sábado, 15 de outubro de 2016

“Pescador português de atum ganhava mais do que congressista”

Idalmiro da Rosa, nascido na ilha do Pico há 62 anos, é um destacado membro da comunidade portuguesa de San Diego. Ao DN, fala da pesca do atum, do orgulho no navegador João Rodrigues Cabrilho, da Califórnia como terra de oportunidades e de Donald Trump como negação do ideal de América
A comunidade portuguesa aqui em San Diego é sobretudo compostas de açorianos ou há portugueses da Madeira e do Continente?
A comunidade portuguesa em San Diego começou com famílias que chegaram no final do século XIX. Sabe-se do casal Madruga, oriundo dos Açores, da ilha do pico. Daí em diante continuou a chegada de açorianos. Mais picoenses. E a certa altura começaram a vir pessoas das comunidades portuguesas da costa leste, gente de ascendência madeirense. Eram do Paul do Mar. E foram vindo mais madeirenses e mais açorianos. E alguns continentais também, muitos do Algarve.
Foi a pesca do atum que tornou a comunidade portuguesa próspera?
A pesca do atum começou de forma muito simples: primeiro fazia-se quando passavam os cardumes por aqui perto, depois os barcos começaram a ser fornecidos com gelo e podiam ir mais longe e ficar fora mais tempo. Foram desenhados atuneiros que pescavam com redes enormes, que cercavam o peixe e fechavam por baixo. Começou-se a fazer barcos cada vez maiores. Trezentas toneladas, quatrocentas, seiscentas, até que chegou uma altura que era mais de mil toneladas. Aqui em San Diego o maior atuneiro que me lembro era um que levava até mil e oitocentas toneladas de peixe. Muitos eram de portugueses.
Há em San Diego um monumento que mostra um português, um italiano e um japonês a fisgar um atum. Foram estas três nacionalidades que se envolveram mais na pesca do atum?
A indústria da pesca aqui em San Diego era muito dominada por portugueses, mas havia um envolvimento de italianos e também de alguns japoneses. Esse monumento nasceu da iniciativa de um continental, o António Mascarenhas. Na estátua escreveu-se o nome dos pescadores que faleceram no mar.
E são quase todos nomes portugueses?
Tem muitos portugueses. A maior parte. Ali já se vê que havia mesmo uma grande percentagem de portugueses na pesca do atum.
O Idalmiro da Rosa é do Pico. Chegou cá jovem. O seu pai também veio para a pesca do atum?
O meu pai era faroleiro e também sócio de três tripulações lá no Pico e veio para cá com a ideia de não ir para o mar e começou a trabalhar aqui no estaleiro que fazia os atuneiros. Mas o irmão comprou um barco e devido à oportunidade financeira ser muito melhor ele tomou a decisão de ir para o mar. Falou com a minha mãe e os dois decidiram que seria melhor para a família. Assim foi para o mar e chegou ao ponto de ser um engenheiro maquinista com o irmão.
No seu caso, estudou para engenheiro aqui na Califórnia. O mar nunca esteve nas suas tentações?
Durante aquela época, quase todos os filhos dos portugueses acabavam o secundário. Agora para a universidade poucos iam. E a razão era muito simples. É que se fazia muito bom dinheiro aqui em San Diego nos anos 1970. E estou a falar de um jovem de dezoito anos que acabava o secundário e se fosse pescar estava a fazer setenta mil dólares ao ano.
Isso hoje em dia seria muito dinheiro, na época era mesmo muitíssimo dinheiro.
Era muito, muito, muito dinheiro. Na época fazia-se comparações. Um pescador do atum ganhava mais do que um congressista. Era muito tentador ir para o mar e eu devo o que sou aos meus pais que sempre quiseram que eu fosse para a escola e tirasse um curso e não fosse para a faina.
Hoje em dia é um destacado membro da comunidade, já teve vários cargos associativos. A comunidade em San Diego também é muito marcada pelo festival Cabrilho, que celebra o navegador português que ao serviço de Espanha chegou cá em 1542. Qual é a importância deste navegador para os portugueses da Califórnia e em especial para os de San Diego, onde desembarcou?
Vamos pensar bem qual é a importância que o navegador tem para a nação. Cristóvão Colombo, como sabemos, chegou cá antes, mas às ilhas das Caraíbas, nunca chegou ao território dos Estados Unidos. Quero dizer pois que Cabrilho em 1542 foi o primeiro europeu a chegar à costa do Pacífico, aos atuais Estados Unidos. E é uma coisa que a história americana não trata, mas é uma coisa que vai começar-se a saber e a divulgar mais, e mais, e mais. E então com esta importância, claro que os portugueses devido à escrita de um historiador espanhol que 60 anos depois de Cabrilho ter cá passado escreveu que era português, criaram muitas organizações que são chamadas Cabrilho. Claro que a comunidade tinha grande orgulho e começaram os Portuguese Americans Civic Club e o Cabrilho Civic Club. Muito antes de ser criado o atual Festival Cabrilho, que fez 53 anos este ano, já faziam celebrações ao Cabrilho, creio que logo em 1892, quando celebraram 350 anos da descoberta. Foi um grupo de indivíduos do norte da Califórnia, da zona de San José, junto com o consulado de São Francisco, que fez questão de vir cá. Quer dizer que o envolvimento de Cabrilho na descoberta da Califórnia para os portugueses de cá é um orgulho.
Este festival Cabrilho todos os anos na altura do 28 de setembro, em que se reúnem junto à estátua do navegador em Point Loma, transformou-se cada vez mais também numa celebração da América multicultural, porque estão lá os índios, os mexicanos, os espanhóis. Foi uma forma de transformar Cabrilho não só num herói português, mas num herói da América?
Exato. O Festival Cabrilho foi iniciativa dos dois clubes que já mencionei. Depois começou o formato Cabrilho junto com o Cabrilho National Monument e a San Diego Chamber of Commerce junto com a grande Mary Giglitto, que foi a alma do Cabrilho Festival e que vai ser sempre a referência do Cabrilho Festival. Depois, nos anos 1970, convidaram o México e a Casa da Espanha para participar, mais os indios Kumeyaays. Junto com os Estados Unidos faz as 5 nacionalidades que hoje participam no Festival Cabrilho.
É muito interessante que esta celebração de Cabrilho também tenha a participação dos militares americanos, pois eles abrem a base naval para servir de ponto de festejo.
O festival foi celebrado em vários locais e lembro-me de um ano muito especial, pois tínhamos aqui a Sagres. Mas atualmente estamos numa base militar, e o Cabrilho Festival faz parte da Fleet Week e a Fleet Week é o conjunto de celebrações militares que são feitas aqui em San Diego. E a zona onde pensamos que o Cabrilho desembarcou é onde está a base. Os militares têm sido fantásticos, isto é uma base nuclear, com submarinos, mas mesmo assim abrem ao público.
Idalmiro da Rosa, diga-me uma coisa, os portugueses em geral na Califórnia são prósperos como os de San Diego?
Claro, esta terra oferece possibilidades para aqueles que procuram a sorte.
Mas hoje já não estamos a falar sequer da pesca, hoje há portugueses a fazer de tudo na Califórnia.
De tudo. Por exemplo, no norte da Califórnia temos o comendador Manuel Eduardo Vieira, dono da maior produção de batata-doce, talvez do mundo. São hectares e hectares de terreno. Até produz uma batata-doce que pode ir ao micro-ondas e está pronta a ser usada. Temos vacarias, que chamam aqui leitarias, de dez, quinze, vinte mil cabeças de gado. E está-se se a falar de alguns imigrantes de Portugal, muitos da zona dos Açores, que imigraram para aqui nos anos 1970.
E a maior parte deles vinha sem nada, não é, construíram aqui tudo?
Vinham sem nada. A história de um imigrante é quase sempre a mesma. Alguns até pediam emprestado para comprar as suas próprias passagens e depois pagavam quando começavam a trabalhar.
A América em especial é um país bom para o imigrante, mas a Califórnia ainda é mais do que o resto da América?
Sim, mas penso também que a Califórnia, por muito que se diga, é uma zona muito esquecida.
Esquecida?
É muito esquecida, quer dizer, é uma zona que fica muito distante de Portugal. Esquecida em termos de...
Em termos de Portugal?
Portugal tem de ter o conhecimento do que se passa aqui. A Califórnia tem uma economia que, se fosse independente, era uma das dez maiores do mundo.
Os seus filhos já têm 30 e tal anos. Um rapaz e uma rapariga. O Paulo e a Amanda, filhos seus e de Filomena. Ambos falam português. Quis que eles mantivessem laços fortes com Portugal?
Sempre pensámos que a integração na vida americana ia ser fácil para eles. Claro que falariam inglês. Por isso, quando eram pequenos, sempre falávamos com eles em português em casa e por algum tempo os meus pais, estavam lá, vivíamos todos juntos. Depois os meus pais regressaram aos Açores em 1985.
Eles iam visitar os avós?
A gente fazia questão de os mandar, e eles mantinham o português sempre ativo. Mas mesmo em casa em San Diego fazíamos questão de continuar a falar português. E eles sentem-se orgulhosos sabendo dominar a língua.
Então para Paulo e Amanda é fácil serem americanos de corpo inteiro e ao mesmo tempo sentirem-se portugueses.
Sim, ambos os meus filhos têm dupla nacionalidade, nasceram aqui, mas mantêm sempre laços. São chegados a Portugal.
Como é que celebraram aqui quando Portugal foi campeão da Europa de futebol?
Foi uma euforia. Foi uma sensação extremamente difícil de explicar mesmo agora. Foi uma enorme alegria.
Mas foi geral na comunidade a festa?
Foi geral. Uma grande alegria dos portugueses e descendentes.
Estando a comunidade portuguesa aqui tão bem enraizada, tão agradecida à Califórnia e aos Estados Unidos, como é que vê esta campanha presidencial, em que Donald Trump parece que põe em causa esta capacidade da América de ser integradora, de aceitar os outros. Isso não os afeta como comunidade, mas certamente afeta a imagem da América?
Sou uma pessoa que gosta de respeitar a opinião de cada um. Eu tenho familiares, amigos, grandes amigos, colegas, pessoas conhecidas que apoiam os dois lados, Donald Trump e Hillary Clinton. Mas pessoalmente não posso sequer imaginar como uma pessoa com a personalidade que Trump apresenta até agora possa estar a frente de uma nação como os Estados Unidos.
Não é só por causa do discurso anti-imigração, é em geral?
É em geral, é em geral. Ele devia lembrar-se que ele próprio vem de uma raiz que é imigratória. Devia lembrar que a própria mulher é uma imigrante. E eu quero saber quem é que vai trabalhar aqui para estas zonas agrícolas aqui da Califórnia, quem é que vai apanhar as cerejas, e as batatinhas e tudo à mão e andar com aquelas caixas, encher...
Está a falar que no fundo são os mexicanos, que Trump tanto hostiliza, que vêm fazer isso?
São mão-de-obra barata que temos. Os mexicanos querem vir cá e os americanos não estão preparados para certos trabalhos. Há muitos fatores aqui que Trump não está a ver.
Então se ele vencesse e fizesse o tal muro na fronteira, os mexicanos não tinham onde trabalhar e a América também ficava mais pobre porque não tinha quem fizesse as colheitas?
Se ele fizesse o muro, havia túneis, os túneis iam aumentar.
Os mexicanos prometem fazer isso?
Prometem. Os alicerces tinham que ser enormes.
Trabalha com mexicanos, não trabalha?
Trabalho para a câmara de San Diego e tenho colegas mexicanos.
E a sua ideia é que os que vêm para a América são gente trabalhadora?
Eu tenho colegas meus, um até que trabalha diretamente comigo, que vivem no México e são pessoas bem na vida graças ao trabalho.
Fonte e foto: DN

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