São quase quatro da manhã. As estradas estreitas que serpenteiam a serra, na zona de Porto de Mós, mal aguentam que dois carros de bombeiros se cruzem, quanto mais com carros estacionados de um lado e do outro. A GNR faz o que pode para tentar desimpedir a via e facilitar a vida aos bombeiros que estão há mais de uma semana a combater as chamas. São quase quatro da manhã e aquela estrada de acesso à serra, em Porto de Mós, parece a segunda circular em hora de ponta.– “Minha senhora, vai ter que sair daí, tenha paciência”, insiste pela enésima vez o militar da GNR, com a mesma mulher. Acompanhada do marido, deram-se ao trabalho de sair de casa de madrugada, não para ir ajudar a apagar as chamas, não para levar comida e bebida aos bombeiros, mas para ver o incêndio. E foram de carro, o mais longe que conseguiram, encostaram no primeiro buraco que encontraram, saíram e ficaram a admirar as chamas. Se fossem só estes dois imbecis, não valia o esforço de estar a escrever este texto. Mas eram dezenas, espalhados estrada fora, encostados aos carros, a “apreciar” a serra que estava a ser consumida pelas chamas.
-“Olha, olha, devem ter ficado sem água. O autotanque deve ir abastecer.”
– “Sabe qual é o problema, é que a malta não limpa isto durante o ano e, prontos, depois acontecem estas coisas.”
– “Eles deviam mandar mais bombeiros. Assim, nunca mais apagam isto.”
A quantidade de alarvidades e banalidades que se dizem por minuto é assustadora. O militar da GNR, que entretanto já pediu reforços, começa a perder a paciência com as pessoas que insistem em ficar. Algumas ainda respondem incomodadas e com maus modos. Entram contrariadas nos carros, congestionam só mais um bocadinho o trânsito, andam uns quilómetros e voltam a parar mais à frente com um ar trocista de quem acha que é mais esperto que toda a gente.
Cruzei-me com estes imbecis em 2005, quando fazia reportagem do incêndio que lavrou durante uma semana, ininterruptamente, no concelho de Porto de Mós. Ouvir, 12 anos depois, os apelos das autoridades para que as pessoas não se desloquem para a zona dos incêndios é a prova provada de que não só não há limites para a imbecilidade, como há imbecis em todo o lado.
Os imbecis – Parte II
As chamas ainda lavram com intensidade, as pessoas ainda andam a tentar salvar as casas, o balanço dos mortos e feridos ainda está longe de estar fechado, as autoridades ainda estão no início das investigações e lá estão eles. Os imbecis que se alimentam da crítica e gostam tanto de se ouvir, que falam sobre o que não sabem, não conhecem, não testemunharam. Há de tudo um pouco. Os “Pepes Rápidos” das redes sociais, que se pelam por uma boa polémica que lhes encha a caixa de comentários, e os que não podem ver uma câmara de televisão ou um microfone, sem irem a correr. Falam, muito indignados, para apontar o dedo aos bombeiros, aos autarcas, ao governo. Vale tudo, por 30 segundos de fama.
A tragédia de Pedrógão Grande é, antes de qualquer outra coisa, isso mesmo. Uma tragédia. A capacidade de mobilização, numa situação como esta, é absolutamente determinante e deve ser a principal prioridade. Este é o momento para ajudar, não para criticar. Mesmo havendo, como imagino que haja, ilações e responsabilidades a assumir. E queria só lembrar aos imbecis que falam de tudo e de nada que, se querem ajudar, há muita família enlutada, sem casa, sem nada. Essas pessoas precisam de ajuda. Se querem ajudar, ajudem os bombeiros que estão a arriscar a vida.
Fazer antes de falar parece do mais elementar bom senso, mas lá está. Não há limites para a imbecilidade e, lamentavelmente, há imbecis em todo o lado.
Por Anselmo Crespo em http://www.dn.pt
Pode ler artigo original em http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-crespo/interior/os-imbecis-8572831.html
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Idem BPS
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