matou lá um rapaz negro que se escondera numa barraca abandonada. O caso, que causou furor nas TVs locais, continua na lembrança de todos. “Patrulhamos constantemente esse lugar, ora eu, ora meu marido”, garante a gerente para tranquilizar os potenciais locatários. “Meu filho trata da manutenção e faz rondas, e sua namorada também. O pai de Nicky [uma moradora do parque] é inspetor de polícia e meus irmãos também moram aqui… Todo mundo vigia todo mundo. Não é raro eu expulsar algum locatário por mau comportamento!”. Segundo ela, o parque Lakeside é que deveria ser evitado.

Aberto há quinze anos, este se resume a um vasto quadrado de terra e cascalho que se transforma em lama quando chove. O lote custa US$ 150 por mês; pagando-se mais US$ 300, é possível ter também um trailer velho de três quartos. Fato curioso em Trinidad, vários terrenos estão vazios, embora seu custo seja o mais baixo da cidade. “Ninguém quer morar lá. Há problemas de drogas, brigas, tiros. É muito ruim para o bairro”, analisa uma vizinha, proprietária de uma casa despretensiosa a 200 metros do parque. Quando lhe pedimos que relate fatos concretos, ela hesita, diz “ouvir sirenes frequentemente” e termina por declarar, irritada, que “não gosta de jornalistas”. Antes do fim da conversa, admite nunca ter posto os pés naquele parque e não conhecer nenhum de seus locatários.

Trailer trash

Chamados pejorativamente de trailer trash (lixo de trailers), esse tipo de moradia e seus habitantes sempre tiveram uma imagem negativa nos Estados Unidos. Embora abriguem 8,7% de afro-americanos, são associados ao subproletariado branco, aos “refugos brancos”[5], mais ou menos como os bairros de casas populares, no imaginário norte-americano, são associados aos negros. A história começou no período entreguerras, quando os vendedores ambulantes, os trabalhadores agrícolas e os operários da construção civil que percorriam o país em carroças eram acusados de ofender a boa moral e não pagar impostos nas cidades onde se instalavam. Em 1937, a revista Fortune ainda torcia o nariz para essas “colônias superpovoadas de sórdidos hotéis itinerantes”[6].

A população dessas habitações mudou a partir dos anos 1950 com a entrada no mercado de trailers de três metros de largura (antes, tinham apenas 2,40): a partir de então, não era mais preciso passar pelo primeiro quarto para chegar ao segundo. Num contexto de crise de moradia, esse ganho de intimidade levou muitos norte-americanos de renda modesta, em especial idosos e jovens casais de funcionários, a fazer dos trailers seu domicílio fixo e permanente. Os fabricados hoje medem até cinco metros de largura; existem modelos de luxo em parques para aposentados da Flórida e da Califórnia, com vista para as marinas e campos de golfe. De resto, oficialmente não são mais chamados trailers, e sim de “casas pré-fabricadas” (manufactured homes).

Todavia, uma distorção semântica orquestrada por alguns industriais raramente consegue mudar sua imagem: eles continuam a ter má reputação. Na televisão, os noticiários locais cobrem o tempo todo as desgraças (tiroteios, incursões policiais, venda de drogas…) que ocorrem nos parques. Na internet, encontramos o Trailer Park Boys, um programa transmitido há quinze anos no Canadá e nos Estados Unidos. Realizada na forma de um falso documentário, essa série apresenta personagens imbecis e violentos que dividem seu tempo entre pequenos delitos e a cadeia. No cinema, filmes de sucesso como “Meninos Não Choram” (1999) e “Rua das Ilusões” (2002), que conta a juventude do rapper Eminem, também põem em cena lugares onde a violência é onipresente. Mesmo o quadro um pouco mais leve que o escritor Russell Banks pinta de uma comunidade de New Hampshire, em seu livro “Trailerpark” (1981), retoma os temas das drogas e do álcool.

Com tal imagem na cultura popular, não espanta que inúmeros habitantes de Trinidad tenham sua opinião dos ocupantes dos trailers. “Dizem as maiores barbaridades sobre nós”, lamenta uma moradora de Lakeside, que prefere ficar no anonimato. “A maior parte das pessoas aqui é honesta e trabalha duro; é um bom lugar para viver. Mas há muitos trailers para alugar e os ocupantes mudam. Nada mais normal então que apareçam maus elementos. Agora, temos jovens que fumam maconha o dia inteiro. Eles têm um cachorro bravo que late sempre que alguém passa”. A moça censura ainda a proprietária, uma professora aposentada que mora também em Trinidad, por certa irresponsabilidade na escolha dos locatários, dos quais nenhuma garantia seria exigida: “Ela só quer encher os terrenos vazios e pouco se importa com quem vem morar aqui. De qualquer modo, não liga nada para o parque. Quando há um problema, nunca aparece; não cumpre sua obrigação”.

Expulsos em 72 horas

Segundo Dave Anderson, diretor executivo da associação All Parks Alliance for Change, que defende os interesses dos proprietários de trailers, esse caso é típico das moradias situadas em zonas rurais. “Nas áreas metropolitanas”, explica, “onde é alta a densidade demográfica e os preços dos terrenos são caros, o risco para os ocupantes é que os aluguéis aumentem com frequência ou que alguém os expulse para favorecer um projeto imobiliário mais lucrativo. Nas comunidades rurais, esses problemas realmente não existem. Mas os pequenos proprietários possuem capital muito limitado para administrar seus parques e nem sempre conseguem fazer os reparos necessários quando surgem graves problemas de água ou esgoto”. Mas viver num parque familiar, em uma cidade pequena, não deixa a pessoa, forçosamente, livre de aumentos repentinos. Por exemplo, em Almar de Trinidad, os aluguéis subiram 10% em novembro último, passando de US$ 220 para US$ 245 sem razão aparente, e isso quando já tinha ocorrido um aumento há dois anos…

É uma das primeiras coisas que Frank Rolfe ensina aos alunos de sua “universidade dos trailers”: na maioria dos Estados, nenhuma lei impede um proprietário de parque de aumentar seus aluguéis, desde que avise os locatários com algumas semanas de antecedência. Esse diplomado em Economia pela Universidade da Califórnia em Stanford fez fortuna investindo, com seu sócio Dave Reynolds, em terrenos para trailers. Partindo do nada em 1996, orgulha-se de ser hoje o sexto maior empresário do setor, com 170 parques espalhados pelo país. “Exceto na Califórnia, na Flórida e no estado de Nova York, onde as leis são favoráveis demais aos locatários”, explica.

Ansiosos por transmitir sua experiência, Rolfe e Reynolds dão um curso intensivo de três dias, por US$ 2 mil, no qual ensinam os rudimentos da gestão de um parque: não permitir atrasos de aluguel, cobrar multas por infração às regras, evitar a instalação de lavanderias ou serviços coletivos que possam gerar custos inúteis, expulsar locatários indesejáveis... “Os alunos são geralmente executivos cinquentões decepcionados com os lucros de seus investimentos na Bolsa. Esse é um bom momento para entrar no mundo dos negócios, pois nossa economia está em crise há anos e há forte demanda por moradia barata”, analisa lucidamente Rolfe. O método dos dois compadres segue o das imobiliárias quando ocorrem operações de renovação urbana: eles compram parques, sobretudo os de “mamãe e papai”, pertencentes a pequenos proprietários que não os exploram bem, melhoram sua aparência, instalam alguns serviços suplementares e pedem aluguéis mais elevados.

Os locatários ficam impotentes diante desses aumentos. Desde que passaram a medir três metros de largura, os trailers são difíceis de transportar: um carro não basta, é preciso utilizar um caminhão especial, quase sempre mais largo que as estradas comuns. A operação custa vários milhares de dólares; muitos residentes preferem, assim, comprar um trailer novo a deslocar o velho. A imobilidade dessas casas “móveis” fragiliza os ocupantes, que não podem ameaçar ir embora quando o proprietário cuida mal do terreno ou aumenta o aluguel.

Emily Montoya[7] não sabe onde acharia o dinheiro necessário caso precisasse sair de Raton, uma cidadezinha de 6,5 mil habitantes no norte do Novo México, onde aluga um terreno por US$ 150 ao mês. A jovem, que mora com os filhos e o companheiro, não trabalha e o casal não tem nenhuma poupança. No entanto, talvez precise se mudar logo. O Parque das Colinas Encantadas – situado ao lado do cemitério municipal… – foi posto à venda: US$ 320 mil por oito hectares de terreno e 46 lotes. “Fiquei sabendo disso um dia ao voltar para casa: avistei uma tabuleta de ‘vende-se’ na entrada”, conta. “Ignoramos quem vai comprar ou o que será feito disto aqui; só não ignoramos que nos falta dinheiro para a mudança”.

Os vizinhos de Emily temem a mesma coisa, pois, no Novo México, a lei pouco protege os locatários de parques. Eles podem ser expulsos em 72 horas caso não paguem o aluguel; em um mês, caso não respeitem as regras ou “perturbem os outros”; e, quando um parque fecha suas portas, recebem simplesmente um aviso prévio de 60 dias. “Em alguns Estados, como Minnesota, se você precisa mudar e sua casa está em condições ruins demais para ser deslocada, o proprietário tem de lhe pagar uma compensação financeira. Às vezes, você pode até se juntar aos outros moradores para comprar o terreno a preço de mercado e fundar uma cooperativa. Contudo, quase sempre não existe garantia alguma para os locatários”, diz Anderson. O parque de Raton muito provavelmente permanecerá aberto: o lugar não atrai incorporadores e o melhor a fazer quando se possui um terreno situado em zona liberada para trailers ainda é alugar os lotes um a um.

Na Califórnia, a situação é inversa: a lei protege bem locatários, mas os incorporadores são muitos. Em vinte anos, o Estado viu desaparecer mais de quatrocentos terrenos, engolfados pela sanha do mercado imobiliário[8]. Desde 2012, quatrocentos moradores de Palo Alto lutam contra o desaparecimento de seu parque, o mais antigo do Vale do Silício, onde o aluguel custa US$ 1 mil (contra o triplo para uma casa modesta na cidade). Depois de aceitar o fechamento, a prefeitura mudou de opinião diante da amplitude que o caso assumiu. Ela agora apoia os moradores e chegou a fazer uma oferta de compra do terreno: US$ 38 milhões por 1,8 hectares 117 lotes. O proprietário recusou, já que, segundo os corretores, o lugar vale mais de US$ 50 milhões.9.

O caso, por enquanto, está nas mãos da justiça. À espera de uma decisão, os moradores do parque Buena Vista de Palo Alto não sabem prever seu futuro, assim como os residentes das “colinas encantadas” de Raton. Como explica Anderson, “os donos de trailers possuem identidade dupla. Ao mesmo tempo proprietários e locatários, não são protegidos pelas leis que regem tradicionalmente as relações entre locadores e locatários nem pelos direitos concedidos aos proprietários”. Para se defender, só podem contar com eles mesmos.

Publicado originalmente pelo Le Monde Diplomatique Brasil - Título PG

[1] “Hillcrest Village” significa literalmente Aldeia no Alto da Colina; “Meadow”, Pradaria; “Cedar Village”, Aldeia dos Cedros etc
[2] American Housing Survey, 2013; “Mobile homes, the low-cost housing hoax” [Trailers, a fraude das casas baratas], relatório do Center for Auto Safety, Grossman Publishers, Nova York, 1975
[3] Ibidem
[4] Gary Rivlin, “The cold, hard lessons of mobile home U.” [As duras e impiedosas lições dos trailers U.], The New York Times, 16 mar. 2014.
[5] Cf. Sylvie Laurent, Poor White Trash. La Pauvreté Odieuse du Blanc Américain [Pobre refugo branco. A pobreza odiosa do branco norte-americano], Presses de la Sorbonne, Paris, 2011
[6] Citado em John Fraser Hart, Michelle J. Rhodes e John T. Morgan, The Unknown World of the Mobile Home [O mundo desconhecido dos trailers], The Johns Hopkins University Press, Baltimore and London, 2002.
[7] O companheiro de Montoya, um mexicano que mora legalmente nos Estados Unidos, não está registrado junto ao proprietário do parque, daí ela preferir usar um pseudônimo
[8] Katie Kramon, “California’s affordable mobile home parks vanishing” [Parques de trailers a preços acessíveis estão desaparecendo na Califórnia], Peninsulapress.com, 11 mar. 2015.

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