A doutrina comunista é intrinsecamente má, mesmo em suas formas mais atenuadas. Entretanto, quando levada às suas últimas consequências, ela se torna verdadeiramente satânica. Um pavoroso exemplo disso foi o ocorrido no Cambodge, quando o Khmer Rouge (ou Khmer Vermelho — guerrilheiros do partido comunista daquele país) conquistaram o poder e procuraram extirpar da nação, pelos meios mais violentos, qualquer vestígio de civilização ocidental. O objetivo deles era criar o utópico “homem novo”, para o qual era necessário dizimar completamente a população e recomeçar tudo do zero.
País pobre e sofrido
O Cambodge fica no sudoeste da Ásia e sucedeu ao Império Khmer hinduísta e budista, que reinou praticamente em toda a península da Indochina. Tem fronteiras com a Tailândia, o Laos e o Vietnã. Com 96% de sua população formada por seguidores do budismo — religião oficial do Estado —, possui uma pequena comunidade muçulmana, outra católica, e algumas tribos das montanhas.
O país vive principalmente da agricultura (57,6% da população ativa), do turismo e da indústria de confecções. Há pouco tempo foram descobertos petróleo e gás natural em suas águas territoriais. Embora no final dos anos 90 tenha havido um forte desenvolvimento econômico, graças ao afluxo de investimentos internacionais e ao turismo, o país é muito pobre: 31% de sua população vivem abaixo do limite da pobreza.
Essa pobreza foi muito acentuada a partir do ano de 1975, com a tomada do poder pelo Khmer Rouge, formado por comunistas da linha maoísta mais radical. É dessa época que vamos tratar.
Radicalidade no mal
Antigo protetorado francês, o Cambodge ganhou sua independência em novembro de 1953, quando se tornou uma monarquia constitucional com o rei Norodom Sihanouk [foto ao lado].
Muito bem armados pela China comunista, membros do movimento guerrilheiro Khmer Rouge iniciaram no fim da década de 60 uma bem-sucedida investida terrorista. Em 1975 tomaram Phnom Penh, capital do país, bem como algumas de suas cidades principais, nas quais instalaram um regime de terror. Sem Deus nem entranhas, eles evacuaram violentamente as cidades — inclusive os hospitais — e obrigaram todos os seus habitantes a marchar, quase sem água nem alimento, rumo à floresta ou a campos de trabalho forçado. Para que não pensassem em voltar, muitas vezes queimavam suas casas.
Milicianos de um movimento profundamente igualitário, eles simplesmente eliminavam, ou mandavam executar os trabalhos mais servis, os “parasitas da sociedade” que tivessem aparência de intelectual ou de pertencerem à elite. Desse modo liquidaram sumariamente quase todos os médicos, engenheiros, advogados, professores e membros da administração anterior.
Os guerrilheiros khmers rouge [foto ao lado] aboliram a propriedade privada e não davam qualquer importância ao dinheiro, que era jogado nas ruas como coisa sem valor. Os doentes dos hospitais que não podiam acompanhar a marcha forçada para a floresta se arrastavam pelas ruas e morriam pelo caminho, sem atendimento médico nem remédios.
Phnom Penh transformou-se numa cidade fantasma, enquanto milhares de pessoas morriam de fome ou doenças nos campos de concentração, quando não eram simplesmente assassinadas.
O Khmer Rouge destruía de modo sistemático todas as fontes de alimento que não podiam ser controladas facilmente pelo Estado; cortou árvores frutíferas, proibiu a pesca, interditou o plantio e a colheita do arroz silvestre que dava nas montanhas. Sua sanha levou-o a abolir até mesmo os remédios e os hospitais. Apesar da penúria em que ficou o povo, exportava os alimentos e recusava as ofertas de ajuda humanitária[i]. Também destruiu bibliotecas, templos, eliminando tudo aquilo que pudesse lembrar o Ocidente ou ser obstáculo ao regime.
Desse modo, segundo estimativas, as vítimas fatais do Khmer Rouge chegaram aproximadamente a três milhões, ou seja, cerca de um quarto da população.
Invasão dos vietnamitas
Esse regime maoísta era tão cruel, que o seu vizinho Vietnã, apesar de comunista, temendo que o caos provocado se instalasse em seu território, invadiu o Cambodge e derrubou o regime dos khmers vermelhos, que passou para a clandestinidade e a luta de guerrilhas.
Entretanto, para o sofrido país quase não houve alteração, pois o regime de “Lúcifer” apenas fora mudado pelo de “Satanás”, sendo os comunistas vietnamitas apenas um pouco menos radicais que os do Khmer Rouge.
Durante toda a década dos 80, sob o jugo comunista do Vietnã, o Cambodge continuou a ser arruinado e dividido segundo o resultado dos combates. A falta de alimentação e de remédios provocou devastações, e as epidemias milhares de mortos. Nesses nefastos anos, centenas de milhares de refugiados cambojanos fugiram para a Tailândia.
Volta a uma seminormalidade
Com a retirada dos vietnamitas em 1989 e o envio de forças da ONU no princípio dos anos 90, aos poucos a normalização começou a voltar, embora persistissem muitas violações da lei e arbitrariedades.
O atual primeiro-ministro do Cambodge é Hun Sem. Ele foi colocado pelos vietnamitas e vem se mantendo no poder graças a três eleições duvidosas, realizadas em clima de violência política. Sihanouk voltou ao poder em 1993, mas abdicou em 2004 em favor de seu filho mais novo, Norodom Sihamoni[ii].
A Igreja Católica no Cambodge tem atualmente 23 mil fiéis, num país de quase 16 milhões de habitantes (0,14% da população). Eles eram 65 mil em 1970, mas foram sucessivamente exterminados pelo regime do Khmer Rouge: primeiramente de 1975 a 1979, e depois durante a ocupação vietnamita (1979-1989). Em 1990 só restavam cinco mil, pois 92% haviam sido assassinados ou fugiram[iii].
Com a volta de uma relativa normalidade, no Domingo de Páscoa de 1990 — pouco depois do fim do comunismo vietnamita — foi novamente possível celebrar uma missa pública nesse tão dilacerado país.
Os 35 mártires do Cambodge
Durante a diabólica ocupação dos khmers rouge, muitos católicos, como dissemos, foram martirizados. Está em curso o processo de beatificação de 35 deles — entre os quais um bispo, missionários estrangeiros, sobretudo franceses, sacerdotes locais e catequistas leigos —, mortos de fome ou de exaustão, ou simplesmente assassinados.
Dom Joseph Chmar Salas, bispo de Phnom Pen, que encabeça a lista desses mártires, morreu de fome aos 40 anos, num campo de concentração. Seus pais recolheram sua cruz peitoral, em torno da qual os prisioneiros católicos se reuniam para fazer suas orações[iv].
É espantoso notar que, apesar de todas essas abominações e morticínios (calcula-se que um quarto da população foi exterminado), o Khmer Rouge obteve na época o reconhecimento de 63 países como verdadeiro governo do Cambodge e indicação para ter assento na ONU!
Epilogo
David Roberts, especialista em Direitos Humanos no sudeste asiático, descreve muito bem o atual Cambodge: “Um Estado de livre mercado vagamente comunista, com uma coalizão relativamente autoritária governando uma democracia superficial”[v].
Entretanto, apesar desse trágico quadro, a Igreja Católica está progredindo. Só na Vigília Pascal deste ano, 300 cambojanos nela ingressaram pelo Santo Batismo.
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Notas;
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