sábado, 3 de junho de 2017

MOÇAMBIQUE | “Má gestão é responsável pela crise", diz ex-primeiro-ministro


Em entrevista exclusiva à DW, Mário Machungo diz que a má gestão da economia moçambicana é a principal responsável pelo sobreendividamento do país.

Quem sustenta a acusação é o antigo primeiro-ministro de Moçambique, Mário da Graça Machungo, doze anos depois do perdão da dívida externa pela iniciativa HIPC (em inglês: "Heavily Indebted Poor Countries"), que beneficiou os países pobres altamente endividados.

Em Lisboa, onde participaou até quarta-feira (31.05.) nas conferências do Estoril, o atual administrador bancário e perito em políticas monetárias opina que a solução da crise da dívida escondida passará pela negociação com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Ele duvida que seja através do recurso ao Clube de Paris. Entre 2012 e 2015, a dívida escondida de Moçambique rondava 2, 2 mil milhões de dólares.

Mário Machungo foi primeiro-ministro entre 1986 e 1994. Em entrevista exclusiva à DW, afirma que houve descuido para que o país voltasse a sobreendividar-se.

Sem apontar culpados, o economista moçambicano admite que houve má gestão da economia do país, o que levou à situação atual. Segundo ele, "não havia razão para essa situação”. Confira a entrevista:

DW África: Seria o perdão a solução para a nova crise da dívida de Moçambique?

Mário Machungo (MM): Não sei se haverá perdão da dívida como nós gozamos no passado. Já tivemos perdão porque saímos de uma situação em que houve, evidentemente, uma agressão aberta ao Estado moçambicano por parte do regime do apartheid [da África do Sul]. Isso levou à destruição completa da economia moçambicana, que não podia pagar as suas dívidas. A comunidade internacional compreendeu que Moçambique merecia, de facto, um apoio no perdão da sua dívida para poder sair da crise em que se encontrava, provocada do exterior, para poder trilhar novos caminhos. Agora, com o anúncio de um "boom” de investimentos, etc., não sei se a solução de perdão da dívida vai funcionar ou se será outra em que a dívida terá de ser paga noutras ocasiões.

DW África: Considera que o país devia recorrer ao Clube de Paris, a associação informal dos países credores?

MM: Não sei se vai ser discutida no âmbito do Clube de Paris. Penso que vai ser discutida no âmbito do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.

DW África: Mas, não seria legítimo Moçambique recusar o pagamento da dívida escondida das duas empresas estatais MAM – Mozambique Asset Management – e ProIndicus, já que esta dívida nunca foi autorizada pelo Parlamento?

MM: Ainda bem que lhe chama de duas dívidas de empresas estatais que estão envolvidas nisto. É um processo muito complexo.  O relatório da empresa Kroll ainda não é conhecido. Não sabemos também qual será a posição da Procuradoria Geral da República perante este relatório. Só depois disso é que poderemos nos posicionar sobre o que será.

DW África: Por uma questão de justiça e de transparência, não acha que os verdadeiros culpados deveriam ser punidos pelo aumento da dívida, que triplicou de 40 por cento do PIB em 2012 para cerca de 130 por cento em 2016?

MM: Eu tenho dificuldades de dizer quais são. Às vezes, nós em África, alguns responsáveis pensam que podem tomar certas medidas e andar para a frente, ainda que não sejam de todo condenáveis. Entretanto, esquecem-se das instituições existentes. Têm que ouvir essa instituição, ter autorização, etc. (…). Este é um fenómeno que infelizmente acontece em muitos países africanos. Chegou a acontecer no nosso país. De modo que, depende da posição que tomar a Procuradoria Geral da República (PGR). E depois, se quiser a PGR tomar uma posição favorável no sentido de que o Estado moçambicano tem de assumir, apesar de tudo, essas dívidas, a Assembleia da República terá de ratificar ou não.

DW África: Certamente que esta crise da dívida tem efeitos perversos na economia moçambicana?

MM: Tem. Sobretudo no Orçamento Geral do Estado, na dívida pública relativamente ao PIB; tem efeitos e encargos muito grandes que vão impedir a realização de muitos projetos de desenvolvimento, sobretudo sociais, com impacto na vida dos moçambicanos.

DW África: Para lá das consequências ou efeitos negativos da dívida oculta na economia moçambicana, em respeito à situação política, acredita que existe vontade de ambas as partes em conflito, o Governo e a RENAMO, em trazer a paz para Moçambique?

MM: O que eu sinto é que há uma vontade política dos dois lados em conflito de trazer a paz para Moçambique, porque os donos do mundo também querem essa paz para poderem trabalhar melhor e extrair melhor os recursos que existem.

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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